quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

20 Filmes que completam 20 Anos em 2017 | Parte IV

Sem sombra de dúvidas, o cinema é um dos principais instrumentos que o ser humano dispõe para amenizar as suas inquietudes e procurar um verdadeiro sentido para a própria vida ou, pelo menos, para poder questionar as estruturas da delirante sociedade na qual está inserido. O curso natural e descontrolado dos eventos que vêm moldando o Século XXI escancaram uma realidade cada vez mais angustiante e abalam todas as estruturas de nossa existência. O fato é que nunca seremos capazes de reescrever os capítulos mais aterrorizantes e perturbadores da História, mas ainda temos ao nosso favor alguns de seus recortes mais valiosos, passagens que foram eternizadas em diversas obras da cinematografia mundial – são todos eles filmes incríveis capazes de nos proporcionar experiências intensas e curiosas reflexões atemporais.

Encerrando a retrospectiva especial que o Rotina Cinematográfica vem realizando ao longo dessa última semana, a quarta e última parte da nossa revisão apresentará cinco importantes filmes lançados em 1998, trabalhos que estabelecem uma conexão muito forte com os nossos receios em relação aos acontecimentos do presente e do futuro, além e estreitarem os laços com as experiências e provações vividas de forma intensa pela humanidade no passado, sobretudo aquelas que foram reflexos de adversidades catastróficas há cerca de 80 anos (no caso dos três primeiros títulos).

O Resgate do Soldado Ryan (Saving Private Ryan, Estados Unidos, 1998)

Direção: Steven Spielberg

Liderado pelo Capitão John H. Miller (Tom Hanks), um batalhão do exército dos Estados Unidos precisa ultrapassar as linhas inimigas para resgatar o paraquedista James Francis Ryan (Matt Damon), único sobrevivente de um grupo de quatro irmãos militares que foram massacrados em uma missão. No plano cinematográfico, a jornada desses soldados começa dentro da elogiada e sanguinolenta sequência inicial, remontando de forma magistral o desembarque das Tropas Aliadas no litoral da Normandia naquele que ficou conhecido como o Dia D, um dos principais capítulos da reta final dos conflitos da Segunda Guerra Mundial. Conduzida por Miller, a horda de oficiais continua seguindo o seu caminho pela praia, muito embora alguns deles passem a questionar o sentido da expedição.

À medida que as dificuldades vão surgindo, é impossível que nenhum deles comece a refletir sobre os reais motivos de oito homens estarem arriscando as suas próprias vidas para poder salvar apenas um companheiro. Em “O Resgate do Soldado Ryan”, o diretor Steven Spielberg precisou elevar ao máximo a sua tênue relação com a violência para que, de maneira incisiva, pudesse se apoiar nos dramas particulares vivido por cada de seus personagens, penetrando em mentes que tentavam entender se todo o horror de uma guerra fazia o mínimo sentido e se tudo que estão fazendo seria justificado no futuro.

"Saving Private Ryan" (1998) de Steven Spielberg - DreamWorks [us] | Paramount Pictures [us]
Amblin Entertainment [us] | Mutual Film Company [us] | Mark Gordon Productions [us]

Além da Linha Vermelha (The Thin Red Line, Estados Unidos, 1998)

Direção: Terrence Malick

Vencedor do Urso de Ouro do Festival Internacional de Berlim em 1999, a adaptação do romance autobiográfico do novelista estadunidense James Jones, “Além da Linha Vermelha” traz mais um recorte mordaz da Segunda Guerra Mundial ao enfocar os desdobramentos da Batalha de Guadalcanal, campanha que influenciou diretamente na contenção dos avanços do exército japonês pelo Pacífico. Um grupo de jovens oficiais é enviado para a ilha para auxiliar e reforçar as enfraquecidas unidades da marinha. Devidamente instalados, os soldados passam a contrastar o terror que lhes é constantemente esfregado na cara com a profunda e eterna busca de sentido para a vida.

Com um elenco recheado de astros e atores promissores, o filme ainda marcou o ousado retorno de Terrence Malick ao cinema após um hiato de vinte anos – o diretor não conduzia um projeto desde o aclamado “Cinzas no Paraíso” (1978). Curioso é perceber o quão arriscado foi o seu lançamento, pois chegou às telas apenas alguns meses depois de “O Resgate do Soldado Ryan” (1998), o imponente trabalho de Steven Spielberg. O mais intrigante é notar que ambos tiveram boas recepções, mesmo tratando o mesmo assunto de maneiras completamente diferentes. Enquanto um deles trata os horrores da guerra de uma forma violentamente emocional, o outro nos oferece uma visão mais reflexiva. Malick consegue nos mostrar – aqui – que enfrentar toda essa bestialidade é uma questão, acima de tudo, cerebral.

"The Thin Red Line" (1998) de Terrence Malick - Fox 2000 Pictures [us] | Geisler-Roberdeau [us] | Phoenix Pictures [us]

Trem da Vida (Train de Vie, França | Bélgica | Holanda | Israel | Romênia, 1998)

Direção: Radu Mihaileanu

Com a franca expansão das forças do Terceiro Reich durante os primeiros anos de conflitos da Segunda Guerra Mundial, habitantes de um pequeno vilarejo judaico localizado no centro da Europa decidem se organizar e forjam um falso trem de deportação para que possam escapar de uma real ameaça nazista. É através de Shlomo (Lionel Abelanski), o maluco da aldeia, que os moradores vão se atualizando sobre os avanços do exército de Hitler enquanto tentam traçar os caminhos a serem percorridos pelo comboio cabotino. Essa ideia surreal partiu, inclusive, do próprio Shlomo, mas foi acatada por todos por ser a única solução viável diante tamanho desespero para alcançar o objetivo primordial: fugir com segurança para a Palestina.

