quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Feito no Brasil | Os Dez Melhores Filmes Nacionais de 2016

Durante essa semana, 2016 entra em sua reta final. Esse é o período no qual começam a pipocar pelas redes sociais – e pela rede em geral – vários artigos e listas que elegem os melhores filmes do ano. Pegando carona nessa tradição, chegou o momento de também destacarmos aqueles trabalhos que mais nos chamaram a atenção ao longo da temporada, revelando aos leitores quais foram os nossos favoritos e quais foram aqueles que mais nos encantaram; títulos que já podem até ser colocados em listas pessoais de melhores de todos os tempos (nós mesmos, já incluímos alguns na nossa). Informamos que a nossa relação anual ainda está em processo de elaboração e faremos todo o possível para divulga-la até sexta-feira. Contando com aquelas famosas “injustiças pontuais”, tentaremos não decepcionar ninguém ao apresentar Os Dez Melhores Filmes do Ano, segundo a nossa visão.

Enquanto isso não acontece, o Rotina Cinemeira volta com mais uma proposta diferente, que já se configura como uma das marcas mais emblemáticas desse espaço e comumente não chegam a ser executadas por outros blogs e sites de entretenimento. Destacaremos e indicaremos aqui as dez melhores produções nacionais de 2016, longas espetaculares e inventivos que colocam o Brasil entre os grandes mercados cinematográficos do planeta.

Quem nos segue desde o início sabe que sempre procuramos reservar um grande espaço para as produções nacionais, promovendo muitas das fantásticas obras que foram lançados recentemente e que, por algum motivo, não obtiveram o reconhecimento que merecem. Nossa preocupação é manifesta e legítima, afinal muitos desses filmes estrearam em pouquíssimas salas, sendo basicamente reduzidas ao circuito cultural Rio-SP. No nosso caso, a maioria das sessões que acompanhamos ficaram restritas à festivais e mostras especiais realizadas ao longo dos últimos anos em Belo Horizonte. Dessa forma, fica ainda mais evidente a importância de divulgarmos uma lista como esta, pois acreditamos que esses valorosos projetos merecem o mesmo espaço – ou até mesmo um destaque maior – do que as demais produções rodadas ao redor do mundo. Valorizar o Cinema Brasileiro é FUNDAMENTAL!

Este ano ainda conta com uma peculiaridade: como todos os dez filmes selecionados são ficções, resolvemos indicar três fabulosos documentários lançados durante esses últimos doze meses: “Cinema Novo” (2016) de Eryk Rocha, um ensaio poético que se aprofunda pelo movimento de cinema mais relevantente do país; “A Loucura entre Nós” (2016) de Fernanda Fontes Vareille, que questiona os limites de nossa própria sanidade ao registrar o cotidiano angustiante de um hospital psiquiátrico;  e “Martírio” (2016) de Vincent Carelli (o filme que mais nos impressionou nos últimos tempos), um trabalho poderoso que causa revolta e indignação ao escancarar o lacerante e impiedoso tratamento que o governo destina às comunidades indíginas. Devido a extensa duração, este último dificilmente estreará no circuto comercial, mas as discussões propostas por ele são mais do que urgentes e merece a atenção de cada brasileiro. É importante corrermos atrás de obras impactantes e significativas como essas, pois são elas que destacam a importância do cinema como uma das principais ferramentas de construção da sociedade.

Lembramos que o critério escolhido para estabelecer os títulos que integram a lista final se restringe apenas aos filmes que estrearam em 2016 nas salas de cinema do país através do circuito comercial, ou aqueles lançados diretamente em Home Video ou VOD.

