sábado, 23 de dezembro de 2017

Feito no Brasil | Os Dez Melhores Filmes Nacionais de 2017

No período em que a maioria dos blogs e sites de entretenimento começam a reservar as últimas semanas do mês para organizar retrospectivas, prestar homenagens e compor as listas com os melhores filmes da temporada, o Rotina Cinematográfica vem, pelo terceiro ano consecutivo, presentear os seus leitores com um artigo especial que já se configura como uma das marcas mais emblemáticas do nosso espaço e que, comumente, não chega a ser elaborado por outras plataformas especializadas em cinema. Destacaremos agora dez relevantes trabalhos produzidos no país e que mais nos chamaram a atenção ao longo de 2017. Projetos cada vez mais audaciosos e inventivos que colocam o Brasil entre os principais mercados cinematográficos do planeta.

Quem nos segue desde o princípio sabe que sempre procuramos garantir um espaço generoso para as produções nacionais, promovendo grande parte dos projetos que foram lançados recentemente e que, por algum motivo, não obtiveram o reconhecimento que merecem. Nossa preocupação é manifesta e legítima, afinal, muitos dos filmes que serão apresentados aqui estrearam em pouquíssimas salas, sendo basicamente reduzidas ao circuito cultural Rio-SP. No nosso caso, a maioria das sessões que acompanhamos estavam restritas à festivais e mostras especiais realizadas ao longo dos últimos anos em Belo Horizonte. Dessa forma, fica ainda mais evidente a importância de divulgarmos uma lista como esta, pois acreditamos que esses valorosos projetos merecem o mesmo espaço – ou até mesmo um destaque maior – do que as demais produções rodadas ao redor do mundo. Valorizar o Cinema Brasileiro é FUNDAMENTAL!

Antes de começarmos a tecer os elogios para cada uma dessas obras, é importante lembrar que o critério escolhido para estabelecer quais os títulos que iriam compor essa relação final se restringem apenas aos filmes que estrearam em 2017 nas salas de cinema do país através do circuito comercial, ou aqueles lançados diretamente em Home Video ou serviços de streaming.

Depois desta brevíssima introdução, acompanhem agora a Lista com Os Dez Melhores Filmes Nacionais de 2017 (em ordem decrescente):

10º. LUGAR: “CORPO ELÉTRICO”

(Corpo Elétrico, Brasil, 2017) - de Marcelo Caetano

Data da Estreia: 17 de agosto de 2017

Antes mesmo de sua estreia, “Corpo Elétrico” ameaçava abalar as estruturas da sociedade prometendo levar para as telas um recorte cordial e singular do universo LGBT, vítima constante das amarras do conservadorismo quando explorado pelo cinema comercial. Mantendo distância das esferas do discurso ativista, o longa procura conclamar a ideia da coexistência, ou simplesmente mostrar para o seu espectador que a realidade já é dura o suficiente para continuar sendo recoberta por camadas e mais camadas de preconceito. Dentro de uma ótica existencialista, o diretor Marcelo Caetano cumpre o seu papel oferecendo ao público uma proposta narrativa autêntica e reverberante.

As férias estão chegando e Elias (Kelner Macêdo) só queria ter motivos para pensar no mar. O jovem trabalha em uma pequena confecção de roupas femininas no centro de São Paulo e, à medida que o fim de ano se aproxima, ainda precisa encarar uma carga maior de responsabilidades para atender todas as demandas. Depois de enfrentarem uma exaustiva jornada de horas extras, Elias e outros funcionários da fábrica decidem sair para tomar uma cerveja. As possibilidades geradas nesses novos encontros fazem com que o rapaz amplie os seus horizontes afetivos, mantendo o espírito livre para transitar por vários ambientes.

