quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Sempre um Clássico #3 | Sangue de Pantera (1942)

(Cat People, Estados Unidos, 1942). Dirigido por Jacques Tourneur e com roteiro de DeWitt Bodeen. Elenco: Simone Simon, Kent Smith, Tom Conway, Jane Randolph, Jack Holt, Alec Craig.

O arquiteto modernista alemão Ludwig Mies Van der Rohe pronunciou uma célebre frase que nos ensinava basicamente que “menos é mais” (“Less is more”). Na (por vezes) igualmente minimalista arte cinematográfica também podemos observar essa máxima, pontuando momentos em que a restrição técnica e a escassez de recursos foram responsáveis por edificar obras imponentes e poderosas. O maior exemplo talvez tenha ocorrido com um estúdio de pequeno a médio porte dos Estados Unidos, que, sem os mesmos recursos financeiros de seus grandes concorrentes, precisou se reinventar para não fechar as portas no início da década de 40.

Assim que o magnata estadunidense William Randolph Hearst comprou briga com Orson Welles por conta das filmagens de “Cidadão Kane” (1941), dificultando a sua posterior exibição, a RKO Radio Pictures começou a enfrentar uma grave crise financeira e necessitava, com urgência, de uma reformulação em suas atividades. No mesmo período, a Universal Pictures dominava, há mais de uma década, o mercado cinematográfico com os seus filmes de terror (desde “Drácula” e “Frankenstein”, ambos de 1931 até “O Lobisomem” de 1941), despontando como a maior produtora desse gênero.

Sem espaço para concorrência, a pequena RKO trouxe da gigante MGM o jovem e promissor roteirista Val Lewton para trabalhar na produção de Filmes B (filmes de baixo orçamento com retorno financeiro garantido) tendo liberdade para filmar o que quisesse, desde de que não estourasse o teto orçamentário de 150 mil dólares para cada uma das produções. Seguindo a linha do terror, Lewton convocou o até então desconhecido diretor francês Jacques Tourneur para o projeto de “Sangue de Pantera”. Juntos fizeram o incomum: com arrecadação de 2 milhões de dólares em bilheteria, o filme tornou-se o carro-chefe dentre as produções da RKO, garantindo a realização de novos projetos e a plena recuperação do estúdio a partir daquele momento.

"Cat People" (1942) - RKO Radio Pictures [us]

O segredo de tamanho êxito começa pela história. O ardiloso enredo de “Sangue de Pantera” acompanha o drama de Irena Dubrovna (Simone Simon), uma imigrante sérvia que acredita carregar um esconjuro maligno que desola por anos os seus antepassados. Aparentemente, a maldição não passa de uma absurda fábula de sua terra natal; esta conta que as mulheres do seu povoado se transformam em panteras quando confrontadas por um forte desejo lascivo ou quando ficam acanhadas pela intimidação de outras pessoas.

Irena vive em Nova York, onde trabalha como estilista. Em um gigantesco salto cronológico na trama (que transcorre rapidamente por alguns minutos na projeção) ela conhece o engenheiro naval Oliver Reed (Kent Smith), se apaixona, casa e já enfrenta as primeiras crises conjugais. O clima tenso no relacionamento surge justamente por Irena temer que, entregando-se ao marido, a maldição da pantera desperte e ela venha a lhe fazer algum mal. Com receio de que sua esposa piore, Oliver entra em contato com o psiquiatra Louis Judd (Tom Conway) pedindo que ele ajude Irena a superar os seus traumas.

Na contramão dessa situação, Oliver busca desafogar as suas aflições sendo consolado por Alice Moore (Jane Randolph), sua prestativa colega de trabalho e responsável, inclusive, pela recomendação dos serviços do Doutor Judd. Ciente de que os seus problemas não são mais segredo para ninguém, Irena, movida pela raiva e pelo ciúme, revela seu lado mais aberrante. Sofrendo de constantes delírios, ela acaba colocando em risco não só o seu casamento, mas também a vida das pessoas com quem se relaciona.

Jane Raldolph, Simone Simon e Kent Smith em "Cat People" (1942) - RKO Radio Pictures [us]

“Sangue de Pantera” possui um toque sutil de cinema noir, criando para si uma sugestiva mas não menos assustadora atmosfera de suspense. É intrigante observar também como é tênue a linha entre o real e o imaginário, uma vez que o filme é sustentado pela constante tensão em descobrir a verdadeira razão pela qual Irena está acometida a essa “maldição”. O mistério transita sempre pelo campo da fantasia (ou da irracionalidade), mas esperamos sempre que, em algum momento, um discurso científico apareça para explicar o fenômeno.

Com elenco reduzido (sem nenhuma grande estrela de Hollywood) e baixo orçamento, o filme de Tourneur tem na ideia inovadora de não respeitar a regra geral dos grandes clássicos do horror o trunfo para o seu sucesso. Nele não vemos grandes efeitos especiais e nem os truques de maquiagem que dão vida a criaturas monstruosamente caricatas que, de tão sinistras, já possuem uma natureza particular explicável e absolutamente compreensível (pelo menos no campo artístico).

O que assusta no filme é a ambiguidade do drama de Irena, o horror em saber que existe um distúrbio psicológico que a afeta uma vez que não vemos nenhuma evidência clara de uma suposta maldição. É um cataclisma fantástico da natureza humana em suspensão!

Aqui o “menos é mais” e, assim como a sua personagem principal, “Sangue de Pantera” é um filme belo, aterrorizante e tragicamente sedutor.


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