sábado, 2 de dezembro de 2017

20 Filmes que completam 20 Anos em 2017 | Parte III

Uma jornada emotiva e fantasiosa que jamais abdica da seriedade para expor as dolorosas consequências do Holocausto; um relato autêntico e fascinante sobre pessoas que ingressam de maneira ambiciosa no luxurioso ramo da indústria pornográfica; uma apaixonante história que capta a verdadeira essência dos inocentes dilemas infantis através da relação de companheirismo entre dois irmãos; um ousado e eletrizante filme de ação que acabou se tornando febres dentro das videolocadoras brasileiras por alguns meses após seu lançamento; e o perverso e obscuro drama que aborda de maneira perigosa o uso da violência desproporcional e o caráter inescrupuloso da misoginia.

Continuem acompanhando a retrospectiva especial que o Rotina Cinematográfica vem realizando ao longo destes últimos dias. Nessa terceira parte, apresentamos mais cinco importantes trabalhos produzidos e lançados no não tão longínquo ano de 1997. Filmes essenciais que tentam manter o fôlego e a vigorosidade completando os seus 20 anos em 2017 e que – se ainda não estão – já deveriam estar nas estantes (ou nos HDs) de qualquer cinéfilo.

A Vida é Bela (La Vita è Bella, Itália, 1997)

Direção: Roberto Benigni

Longe de ser unanimidade, “A Vida é Bela” se configura como uma experiência sensorial intensa de extrema relevância dentro da história recente do cinema mundial. O quanto de beleza persiste em cada revisão depende da singular relação de afetividade que os espectadores possuem com a obra. Há quem não consiga conter as lágrimas mergulhando nos dramas vividos pelas personagens; há também aqueles que criam uma barreira de intolerância diante do trabalho do diretor e protagonista Roberto Benigni, um elemento negativador que sempre ganha força e importância na contramão dessa jornada emotiva. Seja farsesca, pessimista ou açucarada demais, sua carismática narrativa se garante com uma essência popular e duradoura.

Caminhando por uma linha fantasiosa sem jamais abdicar da seriedade, o longa aborda com sutileza os momentos cruciais que antecederam a eclosão da Segunda Guerra Mundial e vai ao encontro de Guido Orefice (Benigni), um humilde contabilista judeu que faz de tudo para conquistar o coração de Dora (Nicoletta Braschi), uma jovem comprometida com um burocrata fascista. Posteriormente, nos transformamos em testemunhas fiéis da cumplicidade que acabou aproximando os dois, bem como o casamento e o nascimento de Giosué (Giorgio Cantarini), adorável fruto dessa união. A família vivia feliz até ser surpreendida pelas forças de ocupação alemãs, momento em que oficiais surgem para enviá-los a um campo de concentração.

Para proteger o filho da crueldade e dos perigos torturantes do Holocausto, Guido usa a imaginação e se esforça para fazer com que Giosué acredite que tudo não passa de um grande jogo onde os nazistas são apenas juízes garantindo o cumprimento das regras. O objetivo é que cada competidor some o maior número de pontos desempenhando uma série de competências, dentre as quais estão a habilidade para se manter calado e o talento para permanecer escondido pelo maior tempo possível. Como recompensa, o vencedor levará um belo tanque blindado para a casa.

Lançado em dezembro de 1997 na Itália, “A Vida é Bela” enfrentou dificuldades para se inscrever em alguns dos principais festivais do mundo como, por exemplo, o Globo de Ouro. Entretanto, o filme venceu o Prêmio Especial do Júri e foi nomeado à Palma de Ouro em Cannes no ano seguinte; além de ter uma estreia comercial tardia nos Estados Unidos, possibilitando a sua indicação ao Oscar na edição de 1999. Na ocasião, venceu nas categorias de Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Ator para Roberto Benigni.