A relação não é longa, mas os comentários a respeito de cada um dos filmes eleitos acabaram se estendendo um pouco mais do que o esperado. Então, sem mais protelações, vamos à Lista com Os Dez Melhores Filmes Nacionais de 2016 (em ordem decrescente):

10º. LUGAR: “A VIZINHANÇA DO TIGRE”

(A Vizinhança do Tigre, Brasil, 2016) - de Affonso Uchoa

Data da Estreia: 18 de fevereiro de 2016

Categórico e poderoso, o cinema de resistência sempre trabalha em prol da construção de uma identidade social cada vez mais digna, combatendo com precisão qualquer tipo de hostilidade, preconceito ou repressão vindas – geralmente – daqueles que deveriam ser os principais responsáveis pelo zelo e pelo tratamento igualitário de todas as comunidades. Exemplo indômito e pulsante deste tipo de registro, “A Vizinhança do Tigre” caminha sobre uma linha tênue e mordaz que suplanta o ideário da desordem política, dando voz ativa para a periferia. Pautado por uma narrativa extremamente original, que segue o percurso da vida real pontualmente marcado por momentos de pura inventividade, o filme é sustentado pela proposta de abolir as fronteiras entre o documentário e a ficção, trazendo para o público uma das mais intensas reflexões feitas pelo cinema nacional nos últimos anos.

Angustiada, porém corajosa, a câmera conduzida pelo diretor mineiro Affonso Uchoa acompanha a vida de jovens moradores do bairro Nacional, localizado na cercania suburbana do município de Contagem. Durante todo o tempo, observamos as marcas que a vida acaba imprimindo nos destinos de Neguinho (Wenderson dos Santos), Juninho (Aristides de Souza), Menor (Maurício Chagas), Adílson (Adílson Cordeiro) e Eldo (Eldo Rodrigues). As intimidades de cada um dos adolescentes são nitidamente marcadas pela revolta e pela violência, mas sempre deixam uma porta aberta para a esperança. Em face da diversão corriqueira e divididos por obrigações cominadas pela iminência da vida adulta, cada um deles deve encontrar as melhores saídas para superarem todas as dificuldades “domando o tigre que carregam dentro de suas veias”. O impacto da metáfora é, inclusive, o que dá a tônica desse já importante clássico contemporâneo.

“A Vizinhança do Tigre” é o reflexo de um trabalho consciente e honesto que evidencia a extraordinária colaboração entre um elenco formidável e uma equipe de produção extremamente competente. Em muitos momentos, não sabemos aonde termina o trabalho de Uchoa e começa o dos garotos; qualidade bastante positiva. Grande exemplo de criação coletiva, o longa ressoa como uma obra sufocante que clama por urgência, mesmo que todos demorem algum tempo para digerir e decifrar várias das suas mensagens.

"A Vizinhança do Tigre" (2016) de Affonso Uchoa - Katásia Filmes [br]

9º. LUGAR: “BOI NEON”

(Boi Neon, Brasil | Uruguai | Holanda, 2015) - de Gabriel Mascaro

Data da Estreia: 14 de janeiro de 2016

Filme que certamente alimentava uma das maiores expectativas para 2016, muito por conta de suas múltiplas premiações em festivais internacionais, “Boi Neon” estreou nos cinemas logo nas primeiras semanas do ano e não decepcionou. Vencedor do prêmio especial do Júri na “Mostra Horizontes” em Veneza, o segundo longa-metragem de ficção escrito e dirigido pelo pernambucano Gabriel Mascaro já se configura como um dos trabalhos mais relevantes da década, tornando ainda mais poderoso o cardápio cultural da recente filmografia brasileira.

Conduzida por um argumento que valoriza longas tomadas de beleza contemplativa, repletas de nuances que emanam desejos e transpiram sexualidade, a trama pega carona pelas estradas e pelos sonhos empoeirados de Iremar (Juliano Cazarré), jovem que faz parte de um grupo de vaqueiros que viajam pelo nordeste brasileiro na carroceria de um caminhão e trabalham nos bastidores das tradicionais vaquejadas. O grupo é responsável por transportar os bois para os eventos, bem como por preparar cada um dos animais antes que sejam soltos nas arenas de rodeio onde são realizados os espetáculos.

Competente, determinada e ousada, Galega (Maeve Jinkings) é a motorista e principal responsável pelos cuidados com o caminhão, que também funciona como casa improvisada para ela, para seus colegas de trabalho e para sua filha, Cacá (Alyne Santana). Construindo fortes laços de amizade com todos, sempre dispostos em uma intimidade acolhedora e semelhantemente familiar, a garota insiste em dividir a boleia com a mãe, mesmo sendo constantemente cobrada por Galega para ir morar na cidade com os avós e construir uma infância mais venturosa.

