sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Sempre um Clássico #Especial | Filmes que completam 100 anos em 2017

Com um percurso relativamente curto dentro do mundo das artes, o cinema já foi capaz de produzir um número incontável de histórias que habitam ou habitaram o imaginário de bilhões de pessoas que já passaram por este planeta. Fascinante, hipnótico e monumental, esse mercado sempre despertou um interesse particular naqueles que, um dia, foram fisgados pelo poder magnético e reluzente de uma grande tela. A paixão é, de fato, instantânea.

Nesse encantador caminho sem volta, frequentemente nos deparamos com obras que nos ajudam a conhecer e melhor compreender como foi construída a charmosa, imponente e vasta memória filmográfica mundial e, ao final de 2017, alguns dos títulos mais importantes de todos os tempos alcançarão um patamar ainda maior nessa extraordinária trajetória: se tornarão filmes centenários!

Sobrevivendo ao desgaste, à destruição ou ao mero ostracismo, um conjunto de verdadeiras pérolas da sétima arte continuarão sendo lembradas com carinho por críticos, cinéfilos e pelo público em geral; e pegando carona nessa oportuna ideia de organizar retrospectivas, resolvemos escolher três formidáveis trabalhos que, definitiva e literalmente, marcaram época desde os seus lançamentos em 1917 e que, a partir de janeiro, iniciarão mais um capítulo de sua – agora – carreira secular.

Para descobrir, relembrar e apreciar! Começamos a nossa seleção com um curta singular que infelizmente não existe mais, mas representa o embrião de um doloroso processo de afirmação do gênero que mais enfrentou dificuldades para prosperar no Brasil:

O Kaiser (O Kaiser, Brasil, 1917)

Direção: Álvaro Marins, o Seth

No ano em que o Cinema de Animação no Brasil também completa 100 anos, nada mais justo do que prestar uma homenagem à obra que é considerada a pedra fundadora desta fascinante arte no país. Marco embrionário de uma história de resistência criativa, “O Kaiser” foi um curta-metragem idealizado e dirigido pelo cartunista fluminense Álvaro Marins, mais conhecido como Seth. Sobressaltando as antigas vinhetas animadas que já eram apresentadas nos encerramentos dos cinejornais, o filme acabou sendo o primeiro do ramo a ser produzido em caráter comercial no país, pois visava alcançar o apelo popular e ainda estimular a formação de um novo mercado consumidor.

“O Kaiser” teve a sua estreia no Rio de Janeiro no dia 22 de janeiro de 1917, sendo exibido no tradicional Cine Pathé da Cinelândia apenas três meses antes do Brasil declarar guerra à Alemanha e iniciar a sua discreta participação na Primeira Guerra Mundial. A relação entre o desenho e esse subsequente abalo diplomático é direta, afinal o curta fazia uma crítica ácida e bem-humorada à soberania e ao expansionismo alemão. Nele, o Imperador Guilherme II está sentado diante de um globo terrestre e vislumbra as suas futuras anexações e potenciais conquistas. Para demonstrar toda a autocracia, influência e poder, o monarca coloca o próprio capacete militar no objeto que – por sua vez – ganha vida, passa a controlar a situação e acaba o engolindo.

Pouco se sabe sobre os detalhes ou resquícios deixados pelo roteiro original, mas sabemos que o projeto se mostrava audacioso e revolucionário tanto em sua concepção quanto em seu desenvolvimento, pois era sustentado por uma base narrativa linear que possuía começo, meio e fim. Infelizmente, a cópia do filme foi uma das várias vítimas do tempo e se perdeu por falta de acondicionamento e de preservação adequada, deixando como herança apenas uma imagem de referência do trabalho pioneiro de Seth.

Em 2013, o documentário “Luz, Anima, Ação!” traçou um panorama histórico e evolutivo das animações brasileiras ao longo das décadas, não só reconhecendo o esforço dos principais nomes do setor, como também reverenciando o curta responsável por dar o pontapé de partida que ajudou a construir essa belíssima trajetória cinematográfica. O diretor Eduardo Calvet colheu o depoimento de várias personalidades da área e ainda propôs um desafio interessante: utilizando técnicas diferenciadas, oito desses profissionais foram convidados a a recriar as sequências de “O Kaiser” a partir daquele único fotograma existente.

E o RESULTADO foi bastante surpreendente.

"O Kaiser" (1917) de Álvaro Marins, o Seth - Ideograph [br] | Anima Mundi [br]

Rica e Pobre (The Poor Little Rich Girl, Estados Unidos, 1917)

Direção: Maurice Tourneur

Herdeira de uma família tradicional, Gwendolyn é uma criança solitária que tem tudo o que o dinheiro pode comprar. Cercada por uma dezena de empregados intransigentes, ela divide uma gigantesca e luxuosa mansão com os pais que, preocupados em somar cifras ou manter uma posição de destaque dentro da alta sociedade, não conseguem oferecer aquilo que a filha mais precisa: carinho e atenção. Esse é o típico mote de um conto moralista que sempre busca reafirmar a tese de que o amor e o respeito valem muito mais do que a aparência e os bens materiais.

