(Temporada,
Brasil, 2018). Dirigido e roteirizado por André Novais Oliveira. Elenco: Grace
Passô, Russo Apr, Juliana Abreu, Hélio Ricardo, Rejane Faria, Renato Novaes,
Maria José Novais Oliveira, Norberto Novais Oliveira)
Parece ser só
um começo, mas, como parte do cauteloso processo de reorganização do ambiente
crítico do Rotina Cinematográfica, decidi promover o resgate imediato da
coluna “Identidade Nacional” com esta nova publicação. Ao colocar os
seus futuros artigos entre as maiores prioridades editoriais do blog, entendo
que essa sessão volte não só para enaltecer toda a riqueza produzida ao longo
da extensa e respeitável História do Cinema Brasileiro, mas também reapareça
como mais uma das excelentes formas de valorizar algumas das produções contemporâneas
de maior destaque em festivais nacionais e internacionais que, em raras
ocasiões, conseguem triunfar frente a competitividade do mercado exibidor e que
alcançam o famigerado circuito comercial, mesmo estando presentes em tão poucas
salas. Como sempre prego, os filmes precisam ser divulgados para mais e mais pessoas,
conquistando assim maior espaço nas telas; e nada melhor do que marcar esse
retorno com um dos lançamentos mais importantes do ano.
Grande
vencedor da última edição do prestigiado Festival de Brasília, “Temporada” tem a sua estreia marcada
para esta quinta-feira em salas de cinema espalhadas por mais de vinte cidades
do país. Premiado com cinco Troféus Candango (melhor filme, atriz, ator
coadjuvante, fotografia e direção de arte), o longa dirigido pelo mineiro André
Novais Oliveira transparece empatia e muita verdade ao abrandar as amarras do
cotidiano que moldam a nossa intrínseca e conflituosa relação com o espaço
urbano. Associados diretamente à busca pela identidade, conceitos amplamente
discutidos na geografia ou na sociologia como o lugar e o não-lugar estão em
constante modificação, ganhando novos significados à medida em que se misturam
desordenadamente. Consequentemente, eles também passam a ser registrados pelas
lentes de jovens cineastas que vêm adquirindo personalidade ao longo dos anos e
que já têm voz para mostrar ao mundo que o cinema feito no subúrbio é honesto,
sensível e aborda a diversidade em todas as suas reflexões.
"Temporada" (2018) de André Novais Oliveira - Filmes de Plástico [br] |
De maneira inquieta e ao mesmo reconfortante, acompanhamos as jornadas de lutas e transformações diárias vividas por Juliana (Grace Passô), uma mulher humilde que se muda de Itaúna, cidade do interior do estado de Minas Gerais, para a periferia de Contagem, localizada na região metropolitana de Belo Horizonte. Ela acaba de ser aprovada em um concurso para trabalhar como agente pública de saúde no setor de combate a endemias do município. A mudança é profunda e dolorosa, afinal Juliana deixou toda uma realidade para trás e tenta se adaptar à sua atual rotina enquanto espera o marido resolver algumas pendências para que voltem a morar juntos em um novo lar.
Entre tantas
dificuldades que constantemente nos mostram o quanto é duro sobreviver – ou que
simplesmente nos deixam claro que se acomodar no conformismo do destino nunca é
a melhor saída – a protagonista resiste à morosidade do dia a dia e tenta se
esquecer da solidão visitando cada uma das casas de sua área de cobertura –
sempre na incessante busca por algum foco de dengue. Com o tempo, Juliana acaba
criando novos laços afetivos e o relacionamento interpessoal com os membros de
sua equipe é construído de modo bastante harmonioso, sobretudo com o divertido
e simpático Russão (Russo Apr), seu melhor amigo.
A verdade é
que a velha máxima do “tudo se ajeita” acaba prevalecendo, mesmo na mais
caótica das situações. Juliana se firma, se habitua e se abre para novas
experiências. Mesmo com o dinheiro curto no final de cada mês, ela consegue aproveitar
da melhor maneira possível os momentos de descanso e lazer com os novos colegas,
muito embora, condicionada ao presente, ainda lhe sobre tempo para refletir
sobre antigos dramas familiares e para tentar superar aterradores fantasmas do
passado. Nessa eterna constante, percebemos novamente o quão torturante é lidar
com os problemas pessoais e como acontecimentos repentinos podem conturbar a
fadada sorte de alguém, deixando o seu mundo completamente virado de cabeça
para baixo – mesmo que saibamos que o melhor a se fazer é deixar tudo (ou quase
tudo) para trás.
Grace Passô, Russo Apr e Hélio Ricardo em "Temporada" (2018) de André Novais Oliveira - Filmes de Plástico [br] |
Crescer,
constituir e integrar...
O equilíbrio
das ações e as tomadas de decisão de Juliana e das demais personagens do filme
podem ser notadas sempre que o ritmo lento e intimista da narrativa e da
própria câmera de André Novais Oliveira passam a ser carregados pela força e
naturalidade dos seus diálogos. Herdando a benevolência e as particularidades
presentes em seu longa-metragem anterior – “Ela Volta na Quinta” (2015) – o
diretor amplia seus horizontes e, mais uma vez, entrega para o público um
trabalho notável, carregado de singeleza e familiaridades.
As
singularidades que estão por trás da realização de um projeto como “Temporada” podem ser definidas como uma
tocante crônica social sobre a vida e as suas possibilidades, um estudo
sensível sobre como a cordialidade e a urbanidade são capazes de preencher os
territórios mais inóspitos das grandes cidades. As paisagens são mutáveis e podem
ser diretamente afetadas pelos sentimentos da angústia e do medo, e alteradas
de forma contínua por interioridades e até mesmo por marginalizações, todas elas
abarcadas pelo nosso simples e eterno desejo de pertencimento, pela nossa infinda
vontade de se sentir aceito ou de estar inserido em algum lugar.
Ao longo da
última semana, algumas capitais do país tiveram sessões de pré-estreias
seguidas de debates com integrantes da equipe de produção e parte do elenco,
evidenciando ainda mais a necessidade da apresentação, divulgação e manutenção
do longa pelo maior número de semanas possível nas salas em que estiver sendo
projetado. O filme também terá uma exibição especial no próximo sábado, dia 19,
às 20:00, durante a 22ª Mostra de Tiradentes, edição na qual a atriz Grace
Passô é a grande homenageada.
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