Em momentos de adversidades, a solidão e a libido acabam se tornando parceiras improváveis, fazendo com que Elias realimente a sua independência carnal com mais uma série de novas perspectivas traçadas a cada fortuito encontro. Mesmo que os seus dilemas preencham a projeção por muito mais tempo, “Corpo Elétrico” não segue o padrão clássico de construção do arco dramático de um protagonista. Seu tom realista é absolutamente fiel aos anseios e individualidades de cada coadjuvante que são conduzidos por uma avidez e sensibilidade extremamente marcantes, condensando situações ditas mundanas em uma irresistível crônica urbana sobre o desejo e a sexualidade.

"Corpo Elétrico" (2017) de Marcelo Caetano - Africa Filmes [br] | Desbun Filmes [br] | Plateau Produções [br]

9º. LUGAR: “ERA O HOTEL CAMBRIDGE”

(Era o Hotel Cambridge, Brasil | França | Espanha, 2016) - de Eliane Caffé

Data da Estreia: 16 de março de 2017

“Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito...” A máxima é antiga, mas não há melhor maneira de se expressar até que o clima de tensão não pare de tomar conta da vida daqueles indivíduos que reivindicam apenas um teto – ou daqueles que ainda pretendem recuperar o mínimo da dignidade para continuarem vivendo. Consciente de sua importância dentro do cinema brasileiro de resistência, a diretora paulistana Eliane Caffé propõe uma branda reflexão sobre o assunto, procurando se comunicar diretamente com públicos distintos sem deixar de lado o tom essencialmente crítico de sua narrativa – em especial pelo momento delicado pelo qual está passando o país.

“Era o Hotel Cambrige” retrata a trajetória incomum de um grupo de refugiados recém-chegados ao Brasil que se unem ao movimento de trabalhadores sem-teto para, juntos, tomarem posse de um edifício abandonado no centro da cidade de São Paulo. Misturando realidade e ficção, acompanhamos a rotina diária desses desabrigados e começamos a identificar e compreender os anseios e as motivações que todos eles carregam para seguirem engajados na militância social. É muito fácil se conectar aos dramas dessas personagens, pois a câmera também invade e compartilha esse espaço com os moradores e transforma o espectador em cúmplice das angústias relacionadas à iminente ameaça de despejo.

A dissimulação, a falta de assistência e o efeito de abandono são alguns dos maiores dilemas do mundo contemporâneo, fazendo parte do legítimo comportamento de uma comunidade global cada vez mais debilitada e hipócrita. O que acontece na ocupação de um velho hotel da maior metrópole da América Latina é apenas um fragmento da vida de milhões de pessoas que, por razões absurdas, estão incapazes de se reintegrar na sociedade. Mas o estilhaço é grande, e o debate acerca das políticas de inclusão é urgente e fundamental. A luta continua!

"Era o Hotel Cambridge" (2016) de Eliane Caffé - Aurora Filmes [br] | Tu Vas Voir Productions [fr]

8º. LUGAR: “GUERRA DO PARAGUAY”

(Guerra do Paraguay, Brasil, 2017) - de Luiz Rosemberg Filho

Data da Estreia: 30 de março de 2017

Retumbante alegoria cinematográfica, “Guerra do Paraguay” não é necessariamente uma obra espetaculosa com eletrizantes contornos bélicos e sangrentos, mas sim um minucioso estudo sobre a arrogância, o contrassenso e o desconforto indissociáveis e onipresentes em todos os conflitos armados que construíram a trágica e vergonhosa história da humanidade; a sua imponência está justamente na poesia e na amortização deste disparate. Após combater com bravura e brio na Guerra do Paraguai (1864 - 1870), um desvanecido soldado raso (Alexandre Dacosta) retorna ao Brasil e tem um encontro atemporal com duas irmãs (Ana Abbott e Patrícia Niedermeier), últimas integrantes de um grupo de artistas mambembes que fora dissolvido pelos novos e atraentes meios de comunicação e entretenimento.

