No período em
que a maioria dos blogs e sites de entretenimento começam a reservar as últimas
semanas do mês para organizar retrospectivas, prestar homenagens e compor as
listas com os melhores filmes da temporada, o Rotina Cinematográfica vem,
pelo terceiro ano consecutivo, presentear os seus leitores com um artigo
especial que já se configura como uma das marcas mais emblemáticas do nosso
espaço e que, comumente, não chega a ser elaborado por outras plataformas
especializadas em cinema. Destacaremos agora dez relevantes trabalhos
produzidos no país e que mais nos chamaram a atenção ao longo de 2017. Projetos
cada vez mais audaciosos e inventivos que colocam o Brasil entre os principais
mercados cinematográficos do planeta.
Quem nos segue
desde o princípio sabe que sempre procuramos garantir um espaço generoso para
as produções nacionais, promovendo grande parte dos projetos que foram lançados
recentemente e que, por algum motivo, não obtiveram o reconhecimento que
merecem. Nossa preocupação é manifesta e legítima, afinal, muitos dos filmes
que serão apresentados aqui estrearam em pouquíssimas salas, sendo basicamente reduzidas
ao circuito cultural Rio-SP. No nosso caso, a maioria das sessões que
acompanhamos estavam restritas à festivais e mostras especiais realizadas ao
longo dos últimos anos em Belo Horizonte. Dessa forma, fica ainda mais evidente
a importância de divulgarmos uma lista como esta, pois acreditamos que esses
valorosos projetos merecem o mesmo espaço – ou até mesmo um destaque maior – do
que as demais produções rodadas ao redor do mundo. Valorizar o Cinema
Brasileiro é FUNDAMENTAL!
Antes de
começarmos a tecer os elogios para cada uma dessas obras, é importante lembrar que
o critério escolhido para estabelecer quais os títulos que iriam compor essa
relação final se restringem apenas aos filmes
que estrearam em 2017 nas salas de cinema do país através do circuito
comercial, ou aqueles lançados diretamente em Home Video ou serviços de streaming.
Depois desta
brevíssima introdução, acompanhem agora a Lista com Os Dez Melhores Filmes Nacionais de 2017 (em ordem decrescente):
10º. LUGAR: “CORPO ELÉTRICO”
(Corpo
Elétrico, Brasil, 2017) - de Marcelo Caetano
Data da Estreia: 17 de agosto de 2017
Antes mesmo
de sua estreia, “Corpo Elétrico”
ameaçava abalar as estruturas da sociedade prometendo levar para as telas um
recorte cordial e singular do universo LGBT, vítima constante das amarras do
conservadorismo quando explorado pelo cinema comercial. Mantendo distância das
esferas do discurso ativista, o longa procura conclamar a ideia da
coexistência, ou simplesmente mostrar para o seu espectador que a realidade já
é dura o suficiente para continuar sendo recoberta por camadas e mais camadas
de preconceito. Dentro de uma ótica existencialista, o diretor Marcelo Caetano
cumpre o seu papel oferecendo ao público uma proposta narrativa autêntica e
reverberante.
As férias
estão chegando e Elias (Kelner Macêdo) só queria ter motivos para pensar no
mar. O jovem trabalha em uma pequena confecção de roupas femininas no centro de
São Paulo e, à medida que o fim de ano se aproxima, ainda precisa encarar uma
carga maior de responsabilidades para atender todas as demandas. Depois de
enfrentarem uma exaustiva jornada de horas extras, Elias e outros funcionários
da fábrica decidem sair para tomar uma cerveja. As possibilidades geradas
nesses novos encontros fazem com que o rapaz amplie os seus horizontes
afetivos, mantendo o espírito livre para transitar por vários ambientes.
Em momentos
de adversidades, a solidão e a libido acabam se tornando parceiras improváveis,
fazendo com que Elias realimente a sua independência carnal com mais uma série
de novas perspectivas traçadas a cada fortuito encontro. Mesmo que os seus
dilemas preencham a projeção por muito mais tempo, “Corpo Elétrico” não segue o padrão clássico de construção do arco
dramático de um protagonista. Seu tom realista é absolutamente fiel aos anseios
e individualidades de cada coadjuvante que são conduzidos por uma avidez e
sensibilidade extremamente marcantes, condensando situações ditas mundanas em
uma irresistível crônica urbana sobre o desejo e a sexualidade.
