Caminhando firme e tentando me equilibrar na corda bamba
que mantém o ser humano vivo entre a descrença e a perseverança, pude refletir bastante
ao longo das últimas semanas e tomar uma decisão sobre a continuidade ou não
deste modesto blog. Muitos amigos vêm dizendo que se uma pessoa não deu pelo
menos uma surtada em 2018, ela não soube viver o ano como deveria. Nesse
momento eu fecho os olhos, respiro fundo, mantenho a calma, procuro levar essa máxima
como um ensinamento e resolvo, por fim, tirar a ferrugem das falanges para
retomar o exercício da escrita – como podem perceber.
Vai ser difícil, mas vou recomeçar com alguns rabiscos,
ideias vagas sobre pares de filmes dos quais, num futuro que espero que não
demore, eu ainda consiga desenvolver estudos mais claros e originais. Dessa
forma, retomo as atividades com uma série de publicações que, de acordo com as
minhas ideias iniciais, deveriam ser compartilhadas entre os meses de junho e julho
de cada um dos anos correntes.
Como a maioria das pessoas, acredito que todos filmes
devam ser submetidos à uma indeterminada e variável ação do tempo até serem
encaixados em um patamar que, de fato, mereçam estar. É claro que uma boa parte
deles já nascem como obras-primas instantâneas, mas tenho em mente que todos os
outros precisem esperar o momento certo para receber a devida atenção ou o verdadeiro
reconhecimento do público para que, enfim, também possam ser considerados trabalhos
inesquecíveis e fundamentais dentro da eternizada linha evolutiva da História
do Cinema.
Vinte anos habitando o imaginário coletivo de milhões de espectadores
e fãs (ou sobrevivendo à duras e pesadas críticas de especialistas ao redor do
mundo) talvez sejam mais do que suficientes para que qualquer filme venha a ser
considerado um jovem clássico contemporâneo, ou para que alguma pérola
desconhecida possa ser redescoberta por pesquisadores. Com base nesse recorte
temporal, começarei a elencar uma série de importantes títulos da
cinematografia internacional que foram produzidos e lançados no ano de 1998
totalizando, até a próxima quarta-feira, o número total de 20 filmes.
A lista será composta por obras que, de certa forma, se
transformaram em peças cinematográficas atemporais devido à diferentes graus de
subjetividade acumuladas por elas ao longo deste período (aclamação popular,
participação em festivais, premiações ou reconhecimento da crítica). Começando
com um dos maiores expoentes do cinema brasileiro, acompanhe agora o início
dessa pequena retrospectiva que farei ao longo da semana e conheça, ou relembre,
alguns grandes filmes que vem sobrevivendo ao tempo e que ainda mantêm todo o fôlego
e vigor completando os seus 20 anos em 2018. Títulos essenciais que, se ainda
não estão, já deveriam estar nas estantes (ou nos HDs) de qualquer cinéfilo.
Central do Brasil (Central do Brasil, Brasil | França,
1998)
Direção: Walter Salles
Vencedor do
Urso de Ouro do Festival Internacional de Berlim em 1998 e do Globo de Ouro de
Melhor Filme Estrangeiro em 1999, “Central
do Brasil” conta a jornada emotiva e transformadora de Dora (Fernanda
Montenegro) uma professora aposentada que tenta somar uma renda extra
escrevendo cartas para analfabetos na estação Central do Brasil, no Rio de
Janeiro. Apesar de não possuir nenhum tato emocional, ela decide acolher Josué
(Vinícius de Oliveira), um garoto humilde que acabara de perder a mãe em um
acidente e que tenta desesperadamente encontrar o pai, figura qual nunca
conheceu. Mesmo a contragosto, Dora embarca com Josué para o interior da Bahia,
rumo ao sofrido coração de um país fascinante que ambos jamais imaginavam
conhecer.
