quarta-feira, 24 de junho de 2015

Memórias #11 | Magali Noël (1932 - 2015)

Para aqueles que sonham e suspiram apaixonadamente em cada filme assistido, fica nítido que a sensualidade e os desejos à flor da pele assumem contornos cada vez mais enternecidos ao longo dos anos. Transcorridos quase seis meses da morte de Anita Ekberg, agora foi a vez de Magali Noël (mais uma das eternas musas do cinema felliniano) partir e já nos deixar saudades. Filha de pais franceses e nascida na Turquia, a atriz e cantora faleceu nesta última terça-feira (dia 23), aos 82 anos, em Châteauneuf-Grasse, sul da França.

Assim como a esplendorosa atriz sueca, a não menos bela Magali Noël habitou o imaginário luxurioso de Federico Fellini em seu notável “A Doce Vida” (1960) interpretando Fanny, a tempestiva dançarina do Cha-Cha-Cha Club frequentado por Marcello Rubini e Paparazzo. Com o cineasta italiano, a atriz ainda trabalhou no fantasioso “Satyricon” (1969), mas foi em outra primorosa obra de Fellini que ela conquistou grande destaque dando vida à veemente e voraz cabeleireira Gradisca, objeto de desejo de quase todos os homens de Rimini, a pequena cidade litorânea retratada em “Amarcord” (1973).

Revelando a vocação para as artes dramáticas desde muito jovem, Magali Noël frequentava o curso de teatro e interpretação da atriz Catherine Fonteney e trabalhava como corista num cabaré em Paris. Aos 17 anos a atriz já esbanjava voluptuosidade no “Teatro de Revista” bem antes de ser uma das lascivas inspirações de Fellini. Dois anos mais tarde estreava no cinema em “Demain nous Divorçons” (1951) de Louis Cuny na pele de Jeanne, uma jovem provocante e atirada, dando os primeiros indícios das características que acompanhariam a maioria de suas personagens ao longo da carreira.

Talentosa e com múltiplas habilidades (atuação, canto e dança), Magali Noël ganhou a sua primeira grande chance de despontar como uma estrela no drama noir “Rififi” (1955) de Jules Dassin e não decepcionou. O sucesso de sua performance como Viviane (não por acaso, uma cantora de cabaré) agradou muito aos críticos de cinema na época, principalmente pelos números musicais. Seu desempenho nas telas ainda impressionou profissionais de outros ramos artísticos como, por exemplo, o poeta, músico e “cantautor” francês Boris Vian.

Magali Noël em "Rififi" (1955) de Jules Dassin
Pathé Consortium Cinéma [fr] | Indusfilms [fr] | Société Nouvelle Pathé Cinéma [fr] | Primafilm [it]

O interesse de Boris Vian pelo virtuosismo musical da atriz originou, inclusive, uma das mais incríveis parcerias da música popular na França. Com letra de Vian e música de Alain Goraguer, “Fais-moi mal, Johnny” é considerado um dos primeiros temas de rock and roll cantados em língua francesa. Censurada na época por seu conteúdo demasiadamente ousado, a canção marca definitivamente a carreira de Magali Noël também como cantora, pois ela emprestara a voz para este audacioso e memorável clássico gravado em 1956. A partir deste momento, Magali ainda garantia e prolongava o seu sucesso novamente para a o teatro, estendendo-o para a televisão.

Ao longa de sua carreira no cinema, Magali Noël figurou principalmente em produções de França e de Itália. Em seus trabalhos, a atriz sempre transbordava o dom e o talento para a comédia, incorporando o humor típico de cada um desses países. A sua inclinação para o viés cômico e o seu temperamento ácido podem ser apreciados tanto nas obras de grandes diretores do clássico e charmosos cinema francês como no caso de “As Grandes Manobras” (1955) de René Clair, “Estranhas Coisas de Paris” (1956) de Jean Renoir, e “Amantes e Ladrões” (1957) de Sacha Guitry; quanto nas extravagâncias macarrônicas de produções italianas como “Dois Fugitivos Azarados” (1959) de Giorgio Simonelli, “Totò e Cleópatra” (1963) de Fernando Cerchio e “Oltraggio al Pudore” (1964) de Silvio Amadio.

Entremeando as comédias leves e os vislumbres sexuais de Fellini, ainda podemos encontrar grandes trabalhos na vasta filmografia de Magali Noël, como os ótimos suspenses “Chantagem” (1955) de Guy Lefranc, “Vampiros do Sexo” (1959) de Édouard Molinaro e “O Acidente” (1963) de Edmond T. Gréville; os melodramas “As Possuídas” (1956) e “Prisioneiros do Desejo” (1958), ambos dirigidos por Charles Brabant; além dos demais filmes que estão indicados logo ao final deste artigo.

Encantadora, assim como as inúmeras musas de um cinema devasso (porém, disfarçadamente comportado), Magali Noël somava a sua estonteante beleza ao seu inconcusso talento, repleto de originalidade e virtuosismo. O surgimento de artistas belas e, acima de tudo, competentes como ela será cada vez mais raro, e é por isso que a sua ausência é, desde ontem, muito sentida.

Descanse em paz... (1932 - 2015)

Dez filmes com Magali Noël que indico (em ordem de predileção):

01 - Z (1969) - de Costa-Gavras

02 - Rififi (1955) - de Jules Dassin

03 - Amarcord (1973) - de Federico Fellini

04 - A Doce Vida (1960) - de Federico Fellini

05 - Satyricon de Fellini (1969) - de Federico Fellini

06 - Os Encontros de Anna (1978) - de Chantal Akerman

07 - A Ilha do Desejo (1959) - de Edmond T. Gréville

08 - Mulheres na Vitrina (1961) - de Luciano Emmer

09 - Antro do Vício (1955) - de Henri Decoin

10 - O Despertar do Vício (1960) - de Julien Duvivier

Magali Noël com Bruno Zanin em "Amarcord" (1973) de Federico Fellini - F. C. Produzioni | PECF [fr]

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