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"Corpo Elétrico" (2017) de Marcelo Caetano - Africa Filmes [br] | Desbun Filmes [br] | Plateau Produções [br] |
9º. LUGAR: “ERA O HOTEL CAMBRIDGE”
(Era
o Hotel Cambridge, Brasil | França | Espanha, 2016) - de Eliane Caffé
Data da Estreia: 16 de março de 2017
“Enquanto morar for um privilégio,
ocupar é um direito...”
A máxima é antiga, mas não há melhor maneira de se expressar até que o clima de
tensão não pare de tomar conta da vida daqueles indivíduos que reivindicam
apenas um teto – ou daqueles que ainda pretendem recuperar o mínimo da
dignidade para continuarem vivendo. Consciente de sua importância dentro do
cinema brasileiro de resistência, a diretora paulistana Eliane Caffé propõe uma
branda reflexão sobre o assunto, procurando se comunicar diretamente com
públicos distintos sem deixar de lado o tom essencialmente crítico de sua
narrativa – em especial pelo momento delicado pelo qual está passando o país.
“Era o Hotel Cambrige” retrata a trajetória incomum de um
grupo de refugiados recém-chegados ao Brasil que se unem ao movimento de
trabalhadores sem-teto para, juntos, tomarem posse de um edifício abandonado no
centro da cidade de São Paulo. Misturando realidade e ficção, acompanhamos a
rotina diária desses desabrigados e começamos a identificar e compreender os
anseios e as motivações que todos eles carregam para seguirem engajados na
militância social. É muito fácil se conectar aos dramas dessas personagens,
pois a câmera também invade e compartilha esse espaço com os moradores e
transforma o espectador em cúmplice das angústias relacionadas à iminente ameaça
de despejo.
A
dissimulação, a falta de assistência e o efeito de abandono são alguns dos
maiores dilemas do mundo contemporâneo, fazendo parte do legítimo comportamento
de uma comunidade global cada vez mais debilitada e hipócrita. O que acontece
na ocupação de um velho hotel da maior metrópole da América Latina é apenas um
fragmento da vida de milhões de pessoas que, por razões absurdas, estão
incapazes de se reintegrar na sociedade. Mas o estilhaço é grande, e o debate
acerca das políticas de inclusão é urgente e fundamental. A luta continua!
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"Era o Hotel Cambridge" (2016) de Eliane Caffé - Aurora Filmes [br] | Tu Vas Voir Productions [fr] |
8º. LUGAR: “GUERRA DO PARAGUAY”
(Guerra
do Paraguay, Brasil, 2017) - de Luiz Rosemberg Filho
Data da Estreia: 30 de março de 2017
Retumbante
alegoria cinematográfica, “Guerra do
Paraguay” não é necessariamente uma obra espetaculosa com eletrizantes
contornos bélicos e sangrentos, mas sim um minucioso estudo sobre a
arrogância, o contrassenso e o desconforto indissociáveis e onipresentes em
todos os conflitos armados que construíram a trágica e vergonhosa história da
humanidade; a sua imponência está justamente na poesia e na amortização deste
disparate. Após combater com bravura e brio na Guerra do Paraguai (1864 -
1870), um desvanecido soldado raso (Alexandre Dacosta) retorna ao Brasil e tem
um encontro atemporal com duas irmãs (Ana Abbott e Patrícia Niedermeier),
últimas integrantes de um grupo de artistas mambembes que fora dissolvido pelos
novos e atraentes meios de comunicação e entretenimento.
A aproximação
dessas realidades é pautada pela fugacidade, pois, diferente do ignóbil
militar, as atrizes estão vivendo próximas do desatino e do obscurantismo dos
dias atuais e, sem sombra de dúvidas, é a notável transitoriedade entre o passado
e o presente que reforçam o embate de ideias entre mundos completamente
distintos. Por um lado, observamos a hostilidade, a ignorância e a virulência
de um caótico sistema de conflagração representado pela figura de um servo
submisso e, pelo outro, reverenciamos o virtuoso discurso de uma consciência
quase utópica que defende a plena conquista da liberdade – arquétipos
fidedignos da barbárie e da esperança idealista.