A jornada de descobertas de ‘Gwen’ teria se tornado bastante cansativa se não fossem as ideias e as mãos da renomada roteirista Frances Marion, que transformou de maneira brilhante os textos da simplória peça de Eleanor Gates, dando formas mais interessantes à obra que serviu de inspiração para essa versão cinematográfica. O ato final é um espetáculo à parte, pois revela um verdadeiro cenário de desengano. Após tomar uma dose excessiva de medicamentos, a pobre menina rica passa a enxergar um mundo imaginário inspirado nas coisas e nas pessoas que conhece; todas representadas em uma sequência alucinante de delírios e sonhos surrealistas recheados de metáforas sobre a vida e sobre uma consequente fuga da realidade.

“Rica e Pobre” tenta não pormenorizar os seus ensinamentos e reflexões, mas se comporta como uma parábola conceitual sobre a negligência familiar e suas implicações. O contorno sombrio que envolve essa temática delicada é afervorado por cenas memoráveis que dão um toque exato de diversão à trama e que remetem aos anuviados clássicos da literatura infantojuvenil – como “Alice no País das Maravilhas” e “O Mágico de Oz” – que também já tiveram as suas adaptações para as telas, inclusive na sua fase silenciosa.

Com uma estética refinada e uma narrativa envolvente, o filme ainda foi um dos selecionados ao National Film Preservation Board em 1991, recebendo o selo “National Film Registry” de proteção. O primor técnico do diretor francês Maurice Tourneur ao criar algumas das suas ilusões são de uma preciosidade extremamente rara. Porém, entendemos que uma de suas principais virtudes foi registrar o genuíno talento de Mary Pickford, uma das estrelas mais expressivas do cinema mudo que, com 24 anos de idade à época das filmagens, convence a todos no papel da protagonista, uma garotinha de apenas 11 – sem sombra de dúvidas, está entre as maiores interpretações da história.

"The Poor Little Rich Girl" (1917) de Maurice Tourneur - Artcraft Pictures Corporation [us]

Terje Vigen (Terje Vigen, Suécia, 1917)

Direção: Victor Sjöström

A originalidade elementar presente nos filmes atuados ou dirigidos por Victor Sjöström traduzem, de maneira absoluta e grandiosa, a extraordinária carreira daquele que foi o maior responsável por alavancar o cinema sueco a um patamar mais elevado dentro do novo mercado de entretenimento que ainda fazia curiosos experimentos ao redor do mundo. Suas incríveis composições eram legítimas obras de arte, verdadeiras pinturas em movimento que conseguiam captar as atitudes e os olhares mais sinceros dos seres humanos. Essencialmente arrebatador, “Terje Vigen” foi o primeiro de seus trabalhos a fazer carreira internacional – um belo cartão de visitas para um competente e promissor artista.

Terje Vigen (interpretado pelo próprio Sjöström) é um modesto pescador que vive em uma ilha localizada na rota comercial da costa sul escandinava, integrando um trajeto bloqueado por navios do Império Britânico durante a Guerra Finlandesa de 1809. A fim de buscar suprimentos para a sua mulher e sua filha, ele acaba sendo capturado e preso na tentativa frustrada de perfurar esta barreira. Após cinco longos anos, o marinheiro é libertado e se depara com uma realidade ainda mais cruel do que a que tinha vivido. Recluso e completamente infeliz, o pobre homem agora só pensa no desforço da retaliação, prometendo destruir a vida de todos aqueles que lhe causaram tamanho sofrimento.

Baseada na famosa poesia narrativa do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen, a película registra e faz o resgate de manifestações tão comuns e distintas como a compaixão, a humildade, o luto e a vingança, atribuindo a elas o mesmo conceito especioso de nosso "sofismático" caráter. Os efeitos da barbárie ferem profundamente a integridade de qualquer indivíduo e – até mesmo quando este tem um repentino encontro com o inesperado – é possível que os levem a cometer uma série de atrocidades descompassadas em nome de um ódio incontido, de modo que a impetuosidade desses sentimentos fique representada pelo ostensivo poderio imagético captado pelas câmeras.

Guardar na mente uma coleção de cenas memoráveis, e absorver cada uma das complexas emoções dispostas em uma peça fílmica de aproximadamente uma hora de duração, nos impulsiona a conhecer e admirar os vários tipos de projetos audiovisuais executados ao longo das primeiras décadas do século XX, sobretudo na sua linhagem mais clássica. Victor Sjöström é uma das mentes mais brilhantes da história da sétima arte, pesando aqui a sua notória contribuição e excelência na realização de uma infinidade de obras-primas do sedutor cinema silencioso.

"Terje Vigen" (1917) de Victor Sjöström - Svenska Biografteatern AB [se]

Filmes que também merecem destaque:

- O Imigrante (The Immigrant, Estados Unidos, 1917) - de Charles Chaplin;

- O Balneário / Carlitos nas Termas (The Cure, Estados Unidos, 1917) - de Charles Chaplin;

- Wild and Woolly (Wild and Woolly, Estados Unidos, 1917) - de John Emerson;

- O Esplêndido Amante (Alimony, Estados Unidos, 1917) - de Emmett J. Flynn;

- Coney Island (Coney Island, Estados Unidos, 1917) - de Roscoe ‘Fatty’ Arbuckle;

- Rebecca of Sunnybrook Farm (Rebecca of Sunnybrook Farm, Estados Unidos, 1917) - de Marshall Neilan;

- O Último Cartucho (Straight Shooting, Estados Unidos, 1917) - de John Ford.

E acompanhem aqui as listas de Filmes Centenários feitas pelo Rotina Cinematográfica em anos anteriores:


É ISSO! ETERNOS CLÁSSICOS... INCRÍVEIS LEMBRANÇAS!

BOAS SESSÕES!

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