segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Os Dez Melhores Filmes de 2018

Acredito que a reflexão acerca da minha lista de melhores filmes de 2018 possa ser definida como um conjunto de pensamentos soltos que tentarei representar através das palavras. Como já vinha falando em publicações anteriores, o ano foi tão complicado que, de certo modo, acabei me afastando de algumas atividades que deixaram vazias algumas lacunas preenchidas pela minha cinefilia. O fato é que pude assistir a muitos filmes, mas poucos deles foram lançamentos, o que vinha tornando a tarefa ainda mais difícil nesta reta final.

Percalços à parte, consegui encontrar tempo para fazer uma maratona durante essas últimas semanas e pude, felizmente, conferir alguns dos maiores destaques desta temporada (muitos deles, inclusive, estarão presentes nessa relação final). Muitas das produções ainda estão bem frescas na minha memória, fazendo com que os critérios e o resultado final disposto nessa publicação talvez não reflitam e nem representem tudo aquilo que eu possa julgar mais justo. O problema é que 2019 já está batendo à porta, e não há mais nada que eu possa fazer para postergar a minha decisão.

Deixo um aviso importante em relação à ausência de um dos títulos que, infelizmente, tiveram de ficar de fora dessa lista. Programado para estrear no último dia 20 de dezembro, “Guerra Fria” (2018) de Pawel Pawlikowski estava, até o último momento, relacionado como o segundo melhor trabalho desta temporada, mas teve o seu lançamento adiado para 7 de fevereiro do ano que vem, muito provavelmente por ter sido um dos nove pré-indicados na categoria de Melhor Filme Estrangeiro do Oscar 2019. Fica aqui o registro, a menção especial e a certeza de que ele estará figurando a minha próxima lista de favoritos nesse próximo ciclo.

Essa informação acaba nos levando a outra discussão extremamente necessária. Para os que sempre dizem que este ou aquele trabalho fora lançado em um ano anterior ao de 2018 – ou que tal filme tenha sido exibido pela primeira vez em determinado Festival – lembro que os critérios adotados para estabelecer quais seriam os títulos escolhidos para compor essa seleção de são subjetivos e ficam restritos apenas às produções internacionais que estrearam em 2018 nas salas de cinema do Brasil através do circuito comercial, ou aquelas distribuídas diretamente em vídeo ou lançadas em plataformas de streaming.

Superando grandes obstáculos, chego a minha relação final e, após essas breves reflexões, deixo com vocês a minha lista com Os Dez Melhores Filmes de 2018 (em ordem decrescente):

10º. LUGAR: “INFILTRADO NA KLAN”

(BlacKkKlansman, Estados Unidos, 2018) - de Spike Lee

Data da Estreia: 22 de novembro de 2018

Impulsionado por uma fervorosa première no Festival de Cannes deste ano, Spike Lee acaba subscrevendo um importante manifesto político-cultural que desafia a sociedade moderna através do lançamento de “Infiltrado na Klan”, seu mais recente projeto para as telas. A produção tem contornos radicalmente ácidos, mas jamais abandona o característico tom de ironia de seu diretor ao tecer duras críticas ao atual momento de intolerância global e ao registrar o completo repúdio ao extremismo reacionário que vem provocando a ascensão de movimentos nacionalistas de supremacia branca e ampliando ainda mais os focos de tensão racial nos Estados Unidos da Era Trump. Baseado em um inacreditável evento real, o longa remonta a admirável biografia de Ron Stallworth (John David Washington) primeiro oficial afro-americano a integrar o quadro de investigadores do Departamento de Polícia de Colorado Springs já pelos idos finais da década de 70.

Por meio de uma série de correspondências e telefonemas, Ron consegue se infiltrar em braço local da Ku Klux Klan na cidade e rapidamente se transforma em um dos membros mais influentes da organização. Para além dessa ousadia – e com a intenção de alcançar objetivos que possam levar seus planos para além do inimaginável – o policial também convence Flip Zimmerman (Adam Driver), um colega judeu, a se passar por ele durante as reuniões presenciais do grupo. Como resultado imediato dessa ação, os dois agentes conseguiram tomar a liderança da seita e foram responsáveis por interceptar uma sequência de atos criminosos idealizados pelos “colegas” racistas. Traçando um paralelo com assustadores eventos da atualidade, o filme faz um alarde sobre o impressionante poder de regressão que a violência tem, demonstrando porque a incitação ao ódio continua nos causando tamanha revolta.

