quinta-feira, 2 de abril de 2015

Memórias #7 | Manoel de Oliveira (1908 - 2015)

Manoel de Oliveira morreu como sempre desejava: trabalhando e filmando até o fim! Um dos mais longevos cineastas da história (provavelmente, o mais), o diretor português faleceu hoje, na cidade do Porto, aos 106 anos, sendo 90 deles dedicados à sétima arte.

Um dos realizadores europeus mais conceituados e figura fundamental na universalização da cinematografia lusitana, Manoel de Oliveira era dotado de uma singularidade inigualável, afinal suas obras perpassaram décadas e enfrentaram todas as transformações pelas quais o cinema foi submetido (do cinema mudo as projeções em alta definição).

Ícone máximo da cultura contemporânea de Portugal, Manoel compartilhava com o mundo retratos e valores da cultura de seu país. Com uma assinatura poderosa, o diretor esbanjava vitalidade em filmes valiosos e autênticos, nunca abandonando a beleza e a simplicidade em seu estilo de filmar. Em sua premiada carreira obteve destaque com menções honrosas nos principais festivais do mundo (Berlim, Chicago, Locarno, Mar del Plata, Veneza), além do Prêmio Especial do Júri do Festival de Cannes pelo filme “A Carta” em 1999.

Ao todo foram 62 filmes, muito bem equilibrados entre longas e curtas-metragens, sendo esses últimos muito comuns no início da sua carreira e quase sempre de caráter documental. Seu primeiro longa ficcional, “Aniki Bóbó” (1942), foi lançado em meio aos conflitos da Segunda Guerra Mundial em pleno regime ditatorial de Antonio Salazar. Retratando a infância vivida nas ruas de Porto da época, o filme flerta com o movimento neorrealista italiano que, anos mais tarde, alcançaria destaque e excelência na cena cinematográfica mundial.

O diretor português Manoel de Oliveira.

A partir de “Aniki Bóbó”, a carreira cinematográfica de Manoel de Oliveira foi caminhando junto com as transformações sociais e políticas do seu país, passando pelo Estado Novo e pela redemocratização a partir da Revolução dos Cravos até que, a pouco menos de um ano, o diretor lançou no Festival de Veneza o seu último trabalho. “O Velho do Restelo” (2014) é um curta-metragem ficcional que mostra de maneira virtuosíssima o encontro de ilustres e extemporâneos intelectuais portugueses (Luís de Camões, Camilo Castelo Branco e Teixeira de Pascoaes) com Dom Quixote de La Mancha em um dos jardins de uma moderna Porto. Juntos, eles refletem sobre a vida e discutem sobre o passado de glórias e o futuro de incertezas de Portugal.

Constantemente criticado pela lentidão de suas narrativas, Manoel de Oliveira não se importava muito com a opinião daqueles que tinham olhares mais exigentes e ainda tinha o costume de dizer que aquela ideia de que “cinema é movimento” é ilusória. O cinema é sim movimento, muito mais aquele que observamos dentro de cada quadro do que daqueles resultados de estripulias de câmeras cada vez mais modernas. Para o diretor, quanto mais a tecnologia vai avançando, mais o cinema vai se desumanizando.

Apesar da idade avançada, o diretor ainda mantinha muitos projetos em mente, incluindo o longa “A Igreja do Diabo” baseado em contos de Machado de Assis. Admirador da versátil espontaneidade dos atores brasileiros, Manoel de Oliveira iria contar com Fernanda Montenegro e Lima Duarte para os papéis principais.

Consternado, o Brasil também lamenta a partida de Manoel de Oliveira. Sua presença no mundo se fez e sempre se fará necessária! O tempo incrivelmente lhe faltou...

Descanse em paz... (1908 - 2015)

Dez filmes dirigidos por Manoel de Oliveira que indico (em ordem de predileção):

01 - Um Filme Falado (2003)

02 - Aniki Bóbó (1942)

03 - O Princípio da Incerteza (2002)

04 - Singularidades de uma Rapariga Loura (2009)

05 - Os Canibais (1988)

06 - Porto da Minha Infância (2001)

07 - ‘Non’, ou a Vã Glória de Mandar (1990)

08 - O Estranho Caso de Angélica (2010)

09 - O Gebo e a Sombra (2012)

10 - A Divina Comédia (1991)

"Aniki Bóbó" (1942) de Manoel de Oliveira - Produções António Lopes Ribeiro [pt]


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