A aproximação dessas realidades é pautada pela fugacidade, pois, diferente do ignóbil militar, as atrizes estão vivendo próximas do desatino e do obscurantismo dos dias atuais e, sem sombra de dúvidas, é a notável transitoriedade entre o passado e o presente que reforçam o embate de ideias entre mundos completamente distintos. Por um lado, observamos a hostilidade, a ignorância e a virulência de um caótico sistema de conflagração representado pela figura de um servo submisso e, pelo outro, reverenciamos o virtuoso discurso de uma consciência quase utópica que defende a plena conquista da liberdade – arquétipos fidedignos da barbárie e da esperança idealista.

Soberba, pujante e metafórica, a composição do enredo garante sua eficácia recorrendo à eloquência narrativa e sendo sustentada por diálogos afiados que ganham ainda mais força com a teatralidade presente nas ações de cada uma das personagens. O desenvolvimento desta celeuma moral produz uma coleção de sequências memoráveis capaz de transferir para o filme uma dose exata de reflexão. A estética autoral de Luiz Rosemberg Filho carrega no poder da palavra uma crítica certeira contra a banalização da morte e a violência injustificada.

"Guerra do Paraguay" (2017) de Luiz Rosemberg Filho - Cavideo [br]
Canal Brasil [br] | Cafeína Produções [br] | Link Digital [br] 

7º. LUGAR: “BINGO: O REI DAS MANHÃS”

(Bingo: O Rei das Manhãs, Brasil, 2017) - de Daniel Rezende

Data da Estreia: 24 de agosto de 2017

Qual foi a chave do sucesso para o campeão de audiência na faixa matinal da TV se transformar em um dos maiores estouros populares da década de 80? O alucinante e turbulento “Bingo: O Rei das Manhãs” traz essa resposta ao remontar a jornada de loucura e dissimulação de Augusto Mendes (Vladimir Brichta), um operário a serviço das artes dramáticas. Enérgico e saliente, o ator ficou conhecido pelas participações em alguns dos projetos mais famigerados da pornochanchada, mas também era tido como um homem extremamente obstinado, pois possuía o temperamento forte e percorria o brilho dos holofotes de maneira incansável.

Sonhando em construir uma célebre e duradoura carreira no mundo do entretenimento, Augusto passa a enxergar no teste de personagem para o novo programa infantil de uma emissora mediana uma grande chance de alcançar fama e reconhecimento. Após superar uma dezena de candidatos nas audiências, o papel de Bingo – primeiro palhaço da história da televisão brasileira – finalmente era dele. Desde o início percebemos que missão de fazer os outros rirem nunca foi uma brincadeira, sobretudo quando a vida particular começa a sufocar esse artista, pesando a angústia pelo distanciamento do filho e o incômodo pela conturbada relação profissional com Lúcia (Leandra Leal), diretora da atração.

Amargurado, Augusto transpirava talento por trás da maquiagem. Bingo conquistou multidões, mas era muito complicado lidar com a glória tendo que preservar a sua verdadeira identidade. O anonimato lhe entregava apenas fragmentos de uma realidade cruel, palco propício para um astro se render ao álcool e à dependência química de forma inevitável. “Bingo: O Rei das Manhãs” foi inspirado na fascinante trajetória de Arlindo Barreto que, durante anos, interpretou o palhaço Bozo na antiga TVS (hoje SBT), e que, até hoje, declara o seu amor pelos palcos, sempre à procura do próximo foco de luz.

"Bingo: O Rei das Manhãs" (2017) de Daniel Rezende - Empyrean Pictures [us] | Gullane [br] | Warner Bros. [br]

6º. LUGAR: “O FILME DA MINHA VIDA”

(O Filme da Minha Vida, Brasil, 2017) - de Selton Mello

Data da Estreia: 3 de agosto de 2017

Emocionalmente equilibrado, “O Filme da Minha Vida” refulge como uma afetuosa crônica sobre encontros e despedidas, um turbilhão impetuoso capaz de transbordar o espírito de uma plateia inteira com entusiasmos e melancolias, evocando um misto de sentimentos arrebatadores. O longa também fica marcado pelo seu extraordinário apuro técnico e evidencia o pleno amadurecimento de Selton Mello como um cineasta que, já no seu terceiro filme, se consolida como um dos melhores contadores de histórias da sua geração. Competente como poucos, ele ainda participa da trama dando a vida à Paco, um sujeito bronco e matuto que é peça de apoio fundamental no drama vivido pelos protagonistas em uma pequena cidade do sul do país.

