segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

20 Filmes que completam 20 Anos em 2018 | Parte III

Assim como no império do mainstream em Hollywood e como no singular mercado independente dos Estados Unidos, o cinema feito na Europa no final dos anos 90 adquiria uma personalidade cada vez mais autêntica e expressiva. Cineastas de diversos países tentavam, cada um ao seu modo, estabelecer uma reaproximação entre a linguagem clássica e a popular para que só depois começassem a lançar essa grande quantidade de trabalhos originais; projetos extremamente audaciosos que voltassem a despertar um maior interesse do público mais pela sua essência do que pelo seu valor como um bem de consumo descartável. No aspecto cultural, várias dessas obras foram construídas através de uma série de realizações bastante características.

Na terceira parte da retrospectiva especial que o Rotina Cinematográfica vem realizando ao longo dessa semana, serão apresentados cinco importantes títulos produzidos e lançados no continente europeu ao longo do ano de 1998. Dentre os selecionados, começaremos com dois filmes interessantíssimos que foram os primeiros exemplares de uma nova linha de produção e que também ajudaram a estabelecer as bases principais para a elaboração de um manifesto de cunho técnico que pretendia ir de encontro aos preceitos e regras estipulados pelo modelo industrial de se fazer cinema.

Festa de Família (Festen, Dinamarca | Suécia, 1998)

Direção: Thomas Vinterberg

Uma peça cinematográfica original que se desdobra através da crônica de um excêntrico e insólito conservadorismo que é desconstruído instantaneamente a partir do momento em que verdades desagradáveis acabam sendo reveladas na festa de 60 anos de Helge (Henning Moritzen), patriarca de uma tradicional família dinamarquesa. A amargura, a dor e a violência velada invadem o ambiente dessa celebração de maneira tão contundente que nenhum dos convidados fica imune às chocantes revelações feitas pelos filhos do aniversariante. O desvelar é franco e o gatilho do incômodo é puxado pelo primogênito Christian (Ulrich Thomsen) que faz um discurso em homenagem à sua irmã gêmea, que há poucos meses cometeu suicídio.

Com uma trama explosiva que toca fundo a alma do espectador, “Festa de Família” foi o longa responsável por inaugurar o movimento cinematográfico internacional do “Dogma 95”. Junto de seu compatriota – e também cineasta – Lars von Trier, Thomas Vinterberg criou esse cânone em forma de manifesto que pretendia encaminhar a carreira de alguns jovens diretores, incentivando-os a produzir trabalhos mais realistas e menos comercias. Os dois colegas estipularam dez regras simplistas a serem seguidas por aqueles que quisessem ter o selo do dogma empregado em seus futuros projetos e fizeram, como uma espécie de marco originário, um filme cada.

"Festen" (1998) de Thomas Vinterberg - Nimbus Film Productions [dk]
Danmarks Radio (DR) [dk] | Nordisk Film- & TV-Fond [dk] | SVT Drama [se]

Os Idiotas (Idioterne, Dinamarca | Espanha | Suécia | França | Holanda | Itália, 1998)

Direção: Lars von Trier

Futuro colecionador de polêmicas, o diretor dinamarquês Lars von Trier trazia para o seu “Os Idiotas” o certificado Dogma #2, dando continuidade à quebra do paradigma técnico e ideológico na produção simplista de filmes, sempre obedecendo as regras propostas por ele em conjunto com Thomas Vinterberg quando criaram o “Dogma 95”. Há quem diga que o movimento ia muito além das restrições básicas em relação ao uso de tecnologias nos processos de filmagem e que, na realidade, tal conceito servia para disfarçar uma grande jogada publicitária dentro do mercado cinematográfico, afinal o reducionismo não diminuía o caráter pretensioso no trabalho dos cineastas.

Sumariamente, o escandaloso ou o perturbador eram sempre contrabalanceados pela ousadia de ambos, que retratavam perfeitamente a apatia moral e política das classes média e média alta de seu país. Em seu longa, por exemplo, von Trier escancara a procrastinação ou – dependendo do ponto de vista – a potencialização da paranoia de um grupo de pessoas que se reúne em uma casa nos subúrbios de Copenhague para descobrir o verdadeiro idiota que existe dentro de cada um. Extrapolando todas as suas limitações, esses indivíduos buscam se libertar da benevolência e da racionalidade que praticamente os obrigam a viver em sociedade, se colocando à prova diante da mesma da forma mais débil e constrangedora possível.

"Idioterne" (1998) de Lars von Trier - Zentropa Entertainments [dk] | Danmarks Radio (DR) [dk]
Liberator Productions [fr] | La Sept Cinéma [fr] | Argus Film Produktie [nl]
Vrijzinnig Protestantse Radio Omroep (VPRO) [nl] | Nordisk Film- & TV-Fond [dk] | CoBo Fonds [nl]
SVT Drama [se] | Canal+ [fr] | Rai Cinemafiction [it] | 3 Emme Cinematografica [it]

A Eternidade e um Dia (Mia Aioniotita kai mia Mera, França | Itália | Grécia | Alemanha, 1998)

Direção: Theodoros Angelopoulos

Adoentado e prestes a ser internado em um hospital, o célebre escritor Alexandros (Bruno Ganz) desfruta de “seu último dia de liberdade” relembrando os momentos mais agradáveis de uma vida feliz que levou ao lado da esposa, Anna (Isabelle Renauld). Encontrada por acaso, uma carta de amor escrita há quase trinta anos pela mulher se transforma no principal motivo para que o romancista dê início a uma jornada particular de autoconhecimento. Durante uma curta – mas peculiar – viagem de carro, Alexandros se depara com um garoto albanês (Achileas Skevis) que se perdeu da família ao tentar cruzar ilegalmente a fronteira. Surge-lhe então a chance de vivenciar uma experiência verdadeiramente mágica, pois ajudar o menino a regressar para casa se torna, agora, a sua única preocupação.