"BlacKkKlansman" (2018) de Spike Lee - 40 Acres & A Mule Filmworks [us] | Blumhouse Productions [us]
Legendary Entertainment [us] | Monkeypaw Productions [us] | Perfect World Pictures [us] | QC Entertainment [us]

9º. LUGAR: “O CONTO”

(The Tale, Estados Unidos | Alemanha, 2018) - de Jennifer Fox

Data da Estreia: 18 de agosto de 2018 (lançamento direto para a TV)

Professora conceituada em sua área de atuação, Jenny (Laura Dern) é também uma prestigiada documentarista que viaja o mundo colhendo relatos de mulheres que foram vítimas de abuso sexual durante a infância. No âmbito particular, consegue manter uma relação duradoura e respeitosa com o noivo até o momento em que, de forma repentina, toda essa sólida estrutura de vida começa a ficar abalada no instante em que sua mãe encontra uma antiga e curiosa história escrita por ela aos treze anos de idade. Ao revisitar o passado, Jenny passa a questionar a natureza afetuosa do relacionamento pessoal que manteve no início dos anos 70 com a cativante Senhora G. (Elizabeth Debicki), sua antiga instrutora de equitação. Relembrando alguns fatos, ela ainda se vê obrigada a resgatar passagens escondidas na memória, sobretudo quando estava na companhia de Bill (Jason Ritter), seu treinador de força e condicionamento.

Marcada por uma crescente atmosfera de tensão, a narrativa se desenvolve com base no sofrimento encubado de sua protagonista que, através de uma purga emocional, passa a reconhecer os seus próprios traumas na mesma medida em que a realidade lhe vai sendo revelada. Inspirado nas amargas e chocantes experiências íntimas da diretora e roteirista Jennifer Fox, “O Conto” não economiza em rispidez ao mostrar o quão desumana podemos ser e como certas atitudes indignas podem afetar de maneira tão profunda os sentimentos de uma criança. Exibido apenas em Festivais e planejado para ser lançado como telefilme pela HBO, o longa não possui o apuro técnico de uma grande produção cinematográfica, mas merece figurar nesta lista por explorar de forma honesta – e absolutamente necessária – um assunto polêmico que sempre causará uma série de controvérsias quando debatido.

"The Tale" (2018) de Jennifer Fox - Gamechanger Films [us] | A Luminous Mind Production [us]
Untitled Entertainment [us] | Blackbird Films [us] | ONE TWO Films [de] | Fork Films [us]
Artemis Rising Foundation [us] | ZDF (II) [de] | ARTE [fr] | Medienboard Berlin-Brandenburg [de]
Chicago Media Project [us] | WeatherVane Productions [us]

8º. LUGAR: “O OUTRO LADO DO VENTO”

(The Other Side of the Wind, França | Irã | Estados Unidos, 2018) - de Orson Welles

Data da Estreia: 2 de novembro de 2018 (lançamento global pela Netflix)

Mais do que um grande filme, o lançamento de “O Outro Lado do Vento” é um dos eventos cinematográficos mais importantes deste século. Orson Welles faleceu há 33 anos, mas é emocionante poder assistir a um trabalho tão pessoal que, assim como o de muitos outros cineastas, já estava condenado ao esquecimento por ser considerado uma obra perdida e inacabada. Rodado entre os anos de 1970 e 1976, a produção enfrentou uma série de problemas correlacionados que iam desde as dificuldades para conseguir financiamentos até processos relacionados aos direitos de propriedade intelectual que impediam o pleno prosseguimento das filmagens. Pouco antes de sua morte, Welles tentou encarar a ilha de edição, mas todas as tentativas feitas para finalizar a montagem do longa foram classificadas como um enorme fracasso. Não por acaso, a notícia da recuperação e restauração desse patrimônio fílmico causou certo alvoroço entre os cinéfilos.

Executivos da Netflix anunciaram, em março de 2017, a compra dos direitos globais da obra e o início da missão que pretendia terminar o filme com base nos apontamentos e nas diretrizes registradas em um antigo caderno de anotações de Welles, além de aproveitar as cenas já montadas por ele. A narrativa é bastante sugestiva e acompanha os passos de Jake Hannaford (John Huston), um excêntrico diretor de Hollywood que, após anos de isolamento, retoma a carreira com planos ambiciosos e inovadores para concluir os trabalhos de um antigo projeto pessoal. O que mais impressiona em todos esses esforços para resgatar “O Outro Lado do Vento” é que ficou parecendo que ele foi propositalmente feito para ser finalizado dessa maneira. Um “canto do cisne” autobiográfico que resume a carreira conturbada de um artista incompreendido.