Antigo amigo da família do imigrante francês Nicolas Terranova (Vincent Cassel), Paco agora oferece amparo compassivo a Sofia (Ondina Clais) e Tony (Johnny Massaro), respectivamente, esposa e filho que foram abandonados por esse homem há pouco mais dois anos. De maneira inclusivamente sórdida, Nicolas acaba partindo no mesmo trem que trouxe Tony de volta ao lar depois de ter passado algumas temporadas estudando na capital. O jovem havia acabado de se formar e, desde então, encara a sua rotina ministrando aulas de língua francesa em uma escola e tentando encontrar impresumíveis respostas sobre o paradeiro do pai e as razões que o levaram a deixá-lo sozinho com a sua mãe.

Colidente, nostálgico e essencialmente romântico, “O Filme da Minha Vida” carrega consigo o formidável peso das lembranças e a ansiedade incontida que orbita o plano das descobertas, características essas que alimentam a fabulosa capacidade de reconstrução do amor. Lisonjeira, a obra ainda comove ao prestar uma singela homenagem ao não menos conflituoso “Rio Vermelho” (1948) de Howard Hawks, sempre reforçando o poder de encantamento atrelado ao cinema e o mundo de possibilidades que ele pode proporcionar.

"O Filme da Minha Vida" (2017) de Selton Mello - Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) [us]
Bananeira Filmes [br] | Globo Filmes [br] | Mondo Cane Filmes [br] | Urca Filmes [br]

5º. LUGAR: “JONAS E O CIRCO SEM LONA”

(Jonas e o Circo sem Lona, Brasil, 2015) - de Paula Gomes

Data da Estreia: 16 de março de 2017

Fruto de uma pesquisa sobre a encantadora jornada de trupes mambembes que ainda fazem do interior da Bahia o seu picadeiro, o documentário “Jonas e o Circo sem Lona” conta a admirável história de Jonas Laborda, um garoto de 13 anos que alimenta o sonho de manter vivo o circo que fundou no quintal de sua casa. Ele ainda teve a fantástica ideia de convidar os seus melhores amigos para participar de alguns espetáculos improvisados e apresentá-los para os moradores do humilde bairro onde vivem. É o próprio Jonas quem cria a dinâmica dos números, seleciona as músicas, confecciona os figurinos e controla a venda de ingressos.

Cativante e melancólico, o filme vai muito além de cambalhotas, malabarismos e trampolinagens, levantando questões importantes acerca da infância e da juventude. Ao mesmo tempo que lida com o sucesso ou o fracasso de suas exibições, Jonas se equilibra na corda bamba da vida tendo que encarar os dilemas da adolescência e descobrir as dificuldades que enfrentará na transição para a fase adulta. Teimoso, ele pretende abandonar a escola e se juntar ao tio para viver trabalhando em um um circo itinerante, mas acaba sendo impedido pela mãe, que prefere que o filho continue estudando.

Vindo de uma tradicional família de artistas circenses, o menino fica sem compreender o porquê de não poder perpetuar essa respeitável herança. É nesse momento que a lente da câmera começa a perseguir os seus olhares, sempre recobertos de lágrimas que teimam em não cair e que evidenciam uma grande tristeza diante de tamanhas frustrações. A narrativa flui de maneira harmoniosa, revelando a sua extrema sensibilidade e força de percepção documental, uma vez que a diretora Paula Gomes estabelece uma sincera relação de amizade com Jonas – “...este não é o final do seu filme...”. Impossível não se emocionar!

"Jonas e o Circo sem Lona" (2015) de Paula Gomes - Plano 3 Filmes [br]

4º. LUGAR: “ELON NÃO ACREDITA NA MORTE”

(Elon não Acredita na Morte, Brasil, 2016) - de Ricardo Alves Jr.

