(Angel Face, Estados Unidos, 1952). Dirigido por Otto Preminger e
com roteiro de Frank S. Nugent e Oscar Millard, baseado em história escrita por
Chester Erskine. Elenco:
Jean Simmons, Robert Mitchum, Barbara O’Neil, Herbert Marshall, Mona Freeman,
Leon Ames, Kenneth Tobey, Raymond Greenleaf, Griff Barnett, Robert Gist, Morgan
Farley, Jim Backus.
O universo abrupto e cínico do Cinema Noir sempre nos ofereceu
histórias inebriantes. Romances condenados à eterna infelicidade são
estabelecidos em ambientes inóspitos e, constantemente, observamos neles a
moralidade de alguns homens ruir nas garras de desvirtuadas (porém, poderosas) “femme fatales”. “Alma em Pânico” é um exemplar destoante do movimento que, embora
não seja colocado entre os maiores clássicos do gênero, é adorado por inúmeros
fãs que contribuem ao longo dos anos na ampliação de sua tardia notoriedade.
Complexo pela presença de elementos freudianos na
sustentação do roteiro, o longa dirigido por Otto Preminger desenrola uma gama
de situações espantosas provocadas por um desequilíbrio mental que, a
princípio, é encoberto por uma maligna obsessão da personagem principal. Aqui,
o drama psicológico da figura feminina desenvolve todo o perigo manipulador,
passional e, por vezes, sexual que um bom filme noir exige.
Dona de um rosto angelical, Diane Tremayne (Jean Simmons)
é uma refinada dama da alta sociedade de Los Angeles. A jovem é demasiadamente
dedicada ao pai, Charles Tremayne (Herbert Marshall), e juntos vivem na mansão de
Catherine Tremayne (Barbara O’Neil), segunda esposa de Charles e madrasta de
Diane. Um misterioso acidente provocado por um vazamento de gás acaba
envenenando a dona da casa, que tem que ser atendida às pressas. É nesse
momento que Frank Jessup (Robert Mitchum), motorista da ambulância que vai à
mansão, é envolvido na história.
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Jean Simmons em "Angel Face" (1952) de Otto Preminger - RKO Radio Pictures [us] |
Durante a prestação de socorro à Senhora Tremayne, Frank
conhece Diane que, instantaneamente, se apaixona por ele. Rapidamente, a bela
moça seduz o motorista, destruindo intencionalmente o seu relacionamento com a
noiva, Mary Wilton (Mona Freeman) e envolvendo-o de maneira profunda na sua
vida, fazendo com que ele desenvolva uma certa ambição e gosto pelo luxo. Frente
a todas investidas de Diane, Frank logo se torna chofer da família Tremayne, porém
não demora muito para que ele comece a suspeitar das atitudes e das intenções
da nova namorada.
Juntando as peças de um misterioso quebra-cabeça, Frank
começa a enxergar que por trás de toda a doçura transparecida nas atitudes de
Diane existe uma mente perigosa. Ao descobrir o ódio velado da enteada pela madrasta,
são reveladas ao motorista todas as maquinações da mulher que ele vinha aprendendo
a amar. O acidente com o gás foi, na verdade, provocado deliberadamente por Diane
que, apesar de falhar, continuava com a intenção de matar Catherine.
Com uma frieza descomunal no olhar, que impede Diane de
exprimir qualquer sentimento de culpa, o plano de assassinato é enfim executado
porém, como consequência, a vida de seu pai também é suprimida. Vemos aqui, em
uma interpretação rasa do Complexo de Electra, uma psicopatia compulsiva de uma
pessoa que é capaz de tudo para remover todas as barreiras que a impedem de ser
feliz. Suas ações envolviam Frank diretamente aos acontecimentos e, quando a
consciência deste finalmente pesa, ele já é incapaz de escapar deste
relacionamento movido por um ódio mortal que converge para um encerramento
impressionante e maravilhosamente assustador.
“Alma em Pânico” se diferencia das demais produções da
cena noir por ser sarcástico e contraditório. Aqui a personagem feminina é
central, invertendo a postura da “femme
fatale”, que em vez de ser o alvo do interesse masculino é a responsável
por enredar o homem em seu ardil. Porém, o que torna o filme um clássico
absoluto são, principalmente, as atuações iluminadas de Jean Simmons e Robert
Mitchum.
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Robert Mitchum e Jean Simmons em "Angel Face" (1952) de Otto Preminger - RKO Radio Pictures [us] |
Simmons foi escalada com precisão pois, nunca havendo
feito o tipo “menina má”, interpretou com rara singularidade um papel incompatível
às suas características enquanto atriz. Já Mitchum, um dos mais expressivos
atores de Hollywood, apesar de “encher a tela” em qualquer filme que participa,
consegue se mostrar um sujeito apático e dominado pelas artimanhas da
personagem de sua colega. Sob a batuta de Otto Preminger, um dos mais sádicos realizadores
de Hollywood, o filme foi rodado cercado de polêmicas e confusões nos
bastidores. Com toda sua excentricidade, o diretor austríaco soube muito bem
como controlar o elenco com habilidade e manipular a mise en scène com sutileza.
Para encerrar a contenda, vale destacar que o ciúme
extrapolado sempre rendeu histórias interessantes tanto na vida real quanto na
ficção na ficção. Recentemente essa obsessão paranoica pôde ser semelhantemente
notada na trama de “Garota Exemplar”
(2014). Embora as motivações da personagem Amy do filme de David Fincher fossem
diferentes das de Diane de “Alma em Pânico”,
observamos que as complexidades das ações vão além do que os nossos olhos podem
enxergar. “Nunca seja um espectador
passivo...” é o que o dizia a personagem de Mitchum, embora já estivesse
completamente manipulado.
Vemos então como o amor é, por vezes, destacado por
contornos doentios, deixando cada vez mais evidente que, por mais que tenhamos
o controle de nossos impulsos e emoções, nunca saberemos ao certo quem são as
pessoas com quem nos envolvemos. Esse sempre será um fato comum (e aterrador)
na vida de todos nós.
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