"La Vita è Bella" (1997) de Roberto Benigni - Melampo Cinematografica [it] | Cecchi Gori Group Tiger Cinematografica [it]

Boogie Nights: Prazer sem Limites (Boogie Nights, Estados Unidos, 1997)

Direção: Paul Thomas Anderson

Gostar de prazeres “puramente simples” como passar manteiga no traseiro ou colocar pirulitos na boca podem representar preferências ora inocentes, ora pitorescas para aqueles que veem no sexo a sua mais distinta forma de expressão. Medido por uma autenticidade criteriosa que procura sempre se esquivar dos subterfúgios pautados pela futilidade, “Boogie Nights: Prazer sem Limites” se destaca pela coragem de um jovem cineasta – à época com 27 anos de idade – que estava lançando apenas o seu segundo longa-metragem. Desferindo um olhar crítico, instigante e perturbador por cima dos bastidores da indústria pornográfica, Paul Thomas Anderson faz um relato fascinante sobre pessoas que ingressam de maneira ambiciosa neste ramo luxurioso. Trata-se, literalmente, de um filme com culhões.

Ambientado na ardente e lasciva Califórnia dos anos 70, a trama é conduzida pelo comportamento excêntrico e temperamental do veterano diretor Jack Horner (Burt Reynolds) que, sempre atento aos novos talentos que venham a surgir no mercado de entretenimento adulto, entra em contato com Eddie Adams (Mark Wahlberg) a fim de transformá-lo no novo astro de suas produções. Atraente, simpático e voluptuoso, o rapaz se mostra sexualmente inseguro no início das filmagens, mas a alta concentração de hormônios e a substancial ajuda de uma avantajada e peculiar ferramenta de trabalho contribuem de forma direta na sua meteórica ascensão no meio.

Dentro dos limites estabelecidos pela subcultura libertina deste tipo de cinema, Eddie acaba se tornando uma celebridade instantânea e passa a adotar o nome de Dirk Diggler. Rapidamente, ele descobre os caminhos mais curtos para alcançar o definitivo estrelato, bem como a inquietude provocada por uma diversão genérica, permissível e contumaz. A súbita fama pode cobrar um preço bastante elevado, trazendo a prostituição, o consumo abusivo de drogas e a violência em suas mais variadas escalas como as principais consequências de uma aventura sustentada pela fugacidade. Desejo, necessidade, vontade e loucura – o monstruoso passo a passo de um deleitável infortúnio.

Contando ainda com o talento proeminente de artistas como Julianne Moore, John C. Reilly e Philip Seymour Hoffman – que ao longo dos anos seriam constantes colaboradores de Paul Thomas Anderson – o projeto conquista o público por sua excelência e originalidade. O roteiro é brilhante, convincente e poderoso, com diálogos afiados e elementos narrativos únicos que demonstram ampla sinceridade no contexto que pretende apresentar. Não há como não se sentir excitado, afinal “Boogie Nights: Prazer sem Limites” também representa um ataque certeiro ao conservadorismo ocidental.

"Boogie Nights" (1997) de Paul Thomas Anderson - New Line Cinema [us]
Lawrence Gordon Productions [us] | Ghoulardi Film Company [us]

Filhos do Paraíso (Bacheha-Ye Aseman, Irã, 1997)

Direção: Majid Majidi

Admirar a simplicidade do cinema iraniano e a sua assombrosa competência em produzir trabalhos únicos e tão maravilhosos sempre nos trouxeram uma sensação de ligeiro reconforto. “Filhos do Paraíso” é um belo exemplo disso, pois capta a verdadeira essência dos inocentes dilemas infantis ao contar, de forma apaixonante e singela, a relação de cumplicidade e devoção entre dois irmãos. Com atuações marcantes dos atores mirins e uma direção discreta, porém poderosa, o título surgiu como forte candidato em uma das disputas mais acirradas da história na busca pelo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (correndo por fora no confronto direto frente aos favoritos “A Vida é Bela” e “Central do Brasil”).