Road movie poético e fortuitamente silencioso, “Boi Neon” nada mais é do que a trajetória errante das suas personagens por uma vida reiteradamente acomodada em um cotidiano sertanejo protocolar, mas que desmantelam qualquer tipo de convenção e nunca se distanciam de esperançadas quimeras. Iremar, por exemplo, enquanto permanece deitado em sua rede na traseira do caminhão, divaga entre rabiscos, lantejoulas e costuras de tecidos, imaginando um dia largar a sua amargurada condição de peão e se aventurar no mundo da moda, seguindo carreira de estilista.

"Boi Neon" (2015) de Gabriel Mascaro
Desvia Filmes [br] | Malbicho Cine [uy] | Viking Film [nl] | Canal Brasil [br] | Programa Ibermedia [es]

8º. LUGAR: “A FRENTE FRIA QUE A CHUVA TRAZ”

(A Frente Fria que a Chuva Traz, Brasil, 2015) - de Neville de Almeida

Data da Estreia: 28 de abril de 2016

Com visual atraente e título instigante, “A Frente Fria que a Chuva Traz” marca o sublime retorno de Neville de Almeida ao comando de uma câmera após permanecer quase vinte anos afastado de projetos cinematográficos. Desde “Navalha na Carne” (1997) não víamos a sua admirável inventividade transbordar pelas telas, mas agora temos a oportunidade de conferir o novo trabalho do polêmico diretor que, mais uma vez, aparece para incomodar e subverter o espectador, justamente por fugir do comodismo das entrelinhas.

Baseada na peça homônima do ator e dramaturgo Mário Bortolotto, a trama aborda o cotidiano de um grupo de jovens burgueses que aluga uma laje no Morro do Vidigal, no Rio de Janeiro, com o intuito de promover luxuosas festas embaladas pelo funk, apimentadas por brincadeiras libidinosas e movidas pelo consumo desenfreado de drogas lícitas e ilícitas. O filme nunca chega a ser moldado por metáforas e, de forma voraz, acaba registrando com crueza o vazio de uma geração deturpada pelo dinheiro, acostumada a ser regida por comportamentos artificiais e completamente dependente da famigerada masturbação de ego.

Não por acaso, é a descompensada Amsterdã (Bruna Linzmeyer) que se mostra a mais lúcida do grupo. O papel da desafortunada e ignóbil jovem, que se submete a qualquer tipo de humilhação para manter os vícios, se encaixa de forma impressionante ao explosivo ato final do longa, que arremata um discurso carregado de fúria e sordidez, apontando um dedo repleto de impugnações para a paradoxal realidade carioca, que já foi criticada anteriormente pelo próprio Neville em “Rio Babilônia” (1982). Vale lembrar que as escolhas estéticas que privilegiaram a superficialidade e a vulgaridade das ações ressaltam que o objetivo proposto pela narrativa foi plenamente alcançado.

Inflamado por um discurso pujante e despido de qualquer tipo de sociologia barata, Neville traz para a contemporaneidade contornos particularmente caóticos que algumas obras recentes precisam absorver. Abdicando das possibilidades de fazer qualquer tipo de concessão, ele ainda nos mostra que continua em absoluta forma, regressando ao admirável estilo marginal de se fazer cinema. De forma impactante, “ A Frente Fria que a Chuva Traz” acaba revelando tudo o que o cineasta considera mais escroto e repugnante na sociedade.

"A Frente Fria que a Chuva Traz" (2015) de Neville de Almeida - República Pureza Filmes [br]

7º. LUGAR: “CAMPO GRANDE”

(Campo Grande, Brasil | França, 2015) - de Sandra Kogut

Data da Estreia: 2 de junho de 2016

Certa manhã, Ygor, de oito anos, e Rayane, de seis, são deixados pela mãe em frente à portaria de um prédio de classe média alta de Ipanema. Aparentemente, o eventual imprevisto ocorre sem nenhuma explicação lógica, podendo ser decifrado apenas por um pedaço de papel encontrado com as crianças no qual estão anotados o nome e o endereço de Regina (Carla Ribas), dona de um dos apartamentos. Em nenhum momento, os irmãos deixam de acreditar que a mãe voltará para buscá-los, mas a angústia toma conta daqueles que, indiretamente, ficaram responsáveis pelos dois. Será que ela realmente vai regressar?