"The Other Side of the Wind" (2018) de Orson Welles - Royal Road Entertainment [us]
Les Films de l'Astrophore [fr] | SACI [ir] | Americas Film Conservancy [us] | Netflix [us]

7º. LUGAR: “TRAMA FANTASMA”

(Phantom Thread, Estados Unidos | Reino Unido, 2017) - de Paul Thomas Anderson

Data da Estreia: 22 de fevereiro de 2018

Trabalho maduro e sofisticado conduzido com magistralidade por Paul Thomas Anderson, “Trama Fantasma” abusa da força de representação das imagens para desvendar o poder inexorável de toda a beleza e perversidade que existe dentro de cada um de nós. O filme também marca a despedida precoce do ator Daniel Day-Lewis, que anunciou em 2017 a sua aposentadoria das telas. Ele entrega, aqui, um dos papéis mais poderosos e substanciais de sua primorosa carreira, pois se esvai de todo o protagonismo para entrar de cabeça em um ardiloso e entrelaçado jogo de vaidades, costurado por regras ditadas pela consciência e pela complexidade de cada personagem. No plano das ações, testemunhamos como a crescente incompatibilidade entre um casal unido pela conveniência acaba gerando uma série de fatos inconsequentes que evidenciam o real peso de uma relação doentia e que contornam as particularidades deste instigante melodrama.

Ambientado na requintada Londres dos anos 50, o longa mergulha a fundo no elegante mundo da moda e expõe a intimidade dos bastidores de um ateliê administrado pelo renomado, metódico e inflexível estilista Reynolds Woodcock (Day-Lewis). Examinado pelos discretos olhares da irmã e parceira nos negócios, Cyril (Lesley Manville), o costureiro mantém uma rotina de elucubrações e busca o estímulo necessário para conceber suas maiores criações através do envolvimento com modelos que entram e saem de sua vida de forma constante e descartável. A genialidade, o isolamento e a rispidez são símbolos de uma trajetória pessoal construída e consumida unicamente pelo trabalho. Habituado a vestir a realeza e a alta sociedade britânica, Woodcock vê o seu vanglorioso mundo de excentricidades desmoronar quando começa a se relacionar com a enigmática Alma (Vicky Krieps), sua mais nova musa inspiradora.

"Phantom Thread" (2017) de Paul Thomas Anderson - Focus Features [us]
Annapurna Pictures [us] | Perfect World Pictures [us] | Ghoulardi Film Company [us]

6º. LUGAR: “O PARQUE”

(Le Parc, França, 2016) - de Damien Manivel

Data da Estreia: 3 de maio de 2018

Foi em uma despretensiosa sessão no meio da tarde durante o Indie Festival de 2017 que entrei em contato com "O Parque", segundo longa-metragem do cineasta francês Damien Manivel, um legítimo representante do libertário e inventivo cinema de autor, obra que transborda originalidade em todos os seus processos de construção e que ainda é capaz de recriar ambientes e situações triviais de uma forma absolutamente fantástica. Desde então, o filme permanece reverberando na minha mente, tanto pelo estilo audacioso quanto pelo conteúdo mordaz que abre espaço para um discurso ácido sobre como o imediatismo das relações humanas podem influir na ávida impaciência da juventude. Através de um metafórico estudo do amor na modernidade, a narrativa acompanha dois adolescentes que procuram se refugiar em uma natureza bucólica e permissiva a fim de se (re)conhecerem.

Receosos no que diz respeito aos próprios sentimentos, Naomie (Naomie Vogt-Roby) e Maxime (Maxime Bachelleire) decidem marcar o seu primeiro encontro em um parque durante uma agradável tarde de verão. Após vencerem a retração e a timidez de um desajeitado contato inicial, eles começam a se aproximar de maneira mais íntima, trocando impressões e discutindo as suas maiores afinidades. Entre caminhadas, conversas e inúmeras descobertas, os jovens estabelecem uma forte conexão sentimental e acabam se apaixonando. O sol se põe e carrega consigo a angústia e o nervosismo provocados pela dor de uma inevitável separação, uma despedida amarga que marca o fim de um dia agradável que fora verdadeiramente marcante para apenas um deles. A noite chega diligentemente apressada e a escuridão constrói uma fortuita atmosfera de estranhamento, evidenciando um plano de ações marcado pela desilusão e subvertido pelo desejo de reconstruir tudo aquilo que é efêmero.

