terça-feira, 10 de março de 2015

Sempre um Clássico #4 | Os Inocentes (1961)

(The Innocents, Estados Unidos | Reino Unido, 1961). Dirigido por Jack Clayton e com roteiro de William Archibald, Truman Capote e John Mortimer, baseado no romance “A Volta do Parafuso” de Henry James. Elenco: Deborah Kerr, Martin Stephens, Pamela Franklin, Megs Jenkins, Peter Wyngarde, Clytie Jessop, Michael Redgrave, Isla Cameron, Eric Woodburn.

Com uma trama bem elaborada, que engendra certo antagonismo ao roteiro, “Os Inocentes” é o típico exemplo de suspense psicológico que funciona, pois tem como principal característica a introdução de elementos fantásticos no campo diegético da narrativa. O diretor Jack Clayton estava disposto a realizar um filme com uma abordagem diferente da maioria das produções de terror daquele momento, empregando um horror que não assustaria plateias pela bizarrice ou sanguinolência, mas sim por um jogo de iluminação sombrio, por uma trilha sonora tétrica e, sobretudo, por atuações espantosas do elenco.

“Os Inocentes” impressionou pela proposta que, na época, era muito rara de se ver. Hoje, o que não faltam são exemplares do gênero que flutuam entre o real e o sobrenatural, quebra-cabeças de impressões que são notáveis pela capacidade de manter a tensão até o final da projeção. Características essas claramente observadas nos filmes de terror asiáticos do fim dos anos 90 e início dos anos 2000, bem como no (nem tão) recente clássico de Alejandro Amenábar “Os Outros” (2001), sucesso de público e que possui semelhanças fugazes de enredo quando comparadas à obra de Clayton.

Contratada por um aristocrata londrino de meia idade (Michael Redgrave), Senhorita Giddens (Deborah Kerr) começará a trabalhar como governanta em uma mansão completamente isolada no condado de Bly, zona rural da Inglaterra Vitoriana. Sua principal incumbência é cuidar dos órfãos Flora (Pamela Franklin) e Miles (Martin Stephens), sobrinhos do desinteressado milionário. Temerosa em relação ao emprego, por se tratar de sua primeira experiência profissional, a jovem parte incerta rumo ao interior e ao encontro das crianças.

Pamela Franklin, Deborah Kerr e Martin Stephens em "The Innocents" (1961) - Twentieth Century Fox Film Corporation [us]

Todas as dúvidas e preocupações da nova governanta são ligeiramente amenizadas pela natureza angelical de Flora, as duas tornam-se amigas rapidamente. Porém, no momento de sua chegada, Senhorita Giddens é alertada pela arrumadeira da mansão, Senhora Grose (Megs Jenkins), sobre a maneira misteriosa como a governanta anterior, Senhorita Jessel (Clytie Jessop), morreu e como tal assunto não poderia ser mencionado para a pequena órfã.

Flora ainda comenta que Miles está em um internato, mas insiste que o irmão retornará brevemente para a mansão. Para o espanto de todos o garoto realmente regressa, expulso do colégio antes mesmo do fim do período regular das aulas. O motivo? Miles era uma má influência e seu comportamento rebelde e agressivo representava perigo para os colegas.

Senhora Grose acredita que a direção do colégio possa ter se excedido com relação ao castigo de Miles e procura tranquilizar a Senhorita Giddens afirmando que o garoto é uma criança amável e respeitadora. A governanta também concorda que possam ter havido exageros e rapidamente se afeiçoa ao menino. Com total independência e liberdade para tomar suas decisões (visto que as crianças possuíam somente a assistência da criadagem), ela se transforma na principal autoridade do casarão.

Mesmo satisfeita com o trabalho e feliz com o bom relacionamento com Flora e Miles, Senhorita Giddens se impressiona com alguns eventos que ocorrem na mansão. Ela começa a ter visões da governanta morta e de um misterioso homem, que ela vem a identificar como Peter Quint (Peter Wyngarde), outro antigo empregado da propriedade que também morreu em circunstâncias trágicas. O sono da governanta é sempre agitado e, em algumas ocasiões, o comportamento errático (e por vezes, pervertido) das crianças a deixam ainda mais perturbada. Convencida de que a mansão está dominada pelas assombrações dos antigos funcionários, Senhorita Giddens toma a decisão de ajudar e proteger as crianças, procurando exorcizar todo o mal que ronda o casarão.

Deborah Kerr em "The Innocents" (1961) - Twentieth Century Fox Film Corporation [us]

O terror presente em “Os Inocentes” é sofisticado, pois está pautado pela maldade e pela perversão. Aquilo que nos é mais caro e doce enquanto seres humanos, que é a infância, aparentemente não se construiu de maneira adequada no caso de Flora e Miles. Ela é cruel ao invés de ser simplória e, com isso, sempre somos confrontados por essa ambiguidade: estamos de fato presenciando uma história de fantasmas possuidores ou os pequenos órfãos estão enfrentando a perda da inocência de maneira precoce?

A escalação de Truman Capote para trabalhar com o roteiro foi um dos maiores trunfos para a produção do filme. Com a inserção de subtextos e elementos psicanalíticos na história, ele mantém a dúvida e nunca nos deixa claro se há realmente uma ameaça sobrenatural ou se a Senhorita Giddens foi acometida por uma loucura. Um possível distúrbio mental da governanta pode ser relacionado a uma provável repressão sexual que também fica subentendida na trama.

Frente às câmeras, Deborah Kerr contribuiu com uma performance formidável (talvez a melhor de sua carreira), mas são as atuações mirins que roubaram a cena. Jack Clayton conseguiu retirar das crianças desempenhos impecáveis mesmo omitindo alguns detalhes da história. Pamela Franklin e Martin Stephens trabalharam com roteiros camuflados que não revelavam alguns elementos misteriosos da temática adulta que permeava a narrativa.

A direção de arte é excelente, tanto na escolha do figurino e na composição dos cenários, que ilustram bem a sofisticada Inglaterra do século XIX, quanto nos elementos fundamentais presentes em qualquer filme de terror ou suspense (chavões como portas batendo, pisos rangendo e a fraca iluminação dos famosos castiçais). Entretanto, é a elegância da fotografia em preto e branco que mais contribuiu na construção da atmosfera assustadora do filme. O diretor de fotografia Freddie Francis (famoso por trabalhos impecáveis em “Filhos e Amantes” e “O Homem Elefante”) trabalhou com foco aprofundado em todas as cenas, equilibrando bem o uso das sombras reforçadas pelo mínimo de iluminação em locações internas em contraste com planos abertos e solares no exterior da mansão. Resultado: ambientação terrivelmente sufocante!

Executado com brilhante e rara maestria, “Os Inocentes” convence pelo hipnotizante clima sombrio e por sua tensão gradativa. Um clássico do terror/suspense que corresponde à todas as expectativas.


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