Soberba,
pujante e metafórica, a composição do enredo garante sua eficácia recorrendo à
eloquência narrativa e sendo sustentada por diálogos afiados que ganham ainda
mais força com a teatralidade presente nas ações de cada uma das personagens. O
desenvolvimento desta celeuma moral produz uma coleção de sequências memoráveis
capaz de transferir para o filme uma dose exata de reflexão. A estética autoral
de Luiz Rosemberg Filho carrega no poder da palavra uma crítica certeira contra
a banalização da morte e a violência injustificada.
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"Guerra do Paraguay" (2017) de Luiz Rosemberg Filho - Cavideo [br] Canal Brasil [br] | Cafeína Produções [br] | Link Digital [br] |
7º. LUGAR: “BINGO: O REI DAS MANHÃS”
(Bingo:
O Rei das Manhãs, Brasil, 2017) - de Daniel Rezende
Data da Estreia: 24 de agosto de 2017
Qual foi a
chave do sucesso para o campeão de audiência na faixa matinal da TV se
transformar em um dos maiores estouros populares da década de 80? O alucinante
e turbulento “Bingo: O Rei das Manhãs”
traz essa resposta ao remontar a jornada de loucura e dissimulação de Augusto
Mendes (Vladimir Brichta), um operário a serviço das artes dramáticas. Enérgico
e saliente, o ator ficou conhecido pelas participações em alguns dos projetos
mais famigerados da pornochanchada, mas também era tido como um homem
extremamente obstinado, pois possuía o temperamento forte e percorria o brilho
dos holofotes de maneira incansável.
Sonhando em
construir uma célebre e duradoura carreira no mundo do entretenimento, Augusto
passa a enxergar no teste de personagem para o novo programa infantil de uma
emissora mediana uma grande chance de alcançar fama e reconhecimento. Após
superar uma dezena de candidatos nas audiências, o papel de Bingo – primeiro
palhaço da história da televisão brasileira – finalmente era dele. Desde o
início percebemos que missão de fazer os outros rirem nunca foi uma
brincadeira, sobretudo quando a vida particular começa a sufocar esse artista,
pesando a angústia pelo distanciamento do filho e o incômodo pela conturbada
relação profissional com Lúcia (Leandra Leal), diretora da atração.
Amargurado,
Augusto transpirava talento por trás da maquiagem. Bingo conquistou multidões,
mas era muito complicado lidar com a glória tendo que preservar a sua
verdadeira identidade. O anonimato lhe entregava apenas fragmentos de uma
realidade cruel, palco propício para um astro se render ao álcool e à dependência
química de forma inevitável. “Bingo: O
Rei das Manhãs” foi inspirado na fascinante trajetória de Arlindo Barreto
que, durante anos, interpretou o palhaço Bozo na antiga TVS (hoje SBT), e que,
até hoje, declara o seu amor pelos palcos, sempre à procura do próximo foco de
luz.
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"Bingo: O Rei das Manhãs" (2017) de Daniel Rezende - Empyrean Pictures [us] | Gullane [br] | Warner Bros. [br] |
6º. LUGAR: “O FILME DA MINHA VIDA”
(O
Filme da Minha Vida, Brasil, 2017) - de Selton Mello
Data da Estreia: 3 de agosto de 2017
Emocionalmente
equilibrado, “O Filme da Minha Vida”
refulge como uma afetuosa crônica sobre encontros e despedidas, um turbilhão
impetuoso capaz de transbordar o espírito de uma plateia inteira com
entusiasmos e melancolias, evocando um misto de sentimentos arrebatadores. O
longa também fica marcado pelo seu extraordinário apuro técnico e evidencia o
pleno amadurecimento de Selton Mello como um cineasta que, já no seu terceiro
filme, se consolida como um dos melhores contadores de histórias da sua
geração. Competente como poucos, ele ainda participa da trama dando a vida à
Paco, um sujeito bronco e matuto que é peça de apoio fundamental no drama vivido
pelos protagonistas em uma pequena cidade do sul do país.