"Le Parc" (2016) de Damien Manivel - MLD Films [fr] | Shellac Sud [fr]

5º. LUGAR: “UMA NOITE DE 12 ANOS”

(La Noche de 12 Años, Uruguai | Espanha | Argentina | França | Alemanha, 2018) - de Álvaro Brechner

Data da Estreia: 27 de setembro de 2018

Produto legítimo de um cinema político libertário e abertamente emocional, “Uma Noite de 12 Anos" acompanha a dolorosa jornada de luta e resistência dos militantes Tupamaros, membros de um grupo de guerrilha urbana que combatia as oportunas tentativas de avanço de forças militares e a consequente instauração de um regime ditatorial no Uruguai. Através das memórias de suas maiores lideranças – José ‘Pepe’ Mujica (Antonio de la Torre), Mauricio ‘Russo’ Rosencof (Chino Darín) e Eleuterio ‘El Ñato’ Fernández Huidobro (Alfonso Tort) – o filme já começa com a derrocada do movimento que, de maneira franca e destemida, prosseguia nas ruas em defesa da democracia frente a ruptura institucional promovida pelo golpe de Estado ocorrido no país em junho de 1973. Após serem surpreendidos e presos em ações distintas, os três companheiros permanecem encarcerados por um período de doze anos, sobrevivendo impávidos ao silêncio e à tortura.

Dotada de absoluta coragem e destreza, a condução de Álvaro Brechner consegue contornar com maestria todas as singularidades de uma narrativa extremamente melancólica e realista. Pautado pelo massacrante ritmo de progressão dos dias de confinamento, o diretor retrata, com tamanha precisão de detalhes, o inóspito ambiente das prisões e a impiedosa rotina de hostilidades vivida por esses homens. Na companhia da solidão e privados da liberdade durante todo o tempo em que esse governo autoritário se manteve no poder, Pepe, Russo e El Ñato continuaram enfrentando infindas provações até o momento da redemocratização nacional em 1985. Mesmo deixando marcas de desumanidade, loucura e violência, “Uma Noite de 12 Anos” comove ao denunciar o autoritarismo e a crueldade de capítulos obscuros da história da América Latina, se transformando em um importante documento ideológico que reverbera na atualidade.

"La Noche de 12 Años" (2018) de Álvaro Brechner - Alcaravan [es] | Haddock Films [ar]
Hernández y Fernández Producciones Cinematográficas [es] | Manny Films [fr]
Movistar+ [es] | Salado Media [uy] | Tornasol Films [es] | ZDF/Arte [de]

4º. LUGAR: “FELIZ COMO LÁZARO” (lançamento local pela Netflix)

(Lazzaro Felice, Itália | Suíça | França | Alemanha, 2018) - de Alice Rohrwacher

Data da Estreia: 30 de novembro de 2018

Moldada por uma ríspida crítica social com leves contornos de fábula, a realização de “Feliz como Lázaro” pode simbolizar o resgate de toda a essência humanista deixada como herança em várias obras do cinema italiano clássico. Através de características emocionalmente identificáveis, a diretora Alice Rohrwacher buscou inspiração em cineastas como Ermanno Olmi e Ettore Scola para construir as bases de sua incrível crônica sobre a honestidade e a perseverança. Em um primeiro momento, acompanhamos a rotina de um grupo de camponeses submetidos a um vicioso ciclo de explorações em Inviolata, pequena comunidade rural que se sustenta através do cultivo do tabaco. No centro das interações surge a figura gentil e prestativa de Lazzaro (Adriano Tardiolo), alvo preferencial desses desmandos, que, no auge de seu altruísmo e ingenuidade, engata uma improvável amizade com o tempestuoso Tancredi (Luca Chikovani), filho dos donos da propriedade.

Após um inesperado e surpreendente incidente, a trama avança pelos anos de forma significativa. O salto temporal faz com que o espectador reencontre os personagens envelhecidos e lutando para se sustentar, só que dessa vez enfrentando as dificuldades em uma grande metrópole – tal fato só demonstram como as circunstanciais relações de poder seguem interferindo de forma direta no destino de cada um. Lazzaro permanece alheio a algumas mudanças, mas se mantém preocupado com os amigos e continua enxergando o mundo inocentemente, o que evidencia ainda mais o seu espírito de generosidade e lealdade. Abraçando as metáforas e se apoiando no sincretismo cultural, o filme acaba se transformando em uma tocante alegoria da vida, cenário no qual passado e presente se misturam para mostrar que a dicotomia entre o campo e a cidade só sobrevive no plano das imagens.