Beneficiada pela elegância irretocável do cineasta Majid Majidi, a composição poética do argumento reflete com sutileza a profunda condição de pobreza que domina os subúrbios de Teerã, mas transfere o seu principal foco narrativo para uma situação cotidiana circunstancial que sustenta com excelência a base de uma obra de arte extremamente realista e sincera. Enquanto voltava da escola para a casa, Ali (Amir Farrokh Hashemian), um garoto de nove anos, acaba perdendo os sapatinhos recém-consertados de sua irmã, Zahra (Bahare Seddiqi). Filhos de uma família humilde, os dois têm a plena consciência de que os pais não terão dinheiro suficiente para comprar um outro par.

Diante desse incômodo acontecimento, as crianças resolvem não contar nada sobre o ocorrido e elaboram um plano engenhoso – e ligeiramente desastrado – para compartilhar o único calçado que lhes resta ao longo dos próximos dias. Enquanto Zahra usa os sapatos para ir às aulas de manhã, Ali os utiliza no período da tarde, passando por uma série de desventuras tentando encontrar a pessoa que ocasionalmente tenha tomado posse daquela velha peça remendada. Quando se esgotam as alternativas, ele ainda vislumbra uma nova chance de conseguir colocar um ponto final no já fatigante revezamento e decidindo participar de uma pequena maratona contra outros meninos de sua idade, no qual um dos prêmios mais importantes é um novo par de tênis.

A emocionante sequência da corrida é uma legítima epopeia da dignidade humana. Além disso, as representações da agonia e do desespero durante e após a prova são extraordinariamente inspiradoras e memoráveis, ficando impossível para o espectador segurar o choro ao testemunhar uma ansiedade (des)controlada no sofrido semblante de Ali; bem como ao absorver alguns dos ensinamentos que abalam as estruturas do nosso lado mais fraternal e sensível.

"Bacheha-Ye Aseman" (1997) de Majid Majidi - The Institute for the Intellectual Development of Children & Young Adults

A Outra Face (Face/Off, Estados Unidos, 1997)

Direção: John Woo

Puxando pela memória, é curioso lembrar o quanto foi difícil assistir “A Outra Face” logo após o mesmo ter saído de cartaz, pois o título havia se tornado uma das maiores febres entre os sócios de videolocadoras do país por alguns meses. Muitos comentavam sobre a autenticidade de um roteiro bem estruturado composto por uma atmosfera sombria e guiado por um ritmo insano e completamente acelerado; ousadia assaz incomum para qualquer grande filme de ação da época. Certamente não estávamos diante de uma típica aventura explosiva, afinal ela ainda se comportava como um eletrizante e sedutor drama psicológico.

Ao longo de seis anos, Sean Archer (John Travolta) viveu amargurado e extremamente infeliz por conta da morte prematura do filho. Ele é um inflexível, obstinado e respeitado agente do FBI que está monitorando os passos de Castor Troy (Nicolas Cage), um temido terrorista procurado pela justiça que vem projetando um ataque à bomba contra a cidade de Los Angeles. Durante uma arrojada fuga de avião, o criminoso chega a ser encurralado pelos investigadores, mas fica gravemente ferido após sofrer um terrível acidente que acaba o deixando em estado de coma profundo.

Determinado a descobrir a sequência dos fatos que desencadearão este plano ameaçador, Sean terá que se manter no encalço de Pollux (Alessandro Nivola), irmão mais novo de Troy e única pessoa capaz fornecer as coordenadas exatas do atentado. Para isso, ele precisa ser submetido a uma cirurgia de transplante facial para assumir não só a identidade, mas a aparência física de Castor. O problema é que, desperto da letargia, o psicopata também passa a encarnar o seu perseguidor; e, como se não bastasse, Troy é o principal responsável pela antiga dor que atormenta Archer, que agora já não separa mais o que é trabalho e o que é vingança pessoal.

