(Cat People,
Estados Unidos, 1942). Dirigido por Jacques Tourneur e com roteiro de DeWitt
Bodeen. Elenco: Simone Simon, Kent Smith, Tom Conway, Jane
Randolph, Jack Holt, Alec Craig.
O arquiteto modernista alemão Ludwig Mies Van der Rohe pronunciou
uma célebre frase que nos ensinava basicamente que “menos é mais” (“Less is
more”). Na (por vezes) igualmente minimalista arte cinematográfica também podemos
observar essa máxima, pontuando momentos em que a restrição técnica e a
escassez de recursos foram responsáveis por edificar obras imponentes e
poderosas. O maior exemplo talvez tenha ocorrido com um estúdio de pequeno a
médio porte dos Estados Unidos, que, sem os mesmos recursos financeiros de seus
grandes concorrentes, precisou se reinventar para não fechar as portas no
início da década de 40.
Assim que o magnata estadunidense William Randolph Hearst
comprou briga com Orson Welles por conta das filmagens de “Cidadão Kane” (1941), dificultando a sua posterior exibição, a RKO
Radio Pictures começou a enfrentar uma grave crise financeira e necessitava,
com urgência, de uma reformulação em suas atividades. No mesmo período, a
Universal Pictures dominava, há mais de uma década, o mercado cinematográfico
com os seus filmes de terror (desde “Drácula”
e “Frankenstein”, ambos de 1931 até “O Lobisomem” de 1941), despontando como
a maior produtora desse gênero.
Sem espaço para concorrência, a pequena RKO trouxe da gigante
MGM o jovem e promissor roteirista Val Lewton para trabalhar na produção de
Filmes B (filmes de baixo orçamento com retorno financeiro garantido) tendo
liberdade para filmar o que quisesse, desde de que não estourasse o teto
orçamentário de 150 mil dólares para cada uma das produções. Seguindo a linha
do terror, Lewton convocou o até então desconhecido diretor francês Jacques
Tourneur para o projeto de “Sangue de
Pantera”. Juntos fizeram o incomum: com arrecadação de 2 milhões de dólares
em bilheteria, o filme tornou-se o carro-chefe dentre as produções da RKO,
garantindo a realização de novos projetos e a plena recuperação do estúdio a
partir daquele momento.
"Cat People" (1942) - RKO Radio Pictures [us] |
O segredo de tamanho êxito começa pela história. O
ardiloso enredo de “Sangue de Pantera”
acompanha o drama de Irena Dubrovna (Simone Simon), uma imigrante sérvia que
acredita carregar um esconjuro maligno que desola por anos os seus
antepassados. Aparentemente, a maldição não passa de uma absurda fábula de sua
terra natal; esta conta que as mulheres do seu povoado se transformam em
panteras quando confrontadas por um forte desejo lascivo ou quando ficam acanhadas
pela intimidação de outras pessoas.
Irena vive em Nova York, onde trabalha como estilista. Em
um gigantesco salto cronológico na trama (que transcorre rapidamente por alguns
minutos na projeção) ela conhece o engenheiro naval Oliver Reed (Kent Smith),
se apaixona, casa e já enfrenta as primeiras crises conjugais. O clima tenso no
relacionamento surge justamente por Irena temer que, entregando-se ao marido, a
maldição da pantera desperte e ela venha a lhe fazer algum mal. Com receio de
que sua esposa piore, Oliver entra em contato com o psiquiatra Louis Judd (Tom
Conway) pedindo que ele ajude Irena a superar os seus traumas.
Na contramão dessa situação, Oliver busca desafogar as
suas aflições sendo consolado por Alice Moore (Jane Randolph), sua prestativa
colega de trabalho e responsável, inclusive, pela recomendação dos serviços do
Doutor Judd. Ciente de que os seus problemas não são mais segredo para ninguém,
Irena, movida pela raiva e pelo ciúme, revela seu lado mais aberrante. Sofrendo
de constantes delírios, ela acaba colocando em risco não só o seu casamento,
mas também a vida das pessoas com quem se relaciona.
Jane Raldolph, Simone Simon e Kent Smith em "Cat People" (1942) - RKO Radio Pictures [us] |
“Sangue de Pantera” possui um toque sutil de cinema noir, criando para si uma sugestiva
mas não menos assustadora atmosfera de suspense. É intrigante observar também como
é tênue a linha entre o real e o imaginário, uma vez que o filme é sustentado
pela constante tensão em descobrir a verdadeira razão pela qual Irena está
acometida a essa “maldição”. O mistério transita sempre pelo campo da fantasia (ou
da irracionalidade), mas esperamos sempre que, em algum momento, um discurso
científico apareça para explicar o fenômeno.
Com elenco reduzido (sem nenhuma grande estrela de
Hollywood) e baixo orçamento, o filme de Tourneur tem na ideia inovadora de não
respeitar a regra geral dos grandes clássicos do horror o trunfo para o seu
sucesso. Nele não vemos grandes efeitos especiais e nem os truques de maquiagem
que dão vida a criaturas monstruosamente caricatas que, de tão sinistras, já
possuem uma natureza particular explicável e absolutamente compreensível (pelo
menos no campo artístico).
O que assusta no filme é a ambiguidade do drama de Irena,
o horror em saber que existe um distúrbio psicológico que a afeta uma vez que
não vemos nenhuma evidência clara de uma suposta maldição. É um cataclisma
fantástico da natureza humana em suspensão!
Aqui o “menos é mais”
e, assim como a sua personagem principal, “Sangue
de Pantera” é um filme belo, aterrorizante e tragicamente sedutor.
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