quinta-feira, 30 de julho de 2015

Joaquim Pedro de Andrade terá obra revisitada em Retrospectiva Integral no Cine Humberto Mauro | Rotina em Belo Horizonte

Já é uma tradição para cinéfilos e amantes dos bons filmes em Belo Horizonte aguardar ansiosamente a divulgação de mostras especiais dentro da programação anual do Cine Humberto Mauro. Desde algum tempo (e ano após ano) a Casa oferece ao público retrospectivas integrais dos principais cineastas da História do Cinema Mundial. Em 2014, por exemplo, Ingmar Bergman e Stanley Kubrick tiveram todas as suas obras reunidas em eventos especiais dedicados às suas respectivas carreiras. Ainda no ano passado, o próprio Humberto Mauro, grande pioneiro do Cinema Brasileiro, teve o seu maior número de títulos agrupados naquela que se tornou a mais completa mostra dedicada à sua carreira já realizada no Brasil.

E depois de ter homenageado o diretor que dá nome à importante sala de cinema do Palácio das Artes, o Cine Humberto Mauro agora dedica a sua programação a mais um grande cineasta brasileiro com a exibição da Mostra “Joaquim Pedro de Andrade - Integral”. Do dia 30 de julho ao dia 6 de agosto, o público da capital mineira poderá conferir a filmografia completa do diretor carioca, nome sempre respeitado no circuito nacional e internacional durante os pouco mais de 20 anos de uma breve e brilhante carreira. Serão apresentados, em formato de películas belissimamente restauradas, todos os seus 14 filmes, sendo seis longas e oito curtas-metragens. Além disso, será apresentado o documentário “Histórias Cruzadas” (2008), que aborda a obra de Joaquim Pedro do ponto de vista afetivo familiar e é dirigido por Alice de Andrade, filha do cineasta.

Um país com urgência de bradar tanto as suas conquistas quanto, principalmente, as suas mazelas. Foi esse o cenário encontrado por Joaquim Pedro de Andrade que, ao lado de cineastas como Glauber Rocha, Leon Hirszman e Rogério Sganzerla propunham discutir e problematizar a crueza da sociedade brasileira através da produção de seus filmes, sempre influenciados de maneia direta pela Nouvelle Vague Francesa e pelo Neorrealismo Italiano. Tais características acabaram transformando-os nos principais expoentes do movimento que ficou conhecido como Cinema Novo Brasileiro.

No caso de Joaquim Pedro de Andrade, a maioria das obras (tanto os documentários quanto as ficções) também buscava manter uma relação estreita com a literatura brasileira e com os seus principais representantes. A arte literária é, inclusive, uma das grandes responsáveis por criar os maiores mitos e lendas do imaginário popular, sendo que esses são capazes de discutirem e retomarem a própria linguagem cultural do país estabelecendo, ainda, bases extremamente fortes para a construção e a reconstrução de uma identidade nacional que não pode ser perdida jamais.

O cineasta carioca Joaquim Pedro de Andrade (1932 - 1988) - Divulgação

Em seus dois primeiros filmes, por exemplo, Joaquim Pedro de Andrade acompanha intimamente as rotinas de manhãs ordinárias vividas pelo poeta Manuel Bandeira e pelo sociólogo Gilberto Freyre em pequenos documentários de curta-metragem. “O Poeta do Castelo” e “O Mestre de Apipucos”, ambos de 1959, colocam os prodigiosos e quase quiméricos intelectuais como quaisquer um de nós e refletindo que, para construir e contribuir de forma direta com os anseios de nação, basta que mantenhamos vivos os nossos sonhos e os exercícios de nossas mentes, além de continuarmos fazendo o nosso próprio café da manhã, datilografarmos os nossos próprios trabalhos ou, simplesmente, andarmos de forma tranquila pelas ruas das cidades em que moramos.

A relação de Joaquim Pedro de Andrade com as artes, sobretudo com a literatura, foi estabelecida desde a sua infância. Ele era filho do jornalista mineiro Rodrigo Melo Franco Andrade, primeiro diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN, atual IPHAN) e que tinha, em seu ciclo convencional de amizades, os mais importantes pensadores e estudiosos brasileiros da época. O próprio Manuel Bandeira era, inclusive, grande amigo da família Andrade e padrinho de crisma do, até então, jovem e promissor diretor. Tal relação fez com que Joaquim Pedro se aproximasse dessas grandes obras que, futuramente, o fizeram adaptar as suas primeiras ficções. “O Padre e a Moça” (1966) é baseado em poema homônimo de Carlos Drummond de Andrade; e “Macunaíma” (1969) é a sua primorosa adaptação do não menos grandioso romance de Mário de Andrade, companheiro de seu pai e de Manuel Bandeira na idealização e inauguração da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo.