Uma das produções nacionais que mais despertaram interesse do público no último ano, “Campo Grande” narra com sensibilidade e rara inspiração um drama genuinamente urbano, colocando no centro das discussões temas como o abandono de menores e a conturbada relação entre pessoas de níveis sociais diferentes. O mergulho emocional do espectador pelo universo do filme é diretamente conectado pela inesperada e, por vezes, surreal presença das crianças no mundo de Regina, situação atípica que acaba transformando a sua vida profundamente.

Não há um porto seguro e nem um momento de respiro dos personagens. À medida em que uma série de perguntas não são respondidas, a busca incessante pela mãe das crianças se torna o único ponto de orientação para Regina, que toma a iniciativa de levar Ygor de volta para a casa, no bairro de Campo Grande. A partir deste momento, o choque cultural é reforçado pela transição entre os ambientes, momento crucial em que a cidade do Rio de Janeiro, com todas as suas contradições, também se transforma em uma personagem importante do filme.

Fica clara a impressionante capacidade que a diretora Sandra Kogut possui ao lidar com os seus pequenos protagonistas, capturando com precisão toda emoção transparecida pela inocência de uma criança; um benevolente jogo de cintura já observado em “Mutum” (2007), seu trabalho anterior. Ygor Manoel e Rayane do Amaral fazem as suas estreias como atores mirins e estão ótimos em cena, e a ideia de utilizar os seus próprios nomes para os personagens foi muito acertada, pois contribuiu para dar mais naturalidade às ações deste cativante longa-metragem.

"Campo Grande" (2015) de Sandra Kogut - Gloria Films [fr] | Tambellini Filmes [br]

6º. LUGAR: “BRASIL S/A”

(Brasil S/A, Brasil, 2014) - de Marcelo Pedroso

Data da Estreia: 11 de agosto de 2016

A ordem e o progresso soam paradoxais para nós brasileiros quando, costumeiramente, nos enxergamos ou nos posicionamos na periferia do mundo. Com humor ácido e silencioso que, por vezes, remete aos clássicos “Tempos Modernos” (1936) de Charles Chaplin ou “Playtime - Tempo de Diversão” (1967) de Jacques Tati, “Brasil S/A” é fruto de uma autorreflexão sobre o momento atual do país, evidenciando ainda a subalternidade e as contradições de uma modernização acelerada e descomedida. Ao privatizar a nossa nação já no título do filme, o diretor Marcelo Pedroso mostra como o Brasil vem passando por uma série de situações entorpecidas no campo desenvolvimentista ao longo dos últimos anos. As experiências acabam sendo resultado desse avanço desenfreado e redefinem as nossas estruturas sociais mais arcaicas.

Em mais de 500 anos de história, o Brasil teve no cultivo da cana-de-açúcar uma de suas principais forças econômicas. Edilson da Silva passou a maior parte de sua vida trabalhando como cortador de cana e, a partir do momento em que as máquinas surgem na sua vida, ele deixa o canavial rumo a uma missão interplanetária, explorando o espaço pela primeira vez – “Um pequeno passo para Edilson, um salto gigantesco para o Brasil”. Os ecos insólitos das imagens e dos sons alumiam o contrassenso da vida moderna e revelam a eterna vocação que o país possui de ser a predestinada nação do futuro. Em “Brasil S/A”, a evolução (ou involução?) sempre vai na contramão dos problemas sociais que já pareciam ser, histórica e naturalmente, determinados.

