Solidificando-se como um dos principais espaços culturais
da capital mineira nos últimos anos, o Sesc Palladium completa, neste mês de
agosto, quatro anos de funcionamento. Dentro da programação de aniversário, a
casa oferece para o seu público (cada vez mais fiel) mais de 70 atrações
artísticas e atividades de formação, sendo que muitos desses eventos serão
gratuitos. Dentre eles serão apresentados diversos espetáculos teatrais,
lançamentos de alguns livros, declamações de poesias e shows especiais com
alguns dos principais nomes da música popular brasileira.
O cinema, é claro, também não poderia ficar de fora do
cardápio de atrações deste mês festivo e, a partir de hoje até o dia 9 de agosto,
na Sala Professor José Tavares de Barros, o evento “Imaginários do Sertão - Palavra e Imagem” chega para promover uma
série de encontros que pretendem discutir tanto as relações quanto as
influências mútuas entre a literatura e o cinema, propondo uma reflexão sobre a
forma como essas duas artes contribuem na representação e na construção das
ideias de nação, analisando os registros especiais feitos por meio da imagem do
sertão nordestino brasileiro. O projeto de artes integradas envolverá cursos,
ciclos de debates, apresentação de poemas de cordel e o lançamento de “Cinema e Cordel: Jogo de Espelhos”,
livro de Sylvie Debs.
As sessões de cinema começaram logo mais, às 16:20, com a
projeção de dois mágicos e singelos curtas-metragens. Baseada em uma história
de cordel do famoso xilogravurista e cordelista pernambucano J. Borges, é a
animação em curta-metragem “A Moça que
Dançou Depois de Morta” (2003), de Ítalo Cajueiro, que abrirá a programação
especial da Mostra de Cinema do Encontro. Produzido inteiramente com os
desenhos originais, Ítalo dá vida aos firmes traços de J. Borges para contar a
história de um rapaz que se apaixona por uma misteriosa moça em um baile de
carnaval do interior do nordeste. “O
Lobisomem e o Coronel” (2002), outro curta Ítalo Cajueiro será exibida logo
na sequência. Neste, o desenhista e animador divide a direção com Elvis Kleber
Figueiredo.
"A Moça que Dançou Depois de Morta" (2003) de Ítalo Cajueiro - Exemplus Comunicação [br] |
Dentre os longas-metragens ficcionais, a programação é
muito variada e abrange filme de várias décadas, perpassando por alguns dos
maiores clássicos do Cinema Novo, por filmes de sucesso produzidos nos anos que
se seguiram à pós-retomada do cinema brasileiro, e obras engenhosamente
singulares e fantásticas da recente fase de produção de filmes no país. Chama a
atenção, inclusive dentro dessa programação, a quantidade de filmes que estão
relacionadas ao tema do Cangaço, movimento sanguinolento, vingativo, mas extremamente
revolucionário e fundamental para a construção de uma identidade pungente essencial
para uma região tão sofrida quanto é a do nordeste brasileiro.
O mais antigo título dentre os selecionados, e primeiro
filme brasileiro a ser premiado internacionalmente ao receber uma menção
especial no Festival de Cannes, “O
Cangaceiro” (1953) de Lima Barreto conta as investidas de um grupo de
cangaceiros liderados pelo Capitão Galdino Ferreira, que sequestra a professora
de um vilarejo local, mas, tão logo, o bando acaba entrando em conflito quando
um de seus membros acaba se apaixonando pela vítima. Estrelado por Milton
Ribeiro, Alberto Ruschel e Vanja Orico, o longa ainda conta com diálogos
escritos pela romancista cearense Rachel de Queiroz. Imperdível!
Retratando o sofrimento de vidas vergastadas pela pobreza
e tangidas pela força da religiosidade, ações que sempre acabam colocando em
evidência o conflito entre o bem e o mal, seguimos com “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964). Clássico absoluto do
Cinema Novo, o longa dirigido por Glauber Rocha conta, segundo as palavras do
próprio cineasta, “a dramática aventura de um homem que se perde entre um deus
negro e um diabo louro, guiado por uma testemunha cega e perseguido pela
morte”. Este homem é Manuel, um simples trabalhador rural que, movido pela
revolta, tira a vida de seu coronel. Dividido entre os conselhos de Beato Sebastião,
um messias revolucionário, e de Corisco, um amotinado cangaceiro, o pobre homem
passa a ser perseguido pelo destemido matador de aluguel Antônio das Mortes.
"Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964) de Glauber Rocha Banco Nacional de Minas Gerais [br] | Copacabana Filmes [br] | Luiz Augusto Mendes Produções Cinematográficas [br] |
O antropofágico “O
Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” (1969) também de Glauber, traz de
volta a fantasia mitologicamente vicinal da personagem de Antônio das Mortes em
mais uma perseguição sanguinária. A quase continuação de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” possui uma trama mais simples, mas
não menos genial, sendo considerado, por muitos, um verdadeiro “western do
sertão brasileiro”. Já os mais recentes “Corisco e Dadá” (1996) de Rosemberg
Cariry e “Baile Perfumado” (1997) de Paulo Caldas e Lírio Ferreira marcam o
renascimento do cinema nordestino, principalmente o pernambucano, contando as
histórias reais de personagens das mais importantes do período do Cangaço.
O primeiro retrata história real da relação de afeição
gradativa de Dadá pelo temido cangaceiro Corisco, o Diabo Louro, que sequestra
a garota de apenas 12 anos e ainda a estupra, fazendo dela sua esposa. O
segundo conta as investidas do mascate libanês Benjamin Abrahão Botto e sua
relação estreita e valente com os líderes do cangaço. Amigo íntimo de Padre
Cícero, Benjamin é o responsável pelos únicos registros iconográficos de
Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e o seu temido bando, incluindo até
mesmo Corisco e Dadá.
Por outro lado, e fora das contradições políticas e
sociais transcorridas do movimento do cangaço, observamos uma outra série de
dramas particulares e dolorosos de pessoas comuns que nutrem em seu âmago a
famosa relação de amor e ódio com a árida e, por vezes, inóspita e rude
atmosfera sertaneja. Em “Cinema, Aspirinas e Urubus” (2005) de Marcelo Gomes,
por exemplo, observamos dois homens vindos de mundos completamente diferentes
se encontrarem. Um deles é um alemão que fugiu dos conflitos da Segunda Guerra
Mundial, e o outro, um brasileiro humilde que sempre viveu as amarguras do
sertão. A bordo de um caminhão, os novos amigos aprendem a respeitar as suas
diferenças, e tentam vencer todas as adversidades impostas pela seca voraz que
sempre assolou a região. “Cinema,
Aspirinas e Urubus” ganhou menção especial na coluna “Três Assim” sobre a temática dos “road movies brasileiros”, para visitar o artigo completo é só
clicar AQUI.
E com base nessa homogênea e, ao mesmo tempo,
diversificada programação, o Rotina Cinemeira faz uma pequena
seleção e agora indica seis filmes que refletem das maneiras mais plurais os diversos
efeitos da seca na sofrida população nordestina brasileira. Já desejando um bom
divertimento e boas sessões, confira agora as nossas principais recomendações:
Vidas Secas (Vidas Secas, Brasil, 1963)
Direção: Nelson Pereira
dos Santos
Baseado na obra homônima do alagoano Graciliano Ramos, “Vidas Secas” mostra o drama de uma
família de retirantes carentes que vive pressionada pela seca que assola o
sertão nordestino brasileiro. Vagando praticamente sem rumo sobre uma terra
estéril e à procura de um lugar melhor para sobreviver, Fabiano (Átila Iório),
Sinhá Vitória (Maria Ribeiro), seus dois filhos (Gilvan Lima e Genivaldo Lima) e
a cachorrinha Baleia resistem com bravura e esperança, tentando sempre escapar
das investidas combalidas da miséria, que insistem em esmorecê-los em um ciclo
de sofrimento imposto por um severo fazendeiro (Joffre Soares) que lhes oferece
pouca comida e muito trabalho.
"Vidas Secas" (1963) de Nelson Pereira dos Santos - Luiz Carlos Barreto Produções Cinematográficas [br] | Sino Filmes [br] |
Os Fuzis (Os Fuzis, Brasil
| Argentina, 1964)
Direção: Ruy Guerra
No ano de 1963, policiais militares chegam a uma região
extremamente pobre do nordeste brasileiro para impedir que a população de uma
cidade, revoltada com os resultados insatisfatórios da última colheita, saqueie
um depósito de alimentos. Em meio a essa confusão, os oficiais que foram enviados
para garantir o direito de propriedade do Estado são apresentados a uma outra
realidade e acabam conhecendo um cenário verdadeiramente desolador. Alguns
ficam chocados com a completa irresponsabilidade e negligência do Governo que,
ao invés de enviar comida aos mais necessitados, envia soldados para combater
um inimigo inexistente. Aqui, a opressão se rende à fome que, por sua vez, se
rende à uma aridez flageladora.
