Na terceira parte da retrospectiva especial que o Rotina Cinematográfica vem realizando ao longo dessa semana, serão apresentados cinco importantes títulos produzidos e lançados no continente europeu ao longo do ano de 1998. Dentre os selecionados, começaremos com dois filmes interessantíssimos que foram os primeiros exemplares de uma nova linha de produção e que também ajudaram a estabelecer as bases principais para a elaboração de um manifesto de cunho técnico que pretendia ir de encontro aos preceitos e regras estipulados pelo modelo industrial de se fazer cinema.
Festa de Família (Festen, Dinamarca | Suécia, 1998)
Direção: Thomas
Vinterberg
Uma peça
cinematográfica original que se desdobra através da crônica de um excêntrico e insólito
conservadorismo que é desconstruído instantaneamente a partir do momento em que
verdades desagradáveis acabam sendo reveladas na festa de 60 anos de Helge
(Henning Moritzen), patriarca de uma tradicional família dinamarquesa. A
amargura, a dor e a violência velada invadem o ambiente dessa celebração de
maneira tão contundente que nenhum dos convidados fica imune às chocantes
revelações feitas pelos filhos do aniversariante. O desvelar é franco e o
gatilho do incômodo é puxado pelo primogênito Christian (Ulrich Thomsen) que
faz um discurso em homenagem à sua irmã gêmea, que há poucos meses cometeu
suicídio.
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"Festen" (1998) de Thomas Vinterberg - Nimbus Film Productions [dk] Danmarks Radio (DR) [dk] | Nordisk Film- & TV-Fond [dk] | SVT Drama [se] |
Os Idiotas (Idioterne, Dinamarca | Espanha | Suécia
| França | Holanda | Itália, 1998)
Direção: Lars von Trier
Futuro
colecionador de polêmicas, o diretor dinamarquês Lars von Trier trazia para o
seu “Os Idiotas” o certificado Dogma
#2, dando continuidade à quebra do paradigma técnico e ideológico na produção
simplista de filmes, sempre obedecendo as regras propostas por ele em conjunto
com Thomas Vinterberg quando criaram o “Dogma 95”. Há quem diga que o movimento
ia muito além das restrições básicas em relação ao uso de tecnologias nos
processos de filmagem e que, na realidade, tal conceito servia para disfarçar
uma grande jogada publicitária dentro do mercado cinematográfico, afinal o
reducionismo não diminuía o caráter pretensioso no trabalho dos cineastas.
Sumariamente,
o escandaloso ou o perturbador eram sempre contrabalanceados pela ousadia de
ambos, que retratavam perfeitamente a apatia moral e política das classes média
e média alta de seu país. Em seu longa, por exemplo, von Trier escancara a
procrastinação ou – dependendo do ponto de vista – a potencialização da
paranoia de um grupo de pessoas que se reúne em uma casa nos subúrbios de
Copenhague para descobrir o verdadeiro idiota que existe dentro de cada um.
Extrapolando todas as suas limitações, esses indivíduos buscam se libertar da
benevolência e da racionalidade que praticamente os obrigam a viver em
sociedade, se colocando à prova diante da mesma da forma mais débil e
constrangedora possível.
A Eternidade e um Dia (Mia Aioniotita kai mia Mera, França |
Itália | Grécia | Alemanha, 1998)
Direção: Theodoros Angelopoulos
Adoentado e
prestes a ser internado em um hospital, o célebre escritor Alexandros (Bruno
Ganz) desfruta de “seu último dia de liberdade” relembrando os momentos mais
agradáveis de uma vida feliz que levou ao lado da esposa, Anna (Isabelle Renauld).
Encontrada por acaso, uma carta de amor escrita há quase trinta anos pela
mulher se transforma no principal motivo para que o romancista dê início a uma
jornada particular de autoconhecimento. Durante uma curta – mas peculiar –
viagem de carro, Alexandros se depara com um garoto albanês (Achileas Skevis)
que se perdeu da família ao tentar cruzar ilegalmente a fronteira. Surge-lhe
então a chance de vivenciar uma experiência verdadeiramente mágica, pois ajudar
o menino a regressar para casa se torna, agora, a sua única preocupação.
“A Eternidade e um Dia” remonta a alegoria poética da
finitude e demonstra quão grandiosa pode ser a nossa existência, tão maior do
que qualquer preocupação em relação à proximidade da morte e do pouco tempo que
sempre nos restará para encontrar soluções urgentes para os pequenos grandes
problemas da vida. Foi através deste trabalho transbordado de encantamento,
ousadia e sensibilidade que o diretor grego Theodoros Angelopoulos recebeu, com
toda justiça, a Palma de Ouro do Festival de Cannes em 1998.