Vencedor das categorias de melhor roteiro e melhor direção pelo filme no Festival de Brasília em 2014, Marcelo Pedroso é um dos principais nomes do novo cinema pernambucano e possui um importante currículo como documentarista, onde podemos destacar relevantes e inventivos trabalhos como o longa “Pacific” e o média-metragem “Balsa”, ambos de 2009, além do curta “Câmara Escura” (2012).  Sempre abordando temas com forte teor social e político, ele ainda lançou em 2013 o aclamado e provocativo curta de ficção “Em Trânsito”. “Brasil S/A” é o seu primeiro longa ficcional, obra que consolida e determina uma carreira em franca ascensão.

"Brasil S/A" (2014) de Marcelo Pedroso - Símio Filmes [br]

5º. LUGAR: “MATE-ME POR FAVOR”

(Mate-me por Favor, Brasil | Argentina, 2015) - de Anita Rocha da Silveira

Data da Estreia: 15 de setembro de 2016

Longa-metragem de estreia da versátil diretora Anita Rocha da Silveira, “Mate-me por Favor” acompanha, de forma categórica e explosiva, a inquietante jornada emocional de quatro amigas que transitam da adolescência para a vida adulta, ficando marcadas por momentos repletos de anseios, conflitos e indagações. Carregados de estranhezas e complexidades, os dilemas da juventude acabam sendo trazuzidos por um sentimento de urgência, trazendo consigo o angustiante esvaziamento da vida e enxergando na morte a fascinante alternativa para uma sublime e obscura transformação.

Audacioso e sufocante, o filme é mais um belo e original exemplar do ascendente cinema de gênero, composto por uma série produções eficazes que aumentam a nossa capacidade de percepção enquanto espectador, valorizando o supesnse e elocubrando o prazer e o medo. Aqui, a contagiante proposta estilística aplicada à narrativa se mostra extremamente apurada, fazendo com que a trama absorva características particulares, escapando pela tangente de um naturalismo óbvio e forçado. Através de aparentes reviravoltas inverídicas, construídas por fabulações exageradas, somos lançados de volta para uma atmosfera realista, onde todo um universo ambíguo e alegórico pretende se expandir.

Neste cenário, observamos o cotidiano de um grupo de jovens ser cruelmente abalado por uma série de homicídios que passam a provocar uma onda de terror na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro. Algumas mulheres vêm sendo estupradas e assassinadas, tendo seus corpos abandonados em um terreno baldio da região. Obcecadasadas pelos crimes, Bia (Valentina Herszage), Mariana (Mari Oliveira), Michele (Júlia Roliz) e Renata (Dora Freind) tentam, involuntariamente, percorrer as pistas deixadas pelo criminoso, ao mesmo tempo em que experimentam as descobertas e as armadilhas habituais da puberdade.

Aquela curiosidade que, de incício, parecia ser apenas um ingênuo jogo inventigativo, começa a infectar a vida dessas meninas, afastando-as gradualmente de suas rotinas normais. O desenrolar das ações é visto sob o olhar afoito e curioso de Bia que, depois de um arriscado encontro com a morte, fará qualquer coisa para permanecer viva. Ela não teme se aventurar e acaba enfrentando esse pesadelo sozinha, ao passo que suas amigas já declinaram ao recuo. Bia continua sua caminhada mórbida, sem deixar de lado as erupções que modificam o seu corpo.

"Mate-me por Favor" (2015) de Anita Rocha da Silveira - Bananeira Filmes [br] | Fado Filmes [pt] | Rei Cine [ar]

4º. LUGAR: “ELA VOLTA NA QUINTA”

(Ela Volta na Quinta, Brasil, 2015) - de André Novais Oliveira

Data da Estreia: 25 de fevereiro de 2016

“Alguém partiu, alguém ficou...” Entre imagens do cotidiano e situações observadas no cerne do ambiente familiar, “Ela Volta na Quinta” reinventa e remonta cenas dos mais de trinta anos de união entre Maria José e Norberto, lançando luz sobre as suas intimidades e revelando os seus maiores conflitos. Desgastado pelo tempo, o relacionamento do casal que mora em um bairro simples na periferia de Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte, enfrenta a mais severa de suas crises, se encaminhando para um inevitável e doloroso fim. Energicamente emotivo, o dia a dia passa a ser contornado por sentimentos de mágoa.