Antigo amigo
da família do imigrante francês Nicolas Terranova (Vincent Cassel), Paco agora
oferece amparo compassivo a Sofia (Ondina Clais) e Tony (Johnny Massaro),
respectivamente, esposa e filho que foram abandonados por esse homem há pouco
mais dois anos. De maneira inclusivamente sórdida, Nicolas acaba partindo no
mesmo trem que trouxe Tony de volta ao lar depois de ter passado algumas
temporadas estudando na capital. O jovem havia acabado de se formar e, desde
então, encara a sua rotina ministrando aulas de língua francesa em uma escola e
tentando encontrar impresumíveis respostas sobre o paradeiro do pai e as razões
que o levaram a deixá-lo sozinho com a sua mãe.
Colidente,
nostálgico e essencialmente romântico, “O
Filme da Minha Vida” carrega consigo o formidável peso das lembranças e a
ansiedade incontida que orbita o plano das descobertas, características essas
que alimentam a fabulosa capacidade de reconstrução do amor. Lisonjeira, a obra
ainda comove ao prestar uma singela homenagem ao não menos conflituoso “Rio
Vermelho” (1948) de Howard Hawks, sempre reforçando o poder de encantamento
atrelado ao cinema e o mundo de possibilidades que ele pode proporcionar.
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"O Filme da Minha Vida" (2017) de Selton Mello - Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) [us] Bananeira Filmes [br] | Globo Filmes [br] | Mondo Cane Filmes [br] | Urca Filmes [br] |
5º. LUGAR: “JONAS E O CIRCO SEM LONA”
(Jonas
e o Circo sem Lona, Brasil, 2015) - de Paula Gomes
Data da Estreia: 16 de março de 2017
Fruto de uma
pesquisa sobre a encantadora jornada de trupes mambembes que ainda fazem do
interior da Bahia o seu picadeiro, o documentário “Jonas e o Circo sem Lona” conta a admirável história de Jonas
Laborda, um garoto de 13 anos que alimenta o sonho de manter vivo o circo que
fundou no quintal de sua casa. Ele ainda teve a fantástica ideia de convidar os
seus melhores amigos para participar de alguns espetáculos improvisados e
apresentá-los para os moradores do humilde bairro onde vivem. É o próprio Jonas
quem cria a dinâmica dos números, seleciona as músicas, confecciona os
figurinos e controla a venda de ingressos.
Cativante e
melancólico, o filme vai muito além de cambalhotas, malabarismos e
trampolinagens, levantando questões importantes acerca da infância e da
juventude. Ao mesmo tempo que lida com o sucesso ou o fracasso de suas
exibições, Jonas se equilibra na corda bamba da vida tendo que encarar os
dilemas da adolescência e descobrir as dificuldades que enfrentará na transição
para a fase adulta. Teimoso, ele pretende abandonar a escola e se juntar ao tio
para viver trabalhando em um um circo itinerante, mas acaba sendo impedido pela
mãe, que prefere que o filho continue estudando.
Vindo de uma
tradicional família de artistas circenses, o menino fica sem compreender o
porquê de não poder perpetuar essa respeitável herança. É nesse momento que a
lente da câmera começa a perseguir os seus olhares, sempre recobertos de
lágrimas que teimam em não cair e que evidenciam uma grande tristeza diante de
tamanhas frustrações. A narrativa flui de maneira harmoniosa, revelando a sua
extrema sensibilidade e força de percepção documental, uma vez que a diretora
Paula Gomes estabelece uma sincera relação de amizade com Jonas – “...este não é o final do seu filme...”.
Impossível não se emocionar!
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"Jonas e o Circo sem Lona" (2015) de Paula Gomes - Plano 3 Filmes [br] |
4º. LUGAR: “ELON NÃO ACREDITA NA
MORTE”
(Elon
não Acredita na Morte, Brasil, 2016) - de Ricardo Alves Jr.