"Os Fuzis" (1964) de Ruy Guerra - Copacabana Filmes [br] | Daga Filmes [br] | Inbracine Filmes [br] |
Central do Brasil (Central do Brasil, Brasil | França, 1998)
Direção: Walter Salles
Vencedor do Urso de Ouro do Festival Internacional de
Berlim de 1998 e do Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro em 1999, “Central do Brasil” conta a jornada
acolhedora e emotiva de Dora (Fernanda Montenegro), uma mulher que trabalha
escrevendo cartas para analfabetos na Estação Central do Brasil, no Rio de
Janeiro. A ex-professora resolve ajudar Josué (Vinícius de Oliveira), um garoto
que acabou de perder a mãe em um atropelamento e tenta, desesperadamente,
encontrar o pai que nunca conheceu e que mora no sertão nordestino. Mesmo a
contragosto, Dora embarca com Josué para o interior da Bahia, rumo ao
fascinante e sofrido coração de um Brasil que ela jamais imaginava conhecer.
"Central do Brasil" (1998) de Walter Salles - MACT Productions [fr] | Riofilme [br] |
Árido Movie (Árido Movie, Brasil, 2005)
Direção: Lírio Ferreira
Jonas (Guilherme Weber) vive em São Paulo e trabalha como
o repórter do tempo de uma grande Rede de Televisão do Brasil. Depois de muitos
anos ausente, ele marca uma viagem de retorno para a sua cidade natal, no
interior do Nordeste. O motivo é a morte de Lázaro (Paulo César Peréio), o pai
com quem teve pouco contato na infância e que foi assassinado inesperadamente.
O jovem jornalista enfrenta problemas até chegar à cidade, até que recebe a
ajuda de Soledad (Giulia Gam), uma documentarista que está na região produzindo
um filme sobre a escassez de água no sertão.
Ao chegar no velório, Jonas encontra uma parte da família
a qual, até então, não conhecia. Dessa forma, ele passa a enfrentar as
barreiras geográficas do estranhamento quando todos começam a lhe cobrar a
execução de uma tradicional vingança contra a morte de Lázaro. “Árido Movie”
retrata o encontro contrastado de um sertanejo urbanizado com as suas mais
distantes raízes, recebendo uma “herança” que a sua própria memória relutava em
denegar.
"Árido Movie" (2005) de Lírio Ferreira - Cinema Brasil Digital [br] |
O Céu de Suely (O Céu de Suely, Brasil | Alemanha |
Portugal | França, 2006)
Direção: Karim Aïnouz
Hermila (Hermila Guedes) é uma jovem de 21 anos que
regressa de São Paulo à pequena Iguatu, sua cidade natal localizada no interior
do Ceará. Ela volta juntamente com seu filho Matheuzinho e aguarda, para dentro
de algumas semanas, a chegada de Matheus, pai da criança que ficou na capital
paulista para resolver algumas pendências. Porém, o tempo passa e Matheus
simplesmente desaparece. Ao se dar conta de que precisa ir embora outra vez,
Hermila tem uma ideia inusitada: adotar o nome de Suely e rifar o próprio corpo
com o objetivo de levantar uma boa quantidade de dinheiro. Sua intenção é
comprar passagens de ônibus para iniciar uma nova vida longe de tudo e de
todos.
"O Céu de Suely" (2006) de Karim Aïnouz Celluloid Dreams [fr] | Fado Filmes [pt] | Shotgun Pictures [de] | VideoFilmes [br] |
A História da Eternidade
(A História da Eternidade, Brasil, 2014)
Direção: Camilo
Cavalcante
Ensaio sinestésico do amor, dos sonhos e dos desejos
emanados pelo Sertão, “A História da
Eternidade” acompanha três gerações de mulheres que vivem suas intensas
paixões em um desértico vilarejo do nordeste brasileiro, cada uma ao seu modo.
Alfonsina (Débora Ingrid) aguarda ansiosa pelo seu aniversário de 15 anos;
Querência (Marcelia Cartaxo) procura castelar a sua felicidade ouvindo
apaixonadas serenatas; já Aureliana (Zezita Matos) espera apenas um abraço de
seu neto, que em breve chegará para uma visita. Os sentimentos das
revolucionarão a paisagem afetiva de todos moradores da comunidade, personagens
fantásticos de um mundo romanesco no qual as concepções de vida são limitadas,
seres humanos que lidam com as expectativas através da eterna agonia da espera,
a única saída para enfrentar uma trágica e obscura realidade.
"A História da Eternidade" (2014) de Camilo Cavalcante - Divulgação |
Para ficar por dentro do cronograma, basta conferir as
informações e a programação completa dos eventos que estão disponíveis no site
do Sesc Palladium (sescmg.com.br/sescpalladium), ou acessá-las diretamente pelo
link “Imaginários do Sertão - Palavra e Imagem”.
Lembrando que a entrada para as sessões é gratuita, mas é
necessário retirar os ingressos na bilheteria do Sesc duas horas antes de cada
exibição. O espaço está sujeito a lotação. Observação:
a casa não funciona às segundas-feiras.
A Sala Professor José Tavares de Barros está localizada
no Sesc Palladium, na Avenida Augusto de Lima 420, centro de Belo Horizonte.
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