Em questão de
prático reconhecimento, a trajetória do filme representa o ponto mais alto do
cinema nacional nos primeiros anos da chamada “Retomada” e, para muitos, o
capítulo mais importante da história de nossa filmografia. Mesmo com a premiada
carreira internacional, “Central do
Brasil” ainda carrega o peso de ter sido a última produção brasileira a
figurar entre as finalistas da categoria de Melhor Filme Estrangeiro na cerimônia
do Oscar. O constante vício de enaltecermos somente os vencedores das coisas que
são convenientes pode acabar nos escondendo que toda a maestria e a
simplicidade que Walter Salles empregou neste trabalho primoroso também está
presente em muitos outros projetos realizados todos os anos por aqui.
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"Central do Brasil" (1998) de Walter Salles - MACT Productions [fr] | Riofilme [br] | VideoFilmes [br] |
Três é Demais (Rushmore, Estados Unidos, 1998)
Direção: Wes Anderson
Max Fischer
(Jason Schwartzman) é um garoto perspicaz e desatinado que recebe uma bolsa de
estudos para ingressar na tradicional Rushmore Academy, escola preparatória
para jovens de famílias ricas. Correndo o risco de ser expulso por conta de
suas notas, o rapaz decide participar das atividades extracurriculares
oferecidas pela instituição e consegue obter destaque em praticamente todas
elas. Mesmo sem nenhuma desenvoltura para o convívio social, Max começa a desenvolver
uma distinta amizade com Herman Blume (Bill Murray), um milionário desencantado
com a vida que busca forças para enfrentar uma crise de identidade. Ambos
acabam se apaixonando pela professora Rosemary Cross (Olivia Williams), e é da
estranheza desse triângulo amoroso que o destino dos personagens tomam substanciais
rumos de mudança.
A partir do
lançamento de “Três é Demais”,
observamos uma característica peculiar que passa a se tornar cada vez mais
recorrente no cinema de Wes Anderson, virtudes que ajudaram o promissor
cineasta a estabelecer as bases narrativas de todos os seus projetos no futuro.
Fugindo das variáveis básicas que fundamentam a construção de um bom drama, o
diretor procura tratar com leveza as angústias e as confusões do ser humano e tenta
registrar a jornada de superação de suas personagens com toda a coragem,
frescor e originalidade que o nicho das produções indie contemporâneas se propõem a fazer, principalmente em comédias
de conteúdo como essa.
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"Rushmore" (1998) de Wes Anderson - American Empirical Pictures [us] | Touchstone Pictures [us] |
A Maçã (Sib, Irã | França, 1998)
Direção: Samira
Makhmalbaf
Consolidado
como um dos movimentos culturais mais expressivos e originais da década de 90,
o cinema iraniano se revelou para o mundo através de seu virtuosismo e da
extrema capacidade de retratar, de maneira muito simples, a verdadeira essência
de sua sociedade. Tamanho reconhecimento possibilitou que Samira Makhmalbaf,
filha prodigiosa do aclamado cineasta Mohsen Makhmalbaf, chamasse atenção da
crítica internacional com um belíssimo filme de estreia, tendo conduzido as
gravações do projeto com apenas 18 anos de idade. Com roteiro assinado pelo
pai, a jovem diretora inova na mistura entre documentário e ficção para recriar
um dos episódios de natureza ética e moral mais surpreendentes já vivenciados em
seu país.
A narrativa abraça a história real de Zahra e Massoumeh,
duas irmãs que viveram trancafiadas dentro de casa por doze anos sem nenhum
tipo de contato com o mundo exterior. Privadas de liberdade pelo
conservadorismo e extremismo dos próprios pais, as meninas passam a ser
amparadas pelo serviço de assistência social de Teerã e começam a enfrentar um
difícil processo de adaptação e de reconhecimento de suas individualidades,
além de tentarem assimilar as regras básicas de convívio na comunidade em que
nasceram e que ainda irão continuar crescendo. “A Maçã” se configura, basicamente, como um doloroso estudo
antropológico que debate os conceitos de alteridade e resignação frente as
relações de interação e profunda dependência que o ser humano tem em relação ao
outro e ao seu próprio destino.
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"Sib" (1998) de Samira Makhmalbaf - Hubert Bals Fund [nl] | MK2 Productions [fr] | Makhmalbaf Productions [ir] |
Quem vai Ficar com Mary?
