sábado, 1 de agosto de 2015

Cinema Nacional da melhor qualidade marca o início das comemorações do 4o aniversário do Espaço Cultural Sesc Palladium | Rotina em Belo Horizonte

Solidificando-se como um dos principais espaços culturais da capital mineira nos últimos anos, o Sesc Palladium completa, neste mês de agosto, quatro anos de funcionamento. Dentro da programação de aniversário, a casa oferece para o seu público (cada vez mais fiel) mais de 70 atrações artísticas e atividades de formação, sendo que muitos desses eventos serão gratuitos. Dentre eles serão apresentados diversos espetáculos teatrais, lançamentos de alguns livros, declamações de poesias e shows especiais com alguns dos principais nomes da música popular brasileira.

O cinema, é claro, também não poderia ficar de fora do cardápio de atrações deste mês festivo e, a partir de hoje até o dia 9 de agosto, na Sala Professor José Tavares de Barros, o evento “Imaginários do Sertão - Palavra e Imagem” chega para promover uma série de encontros que pretendem discutir tanto as relações quanto as influências mútuas entre a literatura e o cinema, propondo uma reflexão sobre a forma como essas duas artes contribuem na representação e na construção das ideias de nação, analisando os registros especiais feitos por meio da imagem do sertão nordestino brasileiro. O projeto de artes integradas envolverá cursos, ciclos de debates, apresentação de poemas de cordel e o lançamento de “Cinema e Cordel: Jogo de Espelhos”, livro de Sylvie Debs.

As sessões de cinema começaram logo mais, às 16:20, com a projeção de dois mágicos e singelos curtas-metragens. Baseada em uma história de cordel do famoso xilogravurista e cordelista pernambucano J. Borges, é a animação em curta-metragem “A Moça que Dançou Depois de Morta” (2003), de Ítalo Cajueiro, que abrirá a programação especial da Mostra de Cinema do Encontro. Produzido inteiramente com os desenhos originais, Ítalo dá vida aos firmes traços de J. Borges para contar a história de um rapaz que se apaixona por uma misteriosa moça em um baile de carnaval do interior do nordeste. “O Lobisomem e o Coronel” (2002), outro curta Ítalo Cajueiro será exibida logo na sequência. Neste, o desenhista e animador divide a direção com Elvis Kleber Figueiredo.

"A Moça que Dançou Depois de Morta" (2003) de Ítalo Cajueiro - Exemplus Comunicação [br]

Dentre os longas-metragens ficcionais, a programação é muito variada e abrange filme de várias décadas, perpassando por alguns dos maiores clássicos do Cinema Novo, por filmes de sucesso produzidos nos anos que se seguiram à pós-retomada do cinema brasileiro, e obras engenhosamente singulares e fantásticas da recente fase de produção de filmes no país. Chama a atenção, inclusive dentro dessa programação, a quantidade de filmes que estão relacionadas ao tema do Cangaço, movimento sanguinolento, vingativo, mas extremamente revolucionário e fundamental para a construção de uma identidade pungente essencial para uma região tão sofrida quanto é a do nordeste brasileiro.

O mais antigo título dentre os selecionados, e primeiro filme brasileiro a ser premiado internacionalmente ao receber uma menção especial no Festival de Cannes, “O Cangaceiro” (1953) de Lima Barreto conta as investidas de um grupo de cangaceiros liderados pelo Capitão Galdino Ferreira, que sequestra a professora de um vilarejo local, mas, tão logo, o bando acaba entrando em conflito quando um de seus membros acaba se apaixonando pela vítima. Estrelado por Milton Ribeiro, Alberto Ruschel e Vanja Orico, o longa ainda conta com diálogos escritos pela romancista cearense Rachel de Queiroz. Imperdível!

Retratando o sofrimento de vidas vergastadas pela pobreza e tangidas pela força da religiosidade, ações que sempre acabam colocando em evidência o conflito entre o bem e o mal, seguimos com “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964). Clássico absoluto do Cinema Novo, o longa dirigido por Glauber Rocha conta, segundo as palavras do próprio cineasta, “a dramática aventura de um homem que se perde entre um deus negro e um diabo louro, guiado por uma testemunha cega e perseguido pela morte”. Este homem é Manuel, um simples trabalhador rural que, movido pela revolta, tira a vida de seu coronel. Dividido entre os conselhos de Beato Sebastião, um messias revolucionário, e de Corisco, um amotinado cangaceiro, o pobre homem passa a ser perseguido pelo destemido matador de aluguel Antônio das Mortes.

"Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964) de Glauber Rocha
Banco Nacional de Minas Gerais [br] | Copacabana Filmes [br] | Luiz Augusto Mendes Produções Cinematográficas [br]

O antropofágico “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” (1969) também de Glauber, traz de volta a fantasia mitologicamente vicinal da personagem de Antônio das Mortes em mais uma perseguição sanguinária. A quase continuação de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” possui uma trama mais simples, mas não menos genial, sendo considerado, por muitos, um verdadeiro “western do sertão brasileiro”. Já os mais recentes “Corisco e Dadá” (1996) de Rosemberg Cariry e “Baile Perfumado” (1997) de Paulo Caldas e Lírio Ferreira marcam o renascimento do cinema nordestino, principalmente o pernambucano, contando as histórias reais de personagens das mais importantes do período do Cangaço.

O primeiro retrata história real da relação de afeição gradativa de Dadá pelo temido cangaceiro Corisco, o Diabo Louro, que sequestra a garota de apenas 12 anos e ainda a estupra, fazendo dela sua esposa. O segundo conta as investidas do mascate libanês Benjamin Abrahão Botto e sua relação estreita e valente com os líderes do cangaço. Amigo íntimo de Padre Cícero, Benjamin é o responsável pelos únicos registros iconográficos de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e o seu temido bando, incluindo até mesmo Corisco e Dadá.

Por outro lado, e fora das contradições políticas e sociais transcorridas do movimento do cangaço, observamos uma outra série de dramas particulares e dolorosos de pessoas comuns que nutrem em seu âmago a famosa relação de amor e ódio com a árida e, por vezes, inóspita e rude atmosfera sertaneja. Em “Cinema, Aspirinas e Urubus” (2005) de Marcelo Gomes, por exemplo, observamos dois homens vindos de mundos completamente diferentes se encontrarem. Um deles é um alemão que fugiu dos conflitos da Segunda Guerra Mundial, e o outro, um brasileiro humilde que sempre viveu as amarguras do sertão. A bordo de um caminhão, os novos amigos aprendem a respeitar as suas diferenças, e tentam vencer todas as adversidades impostas pela seca voraz que sempre assolou a região. “Cinema, Aspirinas e Urubus” ganhou menção especial na coluna “Três Assim” sobre a temática dos “road movies brasileiros”, para visitar o artigo completo é só clicar AQUI.

E com base nessa homogênea e, ao mesmo tempo, diversificada programação, o Rotina Cinemeira faz uma pequena seleção e agora indica seis filmes que refletem das maneiras mais plurais os diversos efeitos da seca na sofrida população nordestina brasileira. Já desejando um bom divertimento e boas sessões, confira agora as nossas principais recomendações:

Vidas Secas (Vidas Secas, Brasil, 1963)

Direção: Nelson Pereira dos Santos

Baseado na obra homônima do alagoano Graciliano Ramos, “Vidas Secas” mostra o drama de uma família de retirantes carentes que vive pressionada pela seca que assola o sertão nordestino brasileiro. Vagando praticamente sem rumo sobre uma terra estéril e à procura de um lugar melhor para sobreviver, Fabiano (Átila Iório), Sinhá Vitória (Maria Ribeiro), seus dois filhos (Gilvan Lima e Genivaldo Lima) e a cachorrinha Baleia resistem com bravura e esperança, tentando sempre escapar das investidas combalidas da miséria, que insistem em esmorecê-los em um ciclo de sofrimento imposto por um severo fazendeiro (Joffre Soares) que lhes oferece pouca comida e muito trabalho.

"Vidas Secas" (1963) de Nelson Pereira dos Santos - Luiz Carlos Barreto Produções Cinematográficas [br] | Sino Filmes [br] 

Os Fuzis (Os Fuzis, Brasil | Argentina, 1964)

Direção: Ruy Guerra

No ano de 1963, policiais militares chegam a uma região extremamente pobre do nordeste brasileiro para impedir que a população de uma cidade, revoltada com os resultados insatisfatórios da última colheita, saqueie um depósito de alimentos. Em meio a essa confusão, os oficiais que foram enviados para garantir o direito de propriedade do Estado são apresentados a uma outra realidade e acabam conhecendo um cenário verdadeiramente desolador. Alguns ficam chocados com a completa irresponsabilidade e negligência do Governo que, ao invés de enviar comida aos mais necessitados, envia soldados para combater um inimigo inexistente. Aqui, a opressão se rende à fome que, por sua vez, se rende à uma aridez flageladora.

