quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Sempre um Clássico #1 | A Última Sessão de Cinema (1971)

(The Last Picture Show, Estados Unidos, 1971). Dirigido por Peter Bogdanovich e baseado no romance homônimo de Larry McMurtry. Elenco: Timothy Bottoms, Jeff Bridges, Cybill Shepherd, Ben Johnson, Cloris Leachman, Ellen Burstyn, Eileen Brennan, Clu Gulager, Sam Bottoms.

Os anos 50 são considerados por muitos como “A Era de Ouro da Televisão” nos Estados Unidos. Eles representaram a transição de um período de extrema dificuldade arrastados, sobretudo, pela Grande Depressão e pela Segunda Guerra Mundial para uma nova era de diversão, interatividade e entretenimento que alimentava as expectativas de prosperidade da população. Devotas do aparelho televisor, milhões de famílias já sintonizavam a programação de vários canais em seus lares. Essa nova realidade acabou exteriorizando a atmosfera melancólica de um cotidiano vivido na maioria das cidades (principalmente as do interior) estadunidenses, onde a televisão colocou o ostracismo dos anos dourados de Hollywood em evidência.

Neste cenário, repleto de dúvidas e incertezas, acompanhamos Sonny Crawford (Timothy Bottoms) e Duane Jackson (Jeff Bridges), dois amigos que vivem em Anarene, pequena cidade do interior do estado do Texas. Sem muitas opções de lazer, eles tentam quebrar a rotina gastando a maior parte do seu tempo livre perambulando entre a lanchonete, o salão de sinuca de Sam (Ben Johnson) e a velha sala de cinema da cidade, que está prestes a encerrar as suas atividades.

Duane Jackson (Jeff Bridges) e Sonny Crawford (Timothy Bottoms) em "The Last Picture Show" (1971)
Columbia Pictures Corporation [us]

Os amigos sempre se deram muito bem, embora cada um tenha um perfil emocional diferente e trace pra si planos distintos para o rumo de suas vidas. Enquanto Duane possui postura ríspida, utilizando de sua grosseria para se impor perante aos outros jovens da cidade, Sonny é mais inocente e sensível. Ele acaba se envolvendo intimamente com Ruth Popper (Cloris Leachman), uma mulher mais experiente que vive um casamento frustrado com o treinador de basquete da escola dos garotos. Ela acaba se tornando a responsável pelo início da vida sexual de Sonny.

Vitimadas indiretamente pelo marasmo e pela insatisfação, vemos a representação de uma juventude desnorteada que enfrenta a difícil fase de transição entre a adolescência e a maioridade como o mote principal que conduz a trama de “A Última Sessão de Cinema”. Ocasionalmente, os jovens encaram a inúmeros dilemas: suas descobertas sobre o amor, o sexo e as inseguranças da vida adulta, sempre alternando entre a expressão dos seus sentimentos mais puros e a iminente perda da inocência.

A amizade de Sonny e Duane é abalada quando os dois demonstram interesse em Jacy Farrow (Cybill Shepherd, em sua estreia no cinema), a garota mais desejada da escola (e de toda Anarene). Nesse interessante triângulo amoroso, os jovens aprendem, da forma mais dura possível, como lidar com as mais difíceis lições sobre o amor, o ciúme e a solidão.

Jacy namora Duane de maneira pretensiosa, aparentemente para perder a virgindade e poder, enfim, se relacionar com rapazes mais maduros. O interesse de Sonny pela bela namorada do amigo vem posteriormente, quando Duane se afasta de Anarene e é convocado para lutar na Guerra da Coreia. Consequentemente, essa aproximação acentua as conflitantes relações amorosas da pequena cidade, uma vez que Sonny “abandona” a relação secreta que mantinha com Ruth para ficar com uma garota mais jovem.