(There’s Something About Mary, Estados
Unidos, 1998)
Direção: Bobby Farrelly
e Peter Farrelly
Os pares de
anos que popularizaram os videocassetes durante toda a década de 80 e o início
dos anos 90 também contribuíram – e muito – para a explosão dos blockbusters. Além das megaproduções de
apelo comercial massivo, muitos estúdios passaram a investir em trabalhos menores
de jovens cineastas que, por sua vez, aproveitaram essa nova onda cultural para
lançar projetos que remodelaram um gênero bastante comum no cinema criando,
assim, o nicho das comédias levemente escatológicas. Com todas essas mudanças,
o trabalho de garimpar pérolas em um profundo poço de inutilidades ficava cada
vez mais difícil, exceto quando percebia-se a franca e pontual ascensão de
diretores como os irmãos Bobby e Peter Farrelly, que tiveram uma estreia
impressionante com o hilário “Debi &
Lóide: Dois Idiotas em Apuros” em 1994.
Já no
terceiro trabalho, a dupla demonstra um amplo controle da dissimulação (fator essencial
para a construção de um bom roteiro de comédia) e do poder de provocar o
público através de um flerte indefinido com o politicamente incorreto. “Quem vai Ficar com Mary?” gira em torno
dos esforços de Ted Stroehmann (Ben Stiller) para reencontrar Mary Jensen
(Cameron Diaz), a garota por quem era apaixonado no ensino médio, época em que
era um nerd extremamente destrambelhado. Criando o pior cenário possível para
essa busca, ele resolve contratar os serviços de Pat Healy (Matt Dillon), um
detetive particular de reputação questionável que acaba se apaixonando pelo seu
alvo de investigação.
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"There's Something About Mary" (1998) de Bobby Farrelly e Peter Farrelly - Twentieth Century Fox [us] |
O Chamado (Ringu, Japão, 1998)
Direção: Hideo Nakata
A assustadora
e sufocante trama de “O Chamado” se
desenlaça após um grupo de adolescentes começar a morrer de forma inexplicável
dias depois de frequentarem juntos uma colônia de férias. A jornalista Reiko
Asakawa (Nanako Matsushima) inicia uma investigação com base em uma fita VHS
encontrada por ela junto aos pertences de sua sobrinha, uma das vítimas desse
misterioso acontecimento. O conteúdo do vídeo apresenta imagens bizarras e
perturbadoras que se relacionam diretamente com uma famosa lenda urbana. Diz-se
que a pessoa que tiver contato com a gravação recebe uma ligação de alerta,
anunciando que em sete dias ela irá morrer. Descrente de toda a história até
ser acometida pela maldição, Reiko agora precisa correr contra o tempo para desvendar
esse enigma sobrenatural e escapar da morte.
Tão sintomática quanto a explosão dos blockbusters no mercado hollywoodiano, a
espantosa invasão de engenhosos filmes de suspense e terror em telas do oriente
acabava por movimentar os paradigmas culturais do peculiar cinema asiático,
sobretudo o japonês. Clássico contemporâneo do gênero, “O Chamado” inaugurou a safra de produções que por alguns anos
sustentou uma nova febre entre cinéfilos e não cinéfilos de todo o mundo
cativando, essencialmente, um público mais jovem. O surpreendente e vigoroso
trabalho do diretor Hideo Nakata ainda foi o grande responsável por
retroalimentar o desejo obsessivo que o establishment
do entretenimento no ocidente sempre nutriu pelas refilmagens imediatas (a
versão estadunidense do longa estreou apenas quatro anos depois do lançamento
da original).
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"Ringu" (1998) de Hideo Nakata - Basara Pictures [jp] | Imagica [jp] | Asmik Ace Entertainment [jp] Kadokawa Shoten Publishing Co. [jp] | Omega Project [jp] | Pony Canyon [jp] | Toho Company [jp] |
Continuem
acompanhando as atualizações! No sábado darei sequência à lista com a
publicação da PARTE II!
Até lá...
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