O Jantar (La Cena, Itália | França, 1998)
Direção: Ettore Scola
Procurando
revelar o retrato amargurado e irônico da própria vida, “O Jantar” se transforma em um interessante estudo de
personalidades ao tentar reproduzir alguns dos nossos maiores dramas
particulares. Diante da tela, acompanhamos um grupo de pessoas que passa a
noite em um típico restaurante italiano na cidade de Roma. Em cada uma das
mesas pelas quais a câmera vagueia, observamos as confissões, os dilemas e as
discussões de cada cliente, indivíduos que enfrentam os mais variados tipos de
problemas, sejam eles amorosos, familiares ou profissionais. O estabelecimento
é administrado por Flora (Fanny Ardant) que tem a companhia constante de um fiel
freguês, Maestro Pezzullo (Vittorio Gassman), um professor universitário
aposentado que lança olhares compassivamente solitários para todos os impasses
e as consequentes soluções que vão sendo construídas naquele lugar.
O papel interpretado por Gassman é peça fundamental de uma engrenagem que firma pontos de conexão diametral entre cada uma das personagens, orquestrando de maneira admirável as ações entre funcionários da cozinha, garçons e todos aqueles que estão desfrutando de suas enternecedoras refeições. Durante pouco mais de duas horas (que refletem a duração exata desse jantar), o veterano diretor Ettore Scola demonstra – novamente – uma genialidade incomum ao criar uma estrutura narrativa cativante e melancólica, especialmente por conseguir agrupar várias histórias diferentes entrelaçadas através de um delicado e soberbo trabalho de composição de ambientes – assim como já tinha feito em seu primoroso “O Baile” (1983).
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"La Cena" (1998) de Ettore Scola - Massfilm [it] | Medusa Film [it] Les Films Alain Sarde [fr] | Filmtel [fr] | France 3 Cinéma [fr] |
Corra, Lola, Corra (Lola Rennt, Alemanha, 1998)
Direção: Tom Tykwer
Conduzida
pelo dinamismo de uma trilha sonora empolgante que alimenta a sinergia
impecável entre a ação, a montagem e o roteiro, “Corra, Lola, Corra” ainda é uma das experiências cinematográficas
contemporâneas mais interessantes de serem apreciadas, sobretudo pela coragem e
inventividade do diretor alemão Tom Tykwer, que se utiliza de várias técnicas
de filmagem e edição para construir planos ágeis e nos contar uma história
repleta de reviravoltas eletrizantes. Com uma pegada pop quase puxada para
elementos kitsch, o filme nos
transporta para uma atmosfera moderna com uma estética semelhante aos viciantes
clipes musicais exibidos pela MTV na mesma época.
É sempre necessário
ter em mente que algumas decisões que tomamos de maneira pontual podem mudar
radicalmente o rumo de nossas vidas e, no caso de Lola (Franka Potente),
veremos que é preciso ter fôlego de sobra para enfrentar as dificuldades que eventualmente
forem surgindo. A garota dos cabelos vermelhos recebe uma ligação de Manni
(Moritz Bleibtreu), seu namorado, dizendo que esqueceu uma sacola com 100 mil
marcos alemães em uma estação de metrô e que o dinheiro deveria ter sido
entregue para o seu chefe, um poderoso gângster. Manni resolve assaltar um
banco, pois tem um prazo de 20 minutos para recuperar toda essa quantia.
Enquanto isso, Lola sai correndo desesperada pelas ruas de Berlim tentando
encontrar soluções mais plausíveis e seguras para o problema.
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"Lola Rennt" (1998) de Tom Tykwer - X-Filme Creative Pool [de] | Westdeutscher Rundfunk (WDR) [de] | Arte [fr] |
Para conhecer ou recordar os filmes que foram apresentados anteriormente, basta acompanhar as últimas atualizações da nossa página ou visitar os links correspondentes de cada um dos artigos, que seguem especificados logo abaixo:
Lembramos ainda que a nossa revisão cinematográfica será
concluída na próxima quarta-feira, dia em que listaremos os últimos cinco títulos
que irão compor a Parte IV da retrospectiva, mantendo a promessa de
revelar mais algumas incríveis produções!
Até lá...
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