Primeiro longa-metragem do cineasta mineiro André Novais Oliveira, “Ela Volta na Quinta” segue uma linha narrativa extremamente humanista, centrada em planos longos e fixos sempre construídos através de diálogos singelos e rotineiros. Desde os seus primeiros curtas, o diretor mantém o costume de se debruçar sobre personagens e dramas da vida real para produzir as suas ficções e, no caso desta, é a sua própria família que dá vida à essas apaixonantes personagens (o que também inclui uma participação do próprio André). Apesar de usarem seus nomes verdadeiros e sustentarem a trama a partir de uma base autobiográfica, nenhuma das situações que envolvem os Novais Oliveira se assume como matéria argumentativa principal.

Entre 2014 e 2015, o filme inciciou a sua carreira pelos festivais de cinema do país, sendo apresentado pela primeira vez na Mostra de Cinema de Tiradentes e obtendo destaque significativo nos Festivais de Cinema de Brasília e do Rio de Janeiro. Neste último, inclusive, “Ela Volta na Quinta” acabou conquistando o prêmio de melhor filme nacional na VII Semana de Realizadores. Já em Brasília, na 47ª edição do Festival, venceu nas categorias de melhor atriz coadjuvante (Elida Silpe) e melhor ator coadjuvante (Renato Novais Oliveira).

Emblemática e poética, a estreia de André Novais Oliveira na direção em longas acaba nos presenteando com uma história leve que transcende as barreiras construídas entre o real e o imaginário, transformando as amenidades e os pequenos sinais de estremecimento de uma relação duradoura em uma grandiosa e tenra crônica sobre o amor.

"Ela Volta na Quinta" (2015) de André Novais Oliveira - Filmes de Plástico [br]

3º. LUGAR: “SINFONIA DA NECRÓPOLE”

(Sinfonia da Necrópole, Brasil, 2014) - de Juliana Rojas

Data da Estreia: 14 de abril de 2016

Todo o arrojo e originalidade presentes no cinema autoral de Juliana Rojas já vinham sendo acompanhados com atenção e absoluto interesse pelo público, desde os trabalhos nascidos da frequente e consagrada parceria com o amigo Marco Dutra. Com um humor extremamente refinado, a diretora desdobra a linguagem cinematográfica de gênero para criar uma atmosfera peculiar que reúne a diversão descompromissada de uma comédia inocente e o suspense astucioso de um belo exemplar do terror. “Sinfonia da Necrópole” ainda apresenta um conjunto de cenas memoráveis que, de maneira louvável, tentam popularizar os filmes musicais no país com uma produção 100% nacional.

Deodato (Eduardo Gomes) trabalha como aprendiz de coveiro em um cemitério da cidade de São Paulo, mas já se encontra com o emprego ameaçado. Amedrontado e inseguro, o rapaz aparenta não estar muito animado com a profissão, preferindo tocar um órgão recostado em um dos cantos da capela a ter que se envolver com os mortos à beira de uma cova. Mesmo sendo incentivado por seu tio, Jaca (Paulo Jordão), Deodato segue incapaz exercer suas funções, chegando a desmaiar vergonhosamente na frente das pessoas durante um enterro e tendo que prestar explicações a Aloízio (Hugo Villavicenzio), chefe e administrador do cemitério.

A rotina do desqualificado coveiro começa a tomar contornos mais amenos quando a prefeitura passa considerar a hipótese de que o cemitério já se encontre próximo de sua superlotação. Diante desse problema, a perspicaz Jacqueline (Luciana Paes), representante do departamento funerário da capital, acaba sendo enviada ao local para iniciar o processo de recadastramento e reacomodação dos túmulos. A paixão instantânea impede que Deodato peça demissão, fazendo com que ele encontre motivação extra para continuar trabalhando no cemitério. Juntos, eles devem acompanhar a exumação de algumas sepulturas, afim de identificar e inventariar aquelas que estejam abandonadas.

Burocrática e dinâmica, Jacqueline não consegue conter a sua empolgação em relação ao serviço; enquanto isso, Deodato começa a vivenciar estranhos acontecimentos que continuam abalando o seu estado psicológico, aumentando a sua desconfiança e fazendo com que ele passe a questionar as espantosas implicações de incomodar “o sono” daqueles que já se foram.