Data da Estreia: 27 de abril de 2017
Impactante e
potencialmente corrosivo, o magnético suspense presente no enredo
claustrofóbico de “Elon não Acredita na
Morte” é capaz de desorganizar a mente do espectador. Apesar de se desenvolver
com uma aparente cautela, a sua narrativa é inquieta e absolutamente
transgressora, pois tem a intenção de envolver o público em todas as
casualidades que levam o personagem principal a percorrer um desalinhado
caminho sem volta, uma jornada emocional sobressaltada pela efervescente arte
do desencontro que pode mexer com os seus brios e propiciar a hesitação, a
imprudência e a loucura.
Elon (Rômulo
Braga) trabalha como vigia noturno e tem a sua rotina quebrada por completo
quando a sua esposa, Madalena (Clara Choveaux), desaparece misteriosamente. Em
busca de repostas, ele passa a vagar pelos cantos mais sombrios da cidade à
procura de pistas que possam ajudá-lo a esclarecer todas as incongruências
deste insólito acontecimento. O drama vivido pelo protagonista tem um destino
incerto, cabendo exclusivamente àqueles que o observam do outro lado da tela
reconhecer a autenticidade das pistas e juntar as peças de um ilógico
quebra-cabeças. Perdido, Elon já não sabe mais em quem ou no que acreditar,
pois a agonia e o medo acabaram devastando todos os seus sentimentos.
Amparado por
uma essência provocativa, o primeiro longa de ficção do diretor mineiro Ricardo
Alves Jr. tem no elemento da dedução a sua principal virtude. O filme é
recheado por pequenas reviravoltas, mas não são elas que dão os tons de
agitação imoderada que seriam próprios aos desenlaces de uma trama como essa.
As conclusões aqui talvez sejam formadas apenas pela nossa experiência
sensorial e, tal qual as insanidades do amor moderno, revelam um cenário cada
vez mais preenchido pela desesperança, pela morbidez e pela vultuosidade.
Estrondoso e inteligente, “Elon não
Acredita na Morte” faz incandescer o cinema nacional contemporâneo.
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"Elon não Acredita na Morte" (2016) de Ricardo Alves Jr. - Entrefilmes [br] Sancho Filmes [br] | Punta Colorada de Cinema [br] | Autocroma [ar] |
3º. LUGAR: “REDEMOINHO”
(Redemoinho,
Brasil, 2016) - de José Luiz Villamarim
Data da Estreia: 9 de fevereiro de 2017
Baseado em um
dos volumes da pentalogia “Inferno
Provisório”, obra literária de Luiz Ruffato, “Redemoinho” também traça alguns dos objetivos principais pensados
pelo escritor ao redimensionar o desalinhado panorama social da classe operária
brasileira, ficcionalizando a sua vida cotidiana e expondo todas as suas
amarguras e ressentimentos. Delineado por um discurso preciso sobre as
contradições entre ideais imaginários – normalmente provocado pelo abismal
choque de realidades – o drama foca no reencontro de dois amigos de infância
que dividiram inúmeros sonhos e desilusões e que, agora, revivem as sombras do
passado que foram abandonadas em Cataguases, município do interior das Minas
Gerais.
Luzimar
(Irandhir Santos) nunca teve a oportunidade de sair da sua rotina, casou-se
muito cedo com Toninha (Dira Paes) e sempre trabalhou em uma modesta usina de
tecelagem da cidade. Já Gildo (Júlio Andrade) obteve mais êxito ao construir
toda a sua história em São Paulo, bem distante de suas origens. Fortuitamente,
o destino de ambos volta a se cruzar durante a véspera de Natal, momento em que
Gildo retorna para fazer uma visita à mãe. Entre uma cerveja e outra, a reunião
começa descontraída e os antigos companheiros vão revelando as suas grandes
realizações e os seus maiores arrependimentos.