A caminho da Terra Prometida, toda a dinâmica dentro do trem passa a ser encenada pelos membros da comunidade, interpretando eles mesmos os soldados alemães, os maquinistas e a variada gama de deportados. Entretanto, uma série de problemas começam a aparecer à medida que as dissimulações vão ficando cada vez mais realistas, o que acaba colocando em risco todos os planos de uma viagem que, aparentemente, seguia com tranquilidade. Orquestrado com maestria, bastante bom humor e uma incrível sensibilidade do diretor romeno Radu Mihaileanu, “Trem da Vida” mexe com os sentimentos do espectador ao sair do lugar comum para tratar um tema tão delicado e recorrente quanto o Holocausto, uma das maiores loucuras já vistas no mundo real.

"Train de Vie" (1998) de Radu Mihaileanu - Belfilms [il] | Canal+ [fr] | Centre National de la Cinématographie (CNC) [fr] | Centre du Cinéma et de l'Audiovisuel de la Fédération Wallonie-Bruxelles [be] | Eurimages [fr] | Hungry Eye Lowland Pictures B.V. [nl] | Noé Productions [fr] | PolyGram Audiovisuel [fr] | RTL-TVi [be] | Raphaël Films | Sofinergie 4 [fr]

Medo e Delírio em Las Vegas (Fear and Loathing in Las Vegas, Estados Unidos, 1998)

Direção: Terry Gilliam

Baseado no romance homônimo do extravagante escritor estadunidense Hunter S. Thompson, “Medo e Delírio em Las Vegas” é um moderno film à clef que reverencia a viagem psicodélica de seu próprio autor, um sujeito que procura alcançar o idealismo do sonho americano através do consumo exagerado de álcool e de várias substâncias lisérgicas. Thompson é considerado o pai do jornalismo gonzo, publicação na qual o narrador abandona o plano da objetividade para se intrometer diretamente na ação, misturando-se com a realidade da maneira mais abstrata possível. Para comandar essa excêntrica aventura alucinógena não poderia haver ninguém melhor que Terry Gilliam – um diretor que sempre flutua em mundos fantasiosos, mas deixa pelo menos um dos dedos de seus pés encostado no chão.

No campo ficcional, essa mesma jornada de insanidade é vivida por Raoul Duke (Johnny Depp), repórter enviado à Las Vegas para cobrir o Mint 400, uma famosa corrida de motos realizada no meio do deserto. Na companhia de seu advogado, o imputável e intransigente Dr. Gonzo (Benicio Del Toro), o jornalista acaba mergulhando em um paranoico submundo de conspirações no qual somente drogas muito poderosas podem fazer com que os eventos vividos por eles transcorram com aparente normalidade. Enérgico e, por vezes, hilariante, o filme não mede esforços para engrandecer experiências verdadeiramente intensas diante de um arquétipo de realidade moldado por uma forma de existência tão opressiva.

"Fear and Loathing in Las Vegas" (1998) de Terry Gilliam - Fear and Loathing LLC [us]
Rhino Films [us] | Shark Productions [us] | Summit Entertainment [us] | Universal Pictures [us]

Pi (Pi, Estados Unidos, 1998)

Direção: Darren Aronofsky

Maximillian Cohen (Sean Gullette) é um matemático paranoico que procura, de forma incansável, por uma sequência numérica chave que desbloqueie ou unifique todos os padrões universais encontrados na natureza. Enclausurado, evitando a luz do sol e o contato com outras pessoas, Max acaba construindo um supercomputador que lhe fornece o encadeamento completo do número π. Tal descoberta faz com que ele compreenda toda a existência da vida na Terra decifrando, inclusive, os maiores segredos da Bíblia Sagrada e podendo até mesmo prever a sucessão lógica dos acontecimentos globais e as tendências de mercado nas principais bolsas de valores do mundo.

É claro que toda essa genialidade tem um custo alto. O jovem intelectual é assolado por dores de cabeça extenuantes e perturbadoras que se agravam à medida que os números vão lhe trazendo respostas cada vez mais reveladoras. Por fim, Max começa a ser assediado pelos nomes mais importantes de Wall Street e passa a ser perseguido por integrantes de uma obscura seita judaica radical que também pretende elucidar os mistérios que existem por trás deste enigma matemático. Caótico, enérgico e intrigante, “Pi” ainda representa a estreia avassaladora do diretor e roteirista nova-iorquino Darren Aronofsky em longas-metragens, observando nele o vigor que continuaria dando a tônica em seus trabalhos posteriores.

"Pi" (1998) de Darren Aronofsky - Harvest Filmworks [us]
Truth and Soul Pictures [us] | Plantain Films [us] | Protozoa Pictures [us]

Dessa forma, chegamos ao fim mais uma retrospectiva – uma jornada emocional e nostálgica que reacende e alimenta a nossa memória cinematográfica. E para relembrar os filmes apresentados ao longo dessa última semana, basta continuar navegando pela página do Rotina Cinematográfica ou visitar os links correspondentes a cada um dos artigos que estão dispostos logo abaixo:

PARTE I          PARTE II          PARTE III

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