“Macunaíma”, a versão cinematográfica do grande clássico modernista publicado originalmente em 1928 é, sem dúvida, o maior sucesso de crítica de Joaquim Pedro de Andrade e, talvez, a sua obra mais reconhecida popularmente. Nela, acompanhamos a trajetória de Macunaíma (Grande Otelo/Paulo José), o preguiçoso e traiçoeiro “herói sem nenhum caráter”, que nasce embrenhado na mata virgem como um menino negro. De preto retinto, virou branco; e depois de adulto abandona o sertão para viver na cidade grande junto com os seus dois irmãos. Conhecendo e amando prostitutas e guerrilheiras, Macunaíma termina enfrentando todos os tipos de “inimigos” na tentativa de reconquistar um antigo amuleto que ganhara. No seu caminho surgirão vilões insólitos, policiais (des)ordeiros e o excêntrico milionário Venceslau Pietro Pietra (Jardel Filho).

"Macunaíma" (1969) de Joaquim Pedro de Andrade - Condor Filmes [br] | Filmes do Serro [br] | Grupo Filmes [br]
Instituto Nacional de Cinema (INC) [br]

Com forte apelo social, “Macunaíma” estabelece uma sensível e direta relação com o público espectador do filme. Para torná-lo ainda mais acessível, Joaquim Pedro de Andrade roteiriza uma história bem-humorada conduzida por diálogos inteligentes e carregados de ironias preservadas da história original, além de recorrer a uma bela fotografia tomada por cores fortes e contornos sólidos, construindo visuais encantadores. Segundo o próprio cineasta dizia, “‘Macunaíma’ é um filme que encontra não só o Brasil, mas a América Latina em todos os sentidos” e, na busca natural por um legítimo herói nacional, um salvador da pátria, acabamos presenciando a conformada história de um homem comum sendo devorado pelo seu próprio país.

Joaquim Pedro de Andrade morreu muito jovem, com apenas 56 anos, deixando o ambicioso projeto de uma versão cinematográfica de “Casa-Grande & Senzala” de Gilberto Freyre restrita somente para a imaginação dos admiradores de seu trabalho. Entretanto, em sua trajetória de adaptações literárias, o diretor ainda pôde se utilizar dos escritos do poeta Tomás Antônio Gonzaga para contar a sua versão da conspiração separatista da elite social mineira em “Os Inconfidentes” (1972), longa-metragem que acabou se tornando o vencedor da primeira edição do Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) na categoria de Melhor Filme, em 1973.

Contudo, os maiores reconhecimentos do trabalho de Joaquim Pedro de Andrade vieram com as conquistas do Troféu Candango de Melhor Filme no Festival de Brasília na sua 8a Edição, por “Guerra Conjugal” (1974), e na 14ª Edição, por “O Homem do Pau-Brasil” (1982); muito embora o seu já citado “O Padre e a Moça” (1966) tenha recebido uma indicação ao Leão de Ouro do Festival Internacional de Cinema de Berlim; e “Macunaíma” (1969) tenha saído como o grande vitorioso no tradicional Festival de Mar del Plata, na Argentina, anos antes.

Ainda cabe destacar que o forte veio documentarista observado nos trabalhos de Joaquim Pedro de Andrade (principalmente em seus curtas de início de carreira) amadureceram e foram responsáveis por registrar belas e notórias preciosidades do nosso tradicional cinema documental, como e o caso dos anteriores “Garrincha - A Alegria do Povo” (1963), documento valoroso idealizado por Luiz Carlos Barreto e Armando Nogueira sobre um de nossos maiores jogadores de futebol; “Cinema Novo” (1967), produção alemã  dirigida por Joaquim Pedro sobre os seus colegas de movimento cinematográfico; e “Brasília, Contradições de uma Cidade Nova” (1968), sobre a recém-criada capital do país que, embora planejada, enfrentava sérios problemas, como a opressiva segregação social já em seus primeiros anos de vida.

"Garrincha - Alegria do Povo" (1963) de Joaquim Pedro de Andrade
Armando Nogueira Produções Cinematográficas [br] | Luiz Carlos Barreto Produções Cinematográficas [br]

Ressaltamos que todos os filmes citados no artigo, bem como os demais dirigidos por Joaquim Pedro de Andrade, estarão dentro do programa de exibição elaborado pela Gerência do Cine Humberto Mauro para essa próxima semana. E como atividade complementar, a Casa ainda oferece para o público o curso “O Poeta da Palavra e da Imagem” ministrado pelo pesquisador, crítico e comentarista de cinema Professor Ataídes Braga, do Centro Universitário UNA, de Belo Horizonte.

Oferecendo uma análise e uma leitura completa sobre a obra de Joaquim Pedro de Andrade e a sua fundamental importância para a História do Cinema Brasileiro, o curso terá carga horária total de cinco horas e acontecerá nos dias 4 e 5 de agosto, com início sempre às 14:00. As inscrições são gratuitas e devem ser feitas pelo e-mail: cursos.cinehumbertomauro@gmail.com

Maiores detalhes desta Mostra estão disponíveis no site da Fundação Clóvis Salgado (fcs.mg.gov.br) ou podem ser acessadas diretamente pelo link Mostra “Joaquim Pedro de Andrade - Integral”. Lembrando que a entrada é gratuita, mas é necessário retirar os ingressos na bilheteria do cinema meia hora antes de cada sessão. O Cine Humberto Mauro está localizado no Palácio das Artes, na Avenida Afonso Pena 1537, centro de Belo Horizonte.

BOAS SESSÕES, BOM APRENDIZADO E BOM DIVERTIMENTO!

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