"Lazzaro Felice" (2018) de Alice Rohrwacher - Tempesta [it] |  Amka Films Productions [ch] | Ad Vitam Production [fr]
Pola Pandora Filmproduktions [de] | Rai Cinema [it] | RSI-Radiotelevisione Svizzera [ch] | Arte France [fr]

3º. LUGAR: “EM CHAMAS”

(Beoning, Coreia do Sul, 2018) - de Chang-dong Lee

Data da Estreia: 15 de novembro de 2018

As artimanhas do destino acabam plantando a semente da dúvida na mente daqueles que deixam se envolver por esse thriller psicológico nada convencional, tido como a mais nova joia do arrojado cinema sul-coreano. Baseada em um dos contos do escritor japonês Haruki Murakami que, por sua vez, absorve muito das técnicas do fluxo de consciência empregadas na literatura de William Faulkner, a eloquente trama de “Em Chamas” permanece envolta por uma narrativa desafiadora que nunca se preocupa em oferecer respostas claras e rápidas para o espectador que, naturalmente, precisa estar sempre atento a todos os detalhes para conseguir desvendar as enigmáticas situações enfrentadas pelo protagonista. A complexa estrutura desse suspense começa a ser construída a partir do encontro casual entre o aspirante a escritor Jong-su (Ah-in Yoo) e Hae-mi (Jong-seo Jun), uma garota simpática que diz conhecê-lo desde bastante tempo.

Segundo ela, os dois eram amigos de infância quando viviam na provinciana cidade de Paju, muito embora ele não recorde de todas as histórias com precisão. Hae-mi está com uma viagem marcada para a África e pede para que Jong-su cuide de seu gato de estimação no período que estiver fora. Do voto de confiança nasce um envolvimento íntimo e, logo depois, um triângulo amoroso começa a ser desenhado no dia em que a jovem volta do exterior na companhia do misterioso Ben (Steven Yeun), um rapaz rico e bem relacionado que revela ter um hobby estranhamente peculiar. A partir desse ponto, o diretor Chang-dong Lee passa a nos apresentar um trabalho absolutamente intrigante, lançando metáforas circunstanciais para que fiquemos sem saber se tudo que os personagens estão vivendo gira em torno da realidade ou flutua no campo da imaginação.

"Beoning" (2018) de Chang-dong Lee - Pine House Film [kr] | NHK [jp] | Now Films [kr]

2º. LUGAR: “ROMA”

(Roma, México | Estados Unidos, 2018) - de Alfonso Cuarón

Data da Estreia: 14 de dezembro de 2018 (lançamento global pela Netflix)

A estética impactante, o apuro técnico impecável e o deslumbre visual estampado em uma hipnotizante fotografia em preto e branco transformam “Roma”, o filme mais afável e intimista da carreira de Alfonso Cuarón, em uma verdadeira aula de cinema. Através de críticas sutis, mas bastante incisivas, o cineasta traça um franco panorama histórico e social da Cidade do México no início dos anos 70, ao passo que acompanha o cotidiano fraternal e simbiótico de uma família de classe média alta sob o ponto de vista de uma de suas empregadas, Cleo (Yalitza Aparicio). Mesmo vivendo um angustiante drama pessoal, ela continua sustentando a rotina da casa cozinhando, lavando, limpando e doando generosas doses de afeto ao cuidar dos quatro filhos de Sofía (Marina de Tavira), que também vem sofrendo com as ausências e o distanciamento do marido (Fernando Grrediaga).

As diversas formas de carinho e pequenas repreensões expressas nas interações de Cleo com as crianças e com seus patrões contrastam com os momentos de catarse emocional que sempre colocam em evidência o peso das relações humanas, mostrando o lugar de cada um dentro de uma dinâmica de isolamento suavemente provocativa que acaba transferindo para o público uma experiência sensorial formidável. Aclamado como obra-prima contemporânea desde de que conquistou o Leão de Ouro no Festival de Veneza deste ano, o longa pode criar expectativas e impressões equivocadas em parte dos espectadores que aguardavam a sua estreia comercial, simplesmente pelo fato do mesmo ter sido lançado diretamente na Netflix e apenas em pouquíssimas salas de cinema ao redor do mundo – o que certamente ampliará as discussões sobre o papel que as principais plataformas de streaming deverão desempenhar ao longo dos próximos anos.