"Sinfonia da Necrópole" (2014) de Juliana Rojas - Avoa Filmes [br] | Filmes do Caixote [br]

2º. LUGAR: “FOME”

(Fome, Brasil, 2015) - de Cristiano Burlan

Data da Estreia: 4 de agosto de 2016

Desenvolvendo – com raro primor e sensibilidade – uma narrativa essencialmente focada no poder das imagens, o cineasta Cristiano Burlan retoma a parceria com o crítico e professor de cinema Jean-Claude Bernardet para se debruçar sobre um severo drama contemporâneo, enristado por amarguradas críticas sociais, que sustenta a malfadada invisibilidade de um velho morador de rua e o acompanha em suas desbaratadas andanças pelo centro de São Paulo, maior metrópole da América Latina.

Assumindo com propriedade as formalidades típicas de um docudrama, as bases provocativas de “Fome” procuram desconstruir as nossas percepções superficiais de mundo, esfacelando todos os nossos preconceitos. O filme se destaca, principalmente, pela coesão do roteiro e pela fluidez das ações, auxiliadas pela maneira suave como a câmera percorre um espaço onde se predomina um turbulento caos, característica de qualquer urbe desvairada. Dotado de uma maturidade artística invejável, Bernardet interpreta esse indivíduo arsico de condição miserável que, a esmo, segue jornadas diárias empurrando um carrinho de supermercado completamente empenado e carregado de quinquilharias e memórias.

Aqui, a ficção embaralha a mente do público, nos fazendo acreditar que o mendigo já pertencia a este ambiente fascinante. Afinal, Jean-Claude demonstra uma relação íntima notável com o espaço urbano, sempre buscando um lugar confortável para dormir, alguma coisa para comer e qualquer água empoçada para se lavar. Aos poucos, vamos conhecendo detalhes da vida deste homem, que já foi um renomado professor universitário e hoje mora nas ruas por opção. Abandonando o passado e assumindo a solidão, ele ainda revela algumas marcas impressas pelo destino, lembranças profundamente dolorosas que nem mesmo o tempo foi capaz de cicatrizar.

Esteticamente, o longa se assume como uma obra majestosa e imponente, retratando a capital paulista de maneira extremamente suntuosa; um deslumbre visual ditado pela beleza arquitetônica da região central da cidade e reforçada pelo preto e branco, em uma das fotografias mais elegantes do ano. Ao mesmo tempo, a singeleza da obra é valorizada pelo intimismo, que reflete de forma ambiciosa e pujante o desejo de se combater os incômodos deflagrados por uma cruel desigualdade.

"Fome" (2015) de Cristiano Burlan - Bela Filmes [br]

1º. LUGAR: “AQUARIUS”

(Aquarius, Brasil | França, 2016) - de Kleber Mendonça Filho

Data da Estreia: 1º. de setembro de 2016

“Marcas do meu tempo...” A emocionante história de Clara (Sônia Braga) causou abalos por onde passou, ficando mundialmente conhecida. Viúva de 65 anos, a crítica de música aposentada resiste como a última moradora do Edifício Aquarius, construção original da década de 40 localizada na orla da Praia de Boa Viagem. Todos os apartamentos vizinhos já foram adiquiridos por uma construtora, que possui planos ambiciosos para o terreno. Ela conserva-se firme frente as investidas do engenheiro Diego (Humberto Carrão), que por algumas vezes perde a cabeça nas fracassadas tentativas de incorporação propostas por sua empresa.

Eleito um dos dez maiores lançamentos internacionais do ano pela renomada Cahiers du Cinéma, “Aquarius” é um poderoso drama social que evoca reflexões sobre as relações de poder, sobre o apego à memória e sobre a altivez desmedida de sua personagem principal. Ainda que enraizada em suas próprias convicções, balizadas pelo orgulho e pelo moderado comodismo de uma tradicional família de classe média alta do Recife, Clara pode ser considerada uma heroína do mundo moderno. Ela encontrou forças para vencer um câncer; dispõe de uma generosidade e teimosia incomuns para resolver certos problemas; e suporta com bravura os atrozes avanços da especulação imobiliária.