A trama de “A Outra Face” não é tão desafiadora quanto parece, mas é extraordinariamente elegante. Ela não funcionaria tão bem se não fossem as mãos do diretor John Woo que, depois de construir uma carreira sólida no cinema em Hong Kong, vinha de duas pequenas decepções em Hollywood. Mas não demorou muito para que ele aperfeiçoasse seu compasso alucinado dentro da linha de produção ocidental e, com o apoio de uma espantosa tecnologia, conseguisse criar um dos thrillers mais envolventes da década de 90; segredo que o levou a dirigir a primeira sequência de “Missão: Impossível” três anos depois.

"Face/Off" (1997) de John Woo - Permut Presentations [us] | Touchstone Pictures [us]
Paramount Pictures [us] | Douglas/Reuther Productions | WCG Entertainment Productions

Na Companhia de Homens (In the Company of Men, Canadá | Estados Unidos, 1997)

Direção: Neil LaBute

“Vamos machucar alguém...” Segundo o dramaturgo e roteirista estadunidense Neil LaBute, foi com essa aterradora frase que ele começou a puxar o carcomido fio condutor para a composição da peça “Na Companhia de Homens”, escrita em 1992 e adaptada do palco para as telas cinco anos depois. Perverso e obscuro, o texto aborda de maneira interessante o uso da violência desproporcional que define o caráter expurgante e irresoluto da misoginia, bem como a sua sobreposição em relação ao machismo. É o próprio LaBute quem conduz a arrojada direção do longa – trabalho que ainda marcou a sua promissora estreia como cineasta.

Chad (Aaron Eckhart) e Howard (Matt Malloy) são executivos bem-sucedidos que estão em uma habitual viagem de negócios. Relativamente distantes da sufocante rotina do mundo corporativo, os colegas conseguem encontrar tempo para conversar sobre as suas recentes decepções amorosas. Enquanto um deles sofre por enfrentar um doloroso processo de fim de relacionamento, o outro declara abertamente o desprezo, a repulsa e o ódio que nutre pelas pessoas do sexo oposto. A troca de experiências acaba despertando o espírito vingativo desses homens que, partindo de imponderações, passam a planejar um jogo cruel e egoísta que irá lesar uma vítima completamente vulnerável.

O conluio arquitetado pelos dois tem como objetivo seduzir, conquistar e abandonar a mesma mulher, de preferência aquela que seja mais inocente, para que assim tenham a chance de arruinar para sempre a vida de uma semelhante. De maneira ocasional, eles optam por escolher Christine (Stacy Edwards), uma das secretárias da empresa que também está participando da convenção. O que provoca mais choque é o fato da jovem ser surda e muda desde a infância e estar piamente excitada e lisonjeada por ter dois companheiros de profissão a cortejando. Tal inescrupulosidade irá se desenrolar para um embate psicológico sem precedentes.

Absurdamente polêmica, a corajosa narrativa da trama jamais tenta se afastar da realidade, mas se arrisca ao envolver o público como partícipe desse embuste covarde, sempre sustentada por diálogos inteligentes e hipnóticos – e aqui cabe até mesmo uma não recomendação. É necessário que o espectador tome cuidado e que esteja afiado com o seu senso crítico pois, em alguns momentos, as situações que são apresentadas diante dos nossos olhos não parecem ser passíveis de interpretação, tornando “Na Companhia de Homens” um filme excessivamente perigoso. O ser humano possui uma índole sacana e pode muito bem sair pelas ruas fazendo bobagens.

"In the Company of Men" (1997) de Neil LaBute
Alliance Atlantis Communications [ca] | Fair and Square Productions [us]

Para conhecer ou relembrar os filmes apresentados anteriormente na nossa retrospectiva, basta acompanhar os artigos navegando pela nossa página ou clicando nos links correspondentes, que seguem logo abaixo:

PARTE I                PARTE II

E não deixem de conferir a conclusão de mais uma revisão cinematográfica na próxima semana. Listaremos os últimos cinco filmes na Parte IV prometendo revelar mais algumas incríveis produções!


Até lá...

Nenhum comentário:

Postar um comentário