“A Eternidade e um Dia” remonta a alegoria poética da finitude e demonstra quão grandiosa pode ser a nossa existência, tão maior do que qualquer preocupação em relação à proximidade da morte e do pouco tempo que sempre nos restará para encontrar soluções urgentes para os pequenos grandes problemas da vida. Foi através deste trabalho transbordado de encantamento, ousadia e sensibilidade que o diretor grego Theodoros Angelopoulos recebeu, com toda justiça, a Palma de Ouro do Festival de Cannes em 1998.

"Mia Aioniotita kai mia Mera" (1998) de Theodoros Angelopoulos - Paradis Films [fr] | Intermédias [fr]
La Sept Cinéma [fr] | Canal+ [fr] | Classic [it] | Istituto Luce [it] | Theo Angelopoulos Films | Greek Film Center [gr]
ERT1 [gr] | Westdeutscher Rundfunk (WDR) [de] | ARTE [fr] | Fonds Eurimages du Conseil de l'Europe [fr]

O Jantar (La Cena, Itália | França, 1998)

Direção: Ettore Scola

Procurando revelar o retrato amargurado e irônico da própria vida, “O Jantar” se transforma em um interessante estudo de personalidades ao tentar reproduzir alguns dos nossos maiores dramas particulares. Diante da tela, acompanhamos um grupo de pessoas que passa a noite em um típico restaurante italiano na cidade de Roma. Em cada uma das mesas pelas quais a câmera vagueia, observamos as confissões, os dilemas e as discussões de cada cliente, indivíduos que enfrentam os mais variados tipos de problemas, sejam eles amorosos, familiares ou profissionais. O estabelecimento é administrado por Flora (Fanny Ardant) que tem a companhia constante de um fiel freguês, Maestro Pezzullo (Vittorio Gassman), um professor universitário aposentado que lança olhares compassivamente solitários para todos os impasses e as consequentes soluções que vão sendo construídas naquele lugar.

O papel interpretado por Gassman é peça fundamental de uma engrenagem que firma pontos de conexão diametral entre cada uma das personagens, orquestrando de maneira admirável as ações entre funcionários da cozinha, garçons e todos aqueles que estão desfrutando de suas enternecedoras refeições. Durante pouco mais de duas horas (que refletem a duração exata desse jantar), o veterano diretor Ettore Scola demonstra – novamente – uma genialidade incomum ao criar uma estrutura narrativa cativante e melancólica, especialmente por conseguir agrupar várias histórias diferentes entrelaçadas através de um delicado e soberbo trabalho de composição de ambientes – assim como já tinha feito em seu primoroso “O Baile” (1983).

"La Cena" (1998) de Ettore Scola - Massfilm [it] | Medusa Film [it]
Les Films Alain Sarde [fr] | Filmtel [fr] | France 3 Cinéma [fr]

Corra, Lola, Corra (Lola Rennt, Alemanha, 1998)

Direção: Tom Tykwer

Conduzida pelo dinamismo de uma trilha sonora empolgante que alimenta a sinergia impecável entre a ação, a montagem e o roteiro, “Corra, Lola, Corra” ainda é uma das experiências cinematográficas contemporâneas mais interessantes de serem apreciadas, sobretudo pela coragem e inventividade do diretor alemão Tom Tykwer, que se utiliza de várias técnicas de filmagem e edição para construir planos ágeis e nos contar uma história repleta de reviravoltas eletrizantes. Com uma pegada pop quase puxada para elementos kitsch, o filme nos transporta para uma atmosfera moderna com uma estética semelhante aos viciantes clipes musicais exibidos pela MTV na mesma época.

É sempre necessário ter em mente que algumas decisões que tomamos de maneira pontual podem mudar radicalmente o rumo de nossas vidas e, no caso de Lola (Franka Potente), veremos que é preciso ter fôlego de sobra para enfrentar as dificuldades que eventualmente forem surgindo. A garota dos cabelos vermelhos recebe uma ligação de Manni (Moritz Bleibtreu), seu namorado, dizendo que esqueceu uma sacola com 100 mil marcos alemães em uma estação de metrô e que o dinheiro deveria ter sido entregue para o seu chefe, um poderoso gângster. Manni resolve assaltar um banco, pois tem um prazo de 20 minutos para recuperar toda essa quantia. Enquanto isso, Lola sai correndo desesperada pelas ruas de Berlim tentando encontrar soluções mais plausíveis e seguras para o problema.

"Lola Rennt" (1998) de Tom Tykwer - X-Filme Creative Pool [de] | Westdeutscher Rundfunk (WDR) [de] | Arte [fr]

Para conhecer ou recordar os filmes que foram apresentados anteriormente, basta acompanhar as últimas atualizações da nossa página ou visitar os links correspondentes de cada um dos artigos, que seguem especificados logo abaixo:

PARTE I                    PARTE II

Lembramos ainda que a nossa revisão cinematográfica será concluída na próxima quarta-feira, dia em que listaremos os últimos cinco títulos que irão compor a Parte IV  da retrospectiva, mantendo a promessa de revelar mais algumas incríveis produções!

Até lá...

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