Escrito e dirigido por Kleber Mendonça Filho, o filme teve sua primeira exibição mundial em maio, durante o Festival de Cannes, entrando na lista dos longas que concorreriam à Palma de Ouro na ocasião. Evitando se aprofundar no alvoroço causado por conta dos protestos contra o impeachment de Dilma Rousseff no tapete vermelho do festival francês; ou fugindo das ebulições provocadas pela polêmica sobre a sua classificação indicativa e pelo fato do título ter sido preterido na escolha de candidato a representar o país na cerimônia do Oscar em 2017; fica o registro de que Kleber é um dos cineastas mais promissores dessa geração, pois é dono de uma personalidade arrojada e tem voz eloquente para revolucionar a forma de se fazer cinema no Brasil.

Aclamado, “Aquarius” é o clássico contemporâneo mais vibrante e surpreendente da filmografia nacional. Possui uma trilha sonora apaixonante (“Hoje”, de Taiguara, nos arranca lágrimas) e conta com um elenco de apoio formidável, composto por nomes de destaque no atual cenário das produções brasileiras, como Carla Ribas, Maeve Jinkings e Irandhir Santos. Por fim, cabe-nos cumprir a deleitável tarefa de exaltar a beleza de Sônia Braga, que está deslumbrante e nos presenteia com o melhor papel de sua carreira.

"Aquarius" (2016) de Kleber Mendonça Filho - CinemaScópio Produções [br] | Globo Filmes [br] | SBS Productions [fr]

Bem, também entendemos que uma lista com apenas dez filmes é muito pequena frente ao grande número de produções de qualidade e nos faz querer saber um pouco mais sobre o cinema que é feito na nossa própria casa. Dessa forma, resolvemos incluir, no final deste artigo, pequenas listas que citam somente o filme, o ano de produção e o diretor de filmes que se encaixam em algumas categorias que também julgamos importantes. Confira:

Também mereceram destaque este ano: “A Bruta Flor do Querer” (2016) de Dida Andrade e Andradina Azevedo; “Exilados do Vulcão” (2013) de Paula Gaitán; “A Morte de J. P. Cuenca” (2015) de João Paulo Cuenca; “Nise: O Coração da Loucura” (2015) de Roberto Berliner; “Para Minha Amada Morta” (2015) de Aly Muritiba; e “O Signo das Tetas” (2016) de Frederico Machado.

Não vimos e nem veremos: “É Fada!” (2016) de Cris D’Amato.

Ainda faltam ser conferidos: “BR 716” (2016) de Domingos de Oliveira; “Canção da Volta” (2016) de Gustavo Rosa de Moura; “Curumim” (2016) de Marcos Prado; “Mãe só há Uma” (2016) de Anna Muylaert; “Maresia” (2016) de Marcos Guttmann; e “Toro” (2016) de Edu Felistoque.

Podem obter grande destaque em 2017: “Elon não Acredita na Morte” (2016) de Ricardo Alves Jr.; “Era o Hotel Cambridge” (2016) de Eliane Caffé; “O Grande Circo Místico" (2016) de Carlos Diegues; “Malasartes e o Duelo com a Morte” (2016) de Paulo Morelli; “O Rastro” (2016) de J. C. Feyer; “Redemoinho” (2017) de José Luiz Villamarim.

Maior expectativa para 2017: “Bingo: O Rei das Manhãs” (2017) de Daniel Rezende.

(*) Lembrando que críticas, apontamentos de injustiças ou esquecimentos podem ser expressos nos comentários... ;-)

(**) Também não descartaremos os elogios! :-D

Confira também as listas com “Os Dez Melhores Filmes Nacionais” elaboradas pelo Rotina Cinemeira em anos anteriores:


ENTÃO É ISSO! QUE OS BONS VENTOS DE 2017 NOS PRESENTEIEM COM MUITO MAIS FILMES ESPETACULARES COMO ESSES!

VIVA SEMPRE O CINEMA NACIONAL!

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