Entretanto, o
clima de camaradagem começa a ser diluído por dilemas cíclicos e entrelaçados
que, inevitavelmente, voltam à tona. Recheada por um embate de diálogos ásperos
e rancorosos, a trama passa a girar em torno de uma tragédia ocorrida no tempo
em que eles eram garotos, num episódio que transformou de maneira profunda a
vida de todos. Impactante, severo e remissível, “Redemoinho” ainda marcou a proeminente estreia de José Luiz
Villamarim em projetos cinematográficos. Em 2016, o diretor esteve à frente de
projetos igualmente ousados como “Justiça”
e “Nada Será Como Antes”, duas das
mais elogiadas minisséries da TV Globo.
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"Redemoinho" (2016) de José Luiz Villamarim - Bananeira Filmes [br] | Globo Filmes [br] |
2º. LUGAR: “MARTÍRIO”
(Martírio,
Brasil, 2016) - de Vincent Carelli, Tatiana Almeida e Ernesto de Carvalho
Data da Estreia: 13 de abril de 2017
Arrojado, impressionante e poderoso, “Martírio” coloca em evidência todo o transtorno ético e moral que
paira sobre as inúmeras decisões arbitrárias que tentam mascarar o nosso
clarividente estado de exceção; situação essa que ainda provoca o descomunal
retrocesso estabelecido pelas dissuasivas políticas de demarcação de terras. O
documentário causa revolta e indignação ao escancarar o lacerante e impiedoso
tratamento que o governo brasileiro destina às populações indígenas, focando
sobretudo na imposição de sua força abusiva e desproporcional ao perseguir, de
maneira implacável, uma comunidade Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul.
O principal objetivo do antropólogo e diretor Vincent
Carelli foi comprovar, através do peso e do vigor de suas imagens, a crueza de
um genocídio brutal que reflete o nítido conflito de interesses responsável por
derramar sangue em terras ditas sagradas, mas que nunca fora tratado como uma
tragédia anunciada. O próprio título do filme já traduz os sentimentos de
angústia e padecimento que conduziram o espírito de resistência de um povo
torturado ao longo de séculos, provando que a história de violência e extermínio
contra eles é infinda e tem origens tão antigas quanto a sua luta para
sobreviver.
“Martírio” venceu o Prêmio de Melhor Filme do
Júri Popular e o Prêmio Especial do Júri do 49° Festival de Brasília,
configurando, assim, um momento oportuno para endereçarmos mais um recado às
autoridades amparadas pelo discurso da grande mídia e sustentadas pelo domínio
do agronegócio. As discussões propostas pelo longa são urgentes e merecem a
atenção de cada indivíduo, pois são capazes de dar voz e assertar uma condição
circunstancial para a formação ou a evolução da nossa consciência crítica. É
fundamental que tenhamos contato com obras impactantes e significativas como
essa, pois são elas que destacam a importância do cinema como uma das maiores
ferramentas de construção da sociedade.
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"Martírio" (2016) de Vincent Carelli, Tatiana Almeida e Ernesto de Carvalho - Vídeo nas Aldeias [br] | Papo Amarelo [br] |
1º. LUGAR: “A CIDADE ONDE ENVELHEÇO”
(A
Cidade Onde Envelheço, Brasil | Portugal, 2016) - de Marília Rocha
Data da Estreia: 9 de fevereiro de 2017
“De onde venho, meu velho, para onde
vou? ...” O tempo
possui um tino implacável para tudo aquilo que é fugaz e transitório. Tal qual
o poeta mineiro Paulo Mendes Campos escrevia para o amigo Otto Lara Resende
quando deixava o seu amado estado natal rumo ao Rio de Janeiro, somos levados a
aproveitar os nossos ínfimos fragmentos de vida como se estivéssemos saboreando
um pequeno fruto agridoce ou relaxando com os poucos tragos que um único
cigarro pode oferecer. Nessa arrevesada lógica, todos nós fazemos parte de uma
crônica aflita sobre o impacto de ser estrangeiro em qualquer lugar.
Grande
vencedor da 49ª edição do Festival de Brasília, realizado em 2016, “A Cidade Onde Envelheço” marca a
estreia da proeminente cineasta Marília Rocha na condução de um longa-metragem
de ficção. Recheado de nostalgia e sensibilidade, o filme não busca explicar o
sentido de tudo aquilo que é efêmero, mas tenta ressignificar o complexo
conceito da liberdade ao acompanhar a rotina de Francisca (Francisca Manuel),
uma jovem portuguesa que vive há quase um ano em Belo Horizonte e que está
prestes a receber Teresa (Elizabete Francisca), uma antiga conhecida com quem
perdeu o contato desde quando decidiu sair de Lisboa.