"Os Fuzis" (1964) de Ruy Guerra - Copacabana Filmes [br] | Daga Filmes [br] | Inbracine Filmes [br]

Central do Brasil (Central do Brasil, Brasil | França, 1998)

Direção: Walter Salles

Vencedor do Urso de Ouro do Festival Internacional de Berlim de 1998 e do Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro em 1999, “Central do Brasil” conta a jornada acolhedora e emotiva de Dora (Fernanda Montenegro), uma mulher que trabalha escrevendo cartas para analfabetos na Estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro. A ex-professora resolve ajudar Josué (Vinícius de Oliveira), um garoto que acabou de perder a mãe em um atropelamento e tenta, desesperadamente, encontrar o pai que nunca conheceu e que mora no sertão nordestino. Mesmo a contragosto, Dora embarca com Josué para o interior da Bahia, rumo ao fascinante e sofrido coração de um Brasil que ela jamais imaginava conhecer.

"Central do Brasil" (1998) de Walter Salles - MACT Productions [fr] | Riofilme [br]

Árido Movie (Árido Movie, Brasil, 2005)

Direção: Lírio Ferreira

Jonas (Guilherme Weber) vive em São Paulo e trabalha como o repórter do tempo de uma grande Rede de Televisão do Brasil. Depois de muitos anos ausente, ele marca uma viagem de retorno para a sua cidade natal, no interior do Nordeste. O motivo é a morte de Lázaro (Paulo César Peréio), o pai com quem teve pouco contato na infância e que foi assassinado inesperadamente. O jovem jornalista enfrenta problemas até chegar à cidade, até que recebe a ajuda de Soledad (Giulia Gam), uma documentarista que está na região produzindo um filme sobre a escassez de água no sertão.

Ao chegar no velório, Jonas encontra uma parte da família a qual, até então, não conhecia. Dessa forma, ele passa a enfrentar as barreiras geográficas do estranhamento quando todos começam a lhe cobrar a execução de uma tradicional vingança contra a morte de Lázaro. “Árido Movie” retrata o encontro contrastado de um sertanejo urbanizado com as suas mais distantes raízes, recebendo uma “herança” que a sua própria memória relutava em denegar.

"Árido Movie" (2005) de Lírio Ferreira - Cinema Brasil Digital [br]

O Céu de Suely (O Céu de Suely, Brasil | Alemanha | Portugal | França, 2006)

Direção: Karim Aïnouz

Hermila (Hermila Guedes) é uma jovem de 21 anos que regressa de São Paulo à pequena Iguatu, sua cidade natal localizada no interior do Ceará. Ela volta juntamente com seu filho Matheuzinho e aguarda, para dentro de algumas semanas, a chegada de Matheus, pai da criança que ficou na capital paulista para resolver algumas pendências. Porém, o tempo passa e Matheus simplesmente desaparece. Ao se dar conta de que precisa ir embora outra vez, Hermila tem uma ideia inusitada: adotar o nome de Suely e rifar o próprio corpo com o objetivo de levantar uma boa quantidade de dinheiro. Sua intenção é comprar passagens de ônibus para iniciar uma nova vida longe de tudo e de todos.

"O Céu de Suely" (2006) de Karim Aïnouz
Celluloid Dreams [fr] | Fado Filmes [pt] | Shotgun Pictures [de] | VideoFilmes [br]

A História da Eternidade (A História da Eternidade, Brasil, 2014)

Direção: Camilo Cavalcante

Ensaio sinestésico do amor, dos sonhos e dos desejos emanados pelo Sertão, “A História da Eternidade” acompanha três gerações de mulheres que vivem suas intensas paixões em um desértico vilarejo do nordeste brasileiro, cada uma ao seu modo. Alfonsina (Débora Ingrid) aguarda ansiosa pelo seu aniversário de 15 anos; Querência (Marcelia Cartaxo) procura castelar a sua felicidade ouvindo apaixonadas serenatas; já Aureliana (Zezita Matos) espera apenas um abraço de seu neto, que em breve chegará para uma visita. Os sentimentos das revolucionarão a paisagem afetiva de todos moradores da comunidade, personagens fantásticos de um mundo romanesco no qual as concepções de vida são limitadas, seres humanos que lidam com as expectativas através da eterna agonia da espera, a única saída para enfrentar uma trágica e obscura realidade.

"A História da Eternidade" (2014) de Camilo Cavalcante - Divulgação

Para ficar por dentro do cronograma, basta conferir as informações e a programação completa dos eventos que estão disponíveis no site do Sesc Palladium (sescmg.com.br/sescpalladium), ou acessá-las diretamente pelo link “Imaginários do Sertão - Palavra e Imagem”.

Lembrando que a entrada para as sessões é gratuita, mas é necessário retirar os ingressos na bilheteria do Sesc duas horas antes de cada exibição. O espaço está sujeito a lotação. Observação: a casa não funciona às segundas-feiras.

A Sala Professor José Tavares de Barros está localizada no Sesc Palladium, na Avenida Augusto de Lima 420, centro de Belo Horizonte.

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