"Roma" (2018) de Alfonso Cuarón - Esperanto Filmoj [us] | Participant Media [us] | Netflix [us]

1º. LUGAR: “PROJETO FLÓRIDA”

(The Florida Project, Estados Unidos, 2017) - de Sean Baker

Data da Estreia: 1º de março de 2018

O real efeito de uma categórica crítica social ao sistemático padrão de vida norte-americano abre espaço para que um dos filmes mais humanos e verdadeiros dos últimos anos passe a ocupar a posição de número um da nossa lista. Maior esnobado da última temporada de premiações nos Estados Unidos, “Projeto Flórida” revela o que existe às margens de um mundo de sonhos possíveis que são propagados e vendidos pela artificialidade do complexo da Walt Disney World Resort. Vivendo em um motel de beira de estrada nos subúrbios da cidade de Orlando, Halley (Bria Vinaite) é uma jovem mãe que não mede esforços para prover um futuro mais digna para sua filha, a encantadora Moonee (Brooklynn Prince). Mesmo encontrando dificuldades para se manterem, elas acabam contando com a amizade, a confiança e a paciência de Bobby (Willem Dafoe), gerente do local.

Por sinal, é a espevitada garotinha quem toma conta de todas cenas, mesmo que a relação maternal seja aquela que ofereça os contornos mais ásperos para o drama, podendo fazer com que um espectador de ideais mais conservadores possa enxergar Halley como uma completa irresponsável e ainda acreditar que exista uma falta de zelo em relação à Moonee, que passa as tardes de verão solta pelas ruas aprontando confusões e se divertindo com os amigos. De forma bastante comovente e sensível, o diretor Sean Baker lança um olhar honesto sobre a representação da infância, preenchendo de ludicidade um campo no qual a inocência se transforma no principal refúgio para a imaginação dessa criança – faz de conta convertido em um ponto de fuga intangível que tenta se deslocar em direção à fantasiosa liberdade refletida pelo esplendor do castelo de Magic Kingdom.

"The Florida Project" (2017) de Sean Baker - Cre Film [us]
Freestyle Picture Company [us] | June Pictures [us] | Sweet Tomato Films [us]

É claro que uma relação com apenas dez títulos acaba sendo muito pequena para traduzir a singularidade de um ano tão especial para o cinema em todo o mundo, uma temporada incrível que nos presenteou com produções absolutamente inesquecíveis. Dessa forma, deixo mais um conjunto de pequenas listas que se encaixam em algumas categorias que também julgo serem muito importantes:

Também mereceram destaque este ano: “Antes que Tudo Desapareça” (2017) de Kiyoshi Kurosawa; “A Forma da Água” (2017) de Guillermo del Toro; “Me Chame pelo seu Nome” (2017) de Luca Guadagnino; “Bergman - 100 Anos” (2018) de Jane Magnusson; “Faca no Coração” (2018) de Yann Gonzalez; e “Ponto Cego” (2018) de Carlos López Estrada.

Não vimos e nem veremos: “Cinquenta Tons de Liberdade” (2018) de James Foley.

Ainda faltam ser conferidos: “Amante por um Dia” (2017) de Philippe Garrel; “No Coração da Escuridão” (2017) de Paul Schrader; “Sem Data, sem Assinatura” (2017) de Vahid Jalilvand; “Zama” (2017) de Lucrecia Martel; “As Herdeiras” (2018) de Marcelo Martinessi; e “Hereditário” (2018) de Ari Aster.

Podem obter grande destaque em 2019: “Assunto de Família” (2018) de Hirokazu Koreeda; “Climax” (2018) de Gaspar Noé; “The Beach Bum” (2019) de Harmony Korine; “Era uma Vez em Hollywood” (2019) de Quentin Tarantino; “The Irishman" (2019) de Martin Scorsese; e “Vidro” (2019) de M. Night Shyamalan.

Maior expectativa para 2019: “Dragged Across Concrete” (2018) de S. Craig Zahler.

(*) Lembrando que críticas, apontamentos de injustiças ou esquecimentos podem ser expressos nos comentários... ;-)

(**) Também não descartaremos os elogios! :-D

Confira também as listas com “Os Dez Melhores Filmes” de cada ano eleitos pelo Rotina Cinematográfica em artigos anteriores:

2017     -     2016     -     2015
É isso... ATÉ 2019!

E VIVA O CINEMA!

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