Afetuosa e
inspiradora, a narrativa se inclina para os eventos corriqueiros das duas
emigrantes e a relação de ambas com a cidade. Entre alegrias e decepções, risos
e alguns soluços engasgados na garganta, podemos observar uma verdadeira
amizade se consolidando. Entretanto, sabemos que a melancolia é o único mal
irremediável, afinal, conseguimos lidar muito bem com o choque de realidade e
as particularidades de viver em um país desconhecido, mas desmoronamos quando
nos pegamos com saudades de casa. Aqui, o dilema do existir sempre pairará
sobre a decisão de criar raízes e sobre a escolha do lugar onde queremos
envelhecer.
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"A Cidade Onde Envelheço" (2016) de Marília Rocha - Anavilhana Filmes [br] | Terratreme Filmes [pt] |
Para finalizar, é importante ressaltar que uma lista
com apenas dez títulos é muito pequena frente ao grande número de produções de
qualidade que foram lançadas ao longo deste ano; filmes que sempre nos fazem
querer descobrir um pouco mais sobre os tipos cinema que são feitos na nossa
própria casa. Dessa forma, resolvemos incluir, no final deste artigo, uma pequena
relação de trabalhos que também se encaixam em algumas categorias que julgamos
importantes. Confira:
Também mereceram destaque este ano: “A Família Dionti” (2015) de Alan Minas; “Mais do
que eu possa me Reconhecer” (2015) de Allan Ribeiro; “Antes o Tempo não Acabava” (2016) de Sergio Andrade e Fábio Baldo;
“Rifle” (2016) de Davi Pretto; “Como Nossos Pais” (2017) de Laís
Bodanzky; e “Joaquim” (2017) de Marcelo
Gomes.
Não vimos e nem veremos: “Internet:
O Filme” (2017) de Filippo Capuzzi Lapietra.
Ainda faltam ser conferidos: “Clarisse ou Alguma Coisa sobre Nós Dois” (2015) de Petrus Cariry; “Animal Político” (2016) de Tião; “Divinas Divas” (2016) de Leandra Leal; “As Duas Irenes” (2017) de Fabio Meira;
“Um Filme de Cinema” (2017) de Walter
Carvalho; e “Vazante” (2017) de Daniela
Thomas.
Podem obter grande destaque em 2018: “Arábia”
(2017) de Affonso Uchoa e João Dumans; “Baronesa"
(2017) de Juliana Antunes; “Unicórnio”
(2017) de Eduardo Nunes; “Ferrugem”
(2018) de Aly Muritiba; “O Grande Circo
Místico” (2018) de Carlos Diegues; e “Marighella”
(2018) de Wagner Moura.
Maior expectativa para 2018: “As
Boas Maneiras” (2017) de Juliana Rojas e Marco Dutra.
(*) Lembrando
que críticas, apontamentos de injustiças ou esquecimentos podem ser expressos
nos comentários... ;-)
(**) Também
não descartaremos os elogios! :-D
Confira também as listas
com “Os Dez Melhores Filmes Nacionais”
elaboradas pelo Rotina Cinematográfica em anos anteriores:
Meu maior
desejo é de que 2018 nos presentei com filmes tão espetaculares quanto os desta
temporada! E nunca se esqueçam de valorizar o nosso produto...
VIVA SEMPRE O
CINEMA NACIONAL!
Os Dez Melhores Filmes Nacionais são geniais! Eu amo filmes de ação e comédia! Eu gosto muito deste tipo de filmes, eles sempre chamam minha atenção por causa da história muito divertida. Atualmente meu favorito é Apenas O Comeco é muito divertido e eu considero um bom filme para ser visto em qualquer sábado, garantindo diversão para o espectador. Eu acho que o roteiro deste filme foi muito criativo e foi uma peça chave do sucesso que teve.
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