Data da Estreia: 27 de abril de 2017

Impactante e potencialmente corrosivo, o magnético suspense presente no enredo claustrofóbico de “Elon não Acredita na Morte” é capaz de desorganizar a mente do espectador. Apesar de se desenvolver com uma aparente cautela, a sua narrativa é inquieta e absolutamente transgressora, pois tem a intenção de envolver o público em todas as casualidades que levam o personagem principal a percorrer um desalinhado caminho sem volta, uma jornada emocional sobressaltada pela efervescente arte do desencontro que pode mexer com os seus brios e propiciar a hesitação, a imprudência e a loucura.

Elon (Rômulo Braga) trabalha como vigia noturno e tem a sua rotina quebrada por completo quando a sua esposa, Madalena (Clara Choveaux), desaparece misteriosamente. Em busca de repostas, ele passa a vagar pelos cantos mais sombrios da cidade à procura de pistas que possam ajudá-lo a esclarecer todas as incongruências deste insólito acontecimento. O drama vivido pelo protagonista tem um destino incerto, cabendo exclusivamente àqueles que o observam do outro lado da tela reconhecer a autenticidade das pistas e juntar as peças de um ilógico quebra-cabeças. Perdido, Elon já não sabe mais em quem ou no que acreditar, pois a agonia e o medo acabaram devastando todos os seus sentimentos.

Amparado por uma essência provocativa, o primeiro longa de ficção do diretor mineiro Ricardo Alves Jr. tem no elemento da dedução a sua principal virtude. O filme é recheado por pequenas reviravoltas, mas não são elas que dão os tons de agitação imoderada que seriam próprios aos desenlaces de uma trama como essa. As conclusões aqui talvez sejam formadas apenas pela nossa experiência sensorial e, tal qual as insanidades do amor moderno, revelam um cenário cada vez mais preenchido pela desesperança, pela morbidez e pela vultuosidade. Estrondoso e inteligente, “Elon não Acredita na Morte” faz incandescer o cinema nacional contemporâneo.

"Elon não Acredita na Morte" (2016) de Ricardo Alves Jr. - Entrefilmes [br]
Sancho Filmes [br] | Punta Colorada de Cinema [br] | Autocroma [ar]

3º. LUGAR: “REDEMOINHO”

(Redemoinho, Brasil, 2016) - de José Luiz Villamarim

Data da Estreia: 9 de fevereiro de 2017

Baseado em um dos volumes da pentalogia “Inferno Provisório”, obra literária de Luiz Ruffato, “Redemoinho” também traça alguns dos objetivos principais pensados pelo escritor ao redimensionar o desalinhado panorama social da classe operária brasileira, ficcionalizando a sua vida cotidiana e expondo todas as suas amarguras e ressentimentos. Delineado por um discurso preciso sobre as contradições entre ideais imaginários – normalmente provocado pelo abismal choque de realidades – o drama foca no reencontro de dois amigos de infância que dividiram inúmeros sonhos e desilusões e que, agora, revivem as sombras do passado que foram abandonadas em Cataguases, município do interior das Minas Gerais.

Luzimar (Irandhir Santos) nunca teve a oportunidade de sair da sua rotina, casou-se muito cedo com Toninha (Dira Paes) e sempre trabalhou em uma modesta usina de tecelagem da cidade. Já Gildo (Júlio Andrade) obteve mais êxito ao construir toda a sua história em São Paulo, bem distante de suas origens. Fortuitamente, o destino de ambos volta a se cruzar durante a véspera de Natal, momento em que Gildo retorna para fazer uma visita à mãe. Entre uma cerveja e outra, a reunião começa descontraída e os antigos companheiros vão revelando as suas grandes realizações e os seus maiores arrependimentos.