Jacy Farrow (Cybill Shpherd) em "The Last Picture Show" (1971) - Columbia Pictures Corporation [us]

Acompanhada da efervescência das descobertas sexuais dos jovens, observamos também uma cidade amargurada e triste, refletida na depressão e no conformismo dos habitantes mais velhos (como Ruth e Sam), personagens que enxergam o auge da mocidade já com certa distância guardando, com um alto grau de saudosismo, os bons tempos que um dia já viveram. Todas as personagens, jovens ou maduras, possuem carisma particular e são carregadas dos sentimentos mais honestos. Entretanto, a essência de “A Última Sessão de Cinema” está na sequência em que Sam leva Sonny e Billy (Sam Bottoms) para pescarem no tanque afastado da cidade.

O monólogo de Sam representa uma ponte entre o velho e o novo. Nele são expostos, de forma metafórica, os desafios e as dúvidas que sempre continuarão a surgir, os medos que corroem os jovens, a credibilidade e o valor dos relacionamentos e até mesmo a própria morte. Tudo isso segue um percurso natural, tudo isso é passageiro. A partir daí, notamos como Sonny absorveu toda a vivência de Sam ao ouvi-lo atentamente e em silêncio.

A existência de Sam e Sonny se confunde com a história de Anarene. Os dois Representam a alma (a antiga e a renovada) da cidade, ao mesmo tempo em que exemplificam a natureza humana na mais pura e primitiva essência. Somos uma espécie carregada de inúmeros erros e acertos, que mostra para si mesma como a vida é efêmera. As coisas mudam, as pessoas mudam, muitos seguem a vida em frente e outros permanecem no mesmo lugar, mas as perspectivas ordinárias e as mazelas de nossas vidas continuarão as mesmas.

Sam, the Lion (Ben Johnson) em "The Last Picture Show" (1971) - Columbia Pictures Corporation [us]

A história é banal, lenta e cadenciada, porém o trunfo do roteiro é realmente favorecer a monotonia e o vazio existencial como o conteúdo principal da história. O que para alguns pode ser tedioso, pode-se revelar instigante quando refletimos sobre o quão compassiva é a natureza humana. A eterna busca para resolver os problemas rotineiros e a melhor saída para encontrar o “final feliz” são ilusórias.

A impecável direção de Peter Bogdanovich é resguardada pela modéstia. Em um trabalho raro que equilibra muito bem a formalidade e a ousadia, ele consegue conduzir toda a história com muita sensibilidade.

O diretor também assume com personalidade a orientação de elenco (relativamente grande para esse tipo de produção), criando um ritmo compassado somado à construção progressiva da história em mosaicos e a preocupação minimalista com a trilha sonora, restrita apenas ao som ambiente das localidades.

A elogiada fotografia em preto e branco é utilizada com precisão. Apesar de estabelecer um contraste em meio ao vermelho árido e desértico característico dessa cidade, ela mantém o caráter nostálgico do filme, harmonizando o drama particular de cada uma das personagens. As relações volúveis e os desejos à flor da pele também configuram um retrato angustiante do interior texano, que não possui nenhuma expectativa de avanço ou um simples soerguimento frente ao seu atraso e solidão.

Tudo no filme é simbólico, incluindo o seu final. Sem efeitos de espoliação, é importante dizer que o longa exibido na derradeira última sessão de cinema de Anarene é "Rio Vermelho", clássico faroeste dirigido por Howard Hawks em 1948. A escolha de Peter Bogdanovich é, mais uma vez, precisa, pois representa todo o contraste em relação ao sentimento que é transmitido ao longo do filme. No telão, vemos John Wayne guiando um grupo de animados caubóis na primeira condução de gado pela Trilha de Chisholm, do sul do Texas até o Kansas.

A empolgação dos caubóis (pioneiros e responsáveis pela ocupação e povoamento texano) vista dentro da sala de cinema afronta toda a animosidade e o clima de decadência observada fora dela. Vemos, enfim, uma cidade medíocre, empoeirada e esquecida em algum canto do Texas, e sua atmosfera desoladora nos faz pensar o quanto a vida pode nos parecer infeliz.

Um filme sufocante, mas essencial! 


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