(The Innocents, Estados Unidos | Reino Unido, 1961). Dirigido por
Jack Clayton e com roteiro de William Archibald, Truman Capote e John Mortimer,
baseado no romance “A Volta do Parafuso”
de Henry James. Elenco:
Deborah Kerr, Martin Stephens, Pamela Franklin, Megs Jenkins, Peter Wyngarde,
Clytie Jessop, Michael Redgrave, Isla Cameron, Eric Woodburn.
Com uma trama bem elaborada, que engendra certo antagonismo
ao roteiro, “Os Inocentes” é o típico
exemplo de suspense psicológico que funciona, pois tem como principal
característica a introdução de elementos fantásticos no campo diegético da narrativa.
O diretor Jack Clayton estava disposto a realizar um filme com uma abordagem diferente
da maioria das produções de terror daquele momento, empregando um horror que
não assustaria plateias pela bizarrice ou sanguinolência, mas sim por um jogo
de iluminação sombrio, por uma trilha sonora tétrica e, sobretudo, por atuações
espantosas do elenco.
“Os Inocentes” impressionou pela proposta que, na
época, era muito rara de se ver. Hoje, o que não faltam são exemplares do
gênero que flutuam entre o real e o sobrenatural, quebra-cabeças de impressões
que são notáveis pela capacidade de manter a tensão até o final da projeção. Características
essas claramente observadas nos filmes de terror asiáticos do fim dos anos 90 e
início dos anos 2000, bem como no (nem tão) recente clássico de Alejandro
Amenábar “Os Outros” (2001), sucesso
de público e que possui semelhanças fugazes de enredo quando comparadas à obra
de Clayton.
Contratada por um aristocrata londrino de meia idade
(Michael Redgrave), Senhorita Giddens (Deborah Kerr) começará a trabalhar como
governanta em uma mansão completamente isolada no condado de Bly, zona rural da
Inglaterra Vitoriana. Sua principal incumbência é cuidar dos órfãos Flora (Pamela
Franklin) e Miles (Martin Stephens), sobrinhos do desinteressado milionário.
Temerosa em relação ao emprego, por se tratar de sua primeira experiência
profissional, a jovem parte incerta rumo ao interior e ao encontro das
crianças.
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Pamela Franklin, Deborah Kerr e Martin Stephens em "The Innocents" (1961) - Twentieth Century Fox Film Corporation [us] |
Todas as dúvidas e preocupações da nova governanta são
ligeiramente amenizadas pela natureza angelical de Flora, as duas tornam-se
amigas rapidamente. Porém, no momento de sua chegada, Senhorita Giddens é
alertada pela arrumadeira da mansão, Senhora Grose (Megs Jenkins), sobre a
maneira misteriosa como a governanta anterior, Senhorita Jessel (Clytie Jessop),
morreu e como tal assunto não poderia ser mencionado para a pequena órfã.
Flora ainda comenta que Miles está em um internato, mas
insiste que o irmão retornará brevemente para a mansão. Para o espanto de todos
o garoto realmente regressa, expulso do colégio antes mesmo do fim do período
regular das aulas. O motivo? Miles era uma má influência e seu comportamento
rebelde e agressivo representava perigo para os colegas.
Senhora Grose acredita que a direção do colégio possa ter
se excedido com relação ao castigo de Miles e procura tranquilizar a Senhorita
Giddens afirmando que o garoto é uma criança amável e respeitadora. A
governanta também concorda que possam ter havido exageros e rapidamente se
afeiçoa ao menino. Com total independência e liberdade para tomar suas decisões
(visto que as crianças possuíam somente a assistência da criadagem), ela se transforma
na principal autoridade do casarão.
Mesmo satisfeita com o trabalho e feliz com o bom
relacionamento com Flora e Miles, Senhorita Giddens se impressiona com alguns
eventos que ocorrem na mansão. Ela começa a ter visões da governanta morta e de
um misterioso homem, que ela vem a identificar como Peter Quint (Peter Wyngarde),
outro antigo empregado da propriedade que também morreu em circunstâncias
trágicas. O sono da governanta é sempre agitado e, em algumas ocasiões, o
comportamento errático (e por vezes, pervertido) das crianças a deixam ainda
mais perturbada. Convencida de que a mansão está dominada pelas assombrações
dos antigos funcionários, Senhorita Giddens toma a decisão de ajudar e proteger
as crianças, procurando exorcizar todo o mal que ronda o casarão.
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Deborah Kerr em "The Innocents" (1961) - Twentieth Century Fox Film Corporation [us] |
O terror presente em “Os
Inocentes” é sofisticado, pois está pautado pela maldade e pela perversão. Aquilo
que nos é mais caro e doce enquanto seres humanos, que é a infância, aparentemente
não se construiu de maneira adequada no caso de Flora e Miles. Ela é cruel ao
invés de ser simplória e, com isso, sempre somos confrontados por essa
ambiguidade: estamos de fato presenciando uma história de fantasmas possuidores
ou os pequenos órfãos estão enfrentando a perda da inocência de maneira
precoce?
A escalação de Truman Capote para trabalhar com o roteiro
foi um dos maiores trunfos para a produção do filme. Com a inserção de
subtextos e elementos psicanalíticos na história, ele mantém a dúvida e nunca nos
deixa claro se há realmente uma ameaça sobrenatural ou se a Senhorita Giddens
foi acometida por uma loucura. Um possível distúrbio mental da governanta pode
ser relacionado a uma provável repressão sexual que também fica subentendida na
trama.
Frente às câmeras, Deborah Kerr contribuiu com uma
performance formidável (talvez a melhor de sua carreira), mas são as atuações
mirins que roubaram a cena. Jack Clayton conseguiu retirar das crianças desempenhos
impecáveis mesmo omitindo alguns detalhes da história. Pamela Franklin e Martin
Stephens trabalharam com roteiros camuflados que não revelavam alguns elementos
misteriosos da temática adulta que permeava a narrativa.
A direção de arte é excelente, tanto na escolha do
figurino e na composição dos cenários, que ilustram bem a sofisticada
Inglaterra do século XIX, quanto nos elementos fundamentais presentes em
qualquer filme de terror ou suspense (chavões como portas batendo, pisos
rangendo e a fraca iluminação dos famosos castiçais). Entretanto, é a elegância
da fotografia em preto e branco que mais contribuiu na construção da atmosfera
assustadora do filme. O diretor de fotografia Freddie Francis (famoso por
trabalhos impecáveis em “Filhos e
Amantes” e “O Homem Elefante”) trabalhou
com foco aprofundado em todas as cenas, equilibrando bem o uso das sombras
reforçadas pelo mínimo de iluminação em locações internas em contraste com planos
abertos e solares no exterior da mansão. Resultado: ambientação terrivelmente
sufocante!
Executado com brilhante e rara maestria, “Os Inocentes” convence pelo hipnotizante
clima sombrio e por sua tensão gradativa. Um clássico do terror/suspense que corresponde
à todas as expectativas.
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