Entretanto, o clima de camaradagem começa a ser diluído por dilemas cíclicos e entrelaçados que, inevitavelmente, voltam à tona. Recheada por um embate de diálogos ásperos e rancorosos, a trama passa a girar em torno de uma tragédia ocorrida no tempo em que eles eram garotos, num episódio que transformou de maneira profunda a vida de todos. Impactante, severo e remissível, “Redemoinho” ainda marcou a proeminente estreia de José Luiz Villamarim em projetos cinematográficos. Em 2016, o diretor esteve à frente de projetos igualmente ousados como “Justiça” e “Nada Será Como Antes”, duas das mais elogiadas minisséries da TV Globo.

"Redemoinho" (2016) de José Luiz Villamarim - Bananeira Filmes [br] | Globo Filmes [br]

2º. LUGAR: “MARTÍRIO”

(Martírio, Brasil, 2016) - de Vincent Carelli, Tatiana Almeida e Ernesto de Carvalho

Data da Estreia: 13 de abril de 2017

Arrojado, impressionante e poderoso, “Martírio” coloca em evidência todo o transtorno ético e moral que paira sobre as inúmeras decisões arbitrárias que tentam mascarar o nosso clarividente estado de exceção; situação essa que ainda provoca o descomunal retrocesso estabelecido pelas dissuasivas políticas de demarcação de terras. O documentário causa revolta e indignação ao escancarar o lacerante e impiedoso tratamento que o governo brasileiro destina às populações indígenas, focando sobretudo na imposição de sua força abusiva e desproporcional ao perseguir, de maneira implacável, uma comunidade Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul.

O principal objetivo do antropólogo e diretor Vincent Carelli foi comprovar, através do peso e do vigor de suas imagens, a crueza de um genocídio brutal que reflete o nítido conflito de interesses responsável por derramar sangue em terras ditas sagradas, mas que nunca fora tratado como uma tragédia anunciada. O próprio título do filme já traduz os sentimentos de angústia e padecimento que conduziram o espírito de resistência de um povo torturado ao longo de séculos, provando que a história de violência e extermínio contra eles é infinda e tem origens tão antigas quanto a sua luta para sobreviver.

“Martírio” venceu o Prêmio de Melhor Filme do Júri Popular e o Prêmio Especial do Júri do 49° Festival de Brasília, configurando, assim, um momento oportuno para endereçarmos mais um recado às autoridades amparadas pelo discurso da grande mídia e sustentadas pelo domínio do agronegócio. As discussões propostas pelo longa são urgentes e merecem a atenção de cada indivíduo, pois são capazes de dar voz e assertar uma condição circunstancial para a formação ou a evolução da nossa consciência crítica. É fundamental que tenhamos contato com obras impactantes e significativas como essa, pois são elas que destacam a importância do cinema como uma das maiores ferramentas de construção da sociedade.

"Martírio" (2016) de Vincent Carelli, Tatiana Almeida e Ernesto de Carvalho - Vídeo nas Aldeias [br] | Papo Amarelo [br]

1º. LUGAR: “A CIDADE ONDE ENVELHEÇO”

(A Cidade Onde Envelheço, Brasil | Portugal, 2016) - de Marília Rocha

Data da Estreia: 9 de fevereiro de 2017

“De onde venho, meu velho, para onde vou? ...” O tempo possui um tino implacável para tudo aquilo que é fugaz e transitório. Tal qual o poeta mineiro Paulo Mendes Campos escrevia para o amigo Otto Lara Resende quando deixava o seu amado estado natal rumo ao Rio de Janeiro, somos levados a aproveitar os nossos ínfimos fragmentos de vida como se estivéssemos saboreando um pequeno fruto agridoce ou relaxando com os poucos tragos que um único cigarro pode oferecer. Nessa arrevesada lógica, todos nós fazemos parte de uma crônica aflita sobre o impacto de ser estrangeiro em qualquer lugar.

Grande vencedor da 49ª edição do Festival de Brasília, realizado em 2016, “A Cidade Onde Envelheço” marca a estreia da proeminente cineasta Marília Rocha na condução de um longa-metragem de ficção. Recheado de nostalgia e sensibilidade, o filme não busca explicar o sentido de tudo aquilo que é efêmero, mas tenta ressignificar o complexo conceito da liberdade ao acompanhar a rotina de Francisca (Francisca Manuel), uma jovem portuguesa que vive há quase um ano em Belo Horizonte e que está prestes a receber Teresa (Elizabete Francisca), uma antiga conhecida com quem perdeu o contato desde quando decidiu sair de Lisboa.

Afetuosa e inspiradora, a narrativa se inclina para os eventos corriqueiros das duas emigrantes e a relação de ambas com a cidade. Entre alegrias e decepções, risos e alguns soluços engasgados na garganta, podemos observar uma verdadeira amizade se consolidando. Entretanto, sabemos que a melancolia é o único mal irremediável, afinal, conseguimos lidar muito bem com o choque de realidade e as particularidades de viver em um país desconhecido, mas desmoronamos quando nos pegamos com saudades de casa. Aqui, o dilema do existir sempre pairará sobre a decisão de criar raízes e sobre a escolha do lugar onde queremos envelhecer.

"A Cidade Onde Envelheço" (2016) de Marília Rocha - Anavilhana Filmes [br] | Terratreme Filmes [pt]

Para finalizar, é importante ressaltar que uma lista com apenas dez títulos é muito pequena frente ao grande número de produções de qualidade que foram lançadas ao longo deste ano; filmes que sempre nos fazem querer descobrir um pouco mais sobre os tipos cinema que são feitos na nossa própria casa. Dessa forma, resolvemos incluir, no final deste artigo, uma pequena relação de trabalhos que também se encaixam em algumas categorias que julgamos importantes. Confira:

Também mereceram destaque este ano: “A Família Dionti” (2015) de Alan Minas; “Mais do que eu possa me Reconhecer” (2015) de Allan Ribeiro; “Antes o Tempo não Acabava” (2016) de Sergio Andrade e Fábio Baldo; “Rifle” (2016) de Davi Pretto; “Como Nossos Pais” (2017) de Laís Bodanzky; e “Joaquim” (2017) de Marcelo Gomes.

Não vimos e nem veremos: “Internet: O Filme” (2017) de Filippo Capuzzi Lapietra.

Ainda faltam ser conferidos: “Clarisse ou Alguma Coisa sobre Nós Dois” (2015) de Petrus Cariry; “Animal Político” (2016) de Tião; “Divinas Divas” (2016) de Leandra Leal; “As Duas Irenes” (2017) de Fabio Meira; “Um Filme de Cinema” (2017) de Walter Carvalho; e “Vazante” (2017) de Daniela Thomas.

Podem obter grande destaque em 2018: “Arábia” (2017) de Affonso Uchoa e João Dumans; “Baronesa" (2017) de Juliana Antunes; “Unicórnio” (2017) de Eduardo Nunes; “Ferrugem” (2018) de Aly Muritiba; “O Grande Circo Místico” (2018) de Carlos Diegues; e “Marighella” (2018) de Wagner Moura.

Maior expectativa para 2018: “As Boas Maneiras” (2017) de Juliana Rojas e Marco Dutra.

(*) Lembrando que críticas, apontamentos de injustiças ou esquecimentos podem ser expressos nos comentários... ;-)

(**) Também não descartaremos os elogios! :-D

Confira também as listas com “Os Dez Melhores Filmes Nacionais” elaboradas pelo Rotina Cinematográfica em anos anteriores:


Meu maior desejo é de que 2018 nos presentei com filmes tão espetaculares quanto os desta temporada! E nunca se esqueçam de valorizar o nosso produto...

VIVA SEMPRE O CINEMA NACIONAL!

Um comentário:

  1. Os Dez Melhores Filmes Nacionais são geniais! Eu amo filmes de ação e comédia! Eu gosto muito deste tipo de filmes, eles sempre chamam minha atenção por causa da história muito divertida. Atualmente meu favorito é Apenas O Comeco é muito divertido e eu considero um bom filme para ser visto em qualquer sábado, garantindo diversão para o espectador. Eu acho que o roteiro deste filme foi muito criativo e foi uma peça chave do sucesso que teve.

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