Durante essa
semana, 2016 entra em sua reta final. Esse é o período no qual começam a
pipocar pelas redes sociais – e pela rede em geral – vários artigos e listas
que elegem os melhores filmes do ano. Pegando carona nessa tradição, chegou o
momento de também destacarmos aqueles trabalhos que mais nos chamaram a atenção
ao longo da temporada, revelando aos leitores quais foram os nossos favoritos e
quais foram aqueles que mais nos encantaram; títulos que já podem até ser colocados
em listas pessoais de melhores de todos os tempos (nós mesmos, já incluímos
alguns na nossa). Informamos que a nossa relação anual ainda está em processo
de elaboração e faremos todo o possível para divulga-la até sexta-feira.
Contando com aquelas famosas “injustiças pontuais”, tentaremos não decepcionar
ninguém ao apresentar Os Dez Melhores
Filmes do Ano, segundo a nossa visão.
Enquanto isso
não acontece, o Rotina Cinemeira volta com mais uma proposta diferente, que já
se configura como uma das marcas mais emblemáticas desse espaço e comumente não
chegam a ser executadas por outros blogs e sites de entretenimento.
Destacaremos e indicaremos aqui as dez melhores produções nacionais de 2016,
longas espetaculares e inventivos que colocam o Brasil entre os grandes
mercados cinematográficos do planeta.
Quem nos segue
desde o início sabe que sempre procuramos reservar um grande espaço para as
produções nacionais, promovendo muitas das fantásticas obras que foram lançados
recentemente e que, por algum motivo, não obtiveram o reconhecimento que
merecem. Nossa preocupação é manifesta e legítima, afinal muitos desses filmes estrearam
em pouquíssimas salas, sendo basicamente reduzidas ao circuito cultural Rio-SP.
No nosso caso, a maioria das sessões que acompanhamos ficaram restritas à festivais
e mostras especiais realizadas ao longo dos últimos anos em Belo Horizonte. Dessa
forma, fica ainda mais evidente a importância de divulgarmos uma lista como
esta, pois acreditamos que esses valorosos projetos merecem o mesmo espaço – ou
até mesmo um destaque maior – do que as demais produções rodadas ao redor do
mundo. Valorizar o Cinema Brasileiro é FUNDAMENTAL!
Este ano
ainda conta com uma peculiaridade: como todos os dez filmes selecionados são
ficções, resolvemos indicar três fabulosos documentários lançados durante esses
últimos doze meses: “Cinema Novo” (2016)
de Eryk Rocha, um ensaio poético que se aprofunda pelo movimento de cinema mais
relevantente do país; “A Loucura entre
Nós” (2016) de Fernanda Fontes Vareille, que questiona os limites de nossa
própria sanidade ao registrar o cotidiano angustiante de um hospital
psiquiátrico; e “Martírio” (2016) de Vincent Carelli (o filme que mais nos
impressionou nos últimos tempos), um trabalho poderoso que causa revolta e
indignação ao escancarar o lacerante e impiedoso tratamento que o governo destina
às comunidades indíginas. Devido a extensa duração, este último dificilmente
estreará no circuto comercial, mas as discussões propostas por ele são mais do
que urgentes e merece a atenção de cada brasileiro. É importante corrermos
atrás de obras impactantes e significativas como essas, pois são elas que
destacam a importância do cinema como uma das principais ferramentas de
construção da sociedade.
Lembramos que
o critério escolhido para estabelecer os títulos que integram a lista final se
restringe apenas aos filmes que
estrearam em 2016 nas salas de cinema do país através do circuito comercial, ou
aqueles lançados diretamente em Home Video ou VOD.
A relação não
é longa, mas os comentários a respeito de cada um dos filmes eleitos acabaram
se estendendo um pouco mais do que o esperado. Então, sem mais protelações,
vamos à Lista com Os Dez Melhores Filmes
Nacionais de 2016 (em ordem decrescente):
10º. LUGAR: “A VIZINHANÇA DO TIGRE”
(A
Vizinhança do Tigre, Brasil, 2016) - de Affonso Uchoa
Data da Estreia: 18 de fevereiro de
2016
Categórico e
poderoso, o cinema de resistência sempre trabalha em prol da construção de uma
identidade social cada vez mais digna, combatendo com precisão qualquer tipo de
hostilidade, preconceito ou repressão vindas – geralmente – daqueles que
deveriam ser os principais responsáveis pelo zelo e pelo tratamento igualitário
de todas as comunidades. Exemplo indômito e pulsante deste tipo de registro, “A Vizinhança do Tigre” caminha sobre
uma linha tênue e mordaz que suplanta o ideário da desordem política, dando voz
ativa para a periferia. Pautado por uma narrativa extremamente original, que
segue o percurso da vida real pontualmente marcado por momentos de pura
inventividade, o filme é sustentado pela proposta de abolir as fronteiras entre
o documentário e a ficção, trazendo para o público uma das mais intensas
reflexões feitas pelo cinema nacional nos últimos anos.
Angustiada,
porém corajosa, a câmera conduzida pelo diretor mineiro Affonso Uchoa acompanha
a vida de jovens moradores do bairro Nacional, localizado na cercania suburbana
do município de Contagem. Durante todo o tempo, observamos as marcas que a vida
acaba imprimindo nos destinos de Neguinho (Wenderson dos Santos), Juninho
(Aristides de Souza), Menor (Maurício Chagas), Adílson (Adílson Cordeiro) e
Eldo (Eldo Rodrigues). As intimidades de cada um dos adolescentes são nitidamente
marcadas pela revolta e pela violência, mas sempre deixam uma porta aberta para
a esperança. Em face da diversão corriqueira e divididos por obrigações
cominadas pela iminência da vida adulta, cada um deles deve encontrar as
melhores saídas para superarem todas as dificuldades “domando o tigre que carregam dentro de suas veias”. O impacto da
metáfora é, inclusive, o que dá a tônica desse já importante clássico
contemporâneo.
“A Vizinhança do Tigre” é o reflexo de um trabalho consciente
e honesto que evidencia a extraordinária colaboração entre um elenco formidável
e uma equipe de produção extremamente competente. Em muitos momentos, não
sabemos aonde termina o trabalho de Uchoa e começa o dos garotos; qualidade
bastante positiva. Grande exemplo de criação coletiva, o longa ressoa como uma
obra sufocante que clama por urgência, mesmo que todos demorem algum tempo para
digerir e decifrar várias das suas mensagens.
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"A Vizinhança do Tigre" (2016) de Affonso Uchoa - Katásia Filmes [br] |
9º. LUGAR: “BOI NEON”
(Boi
Neon, Brasil | Uruguai | Holanda, 2015) - de Gabriel Mascaro
Data da Estreia: 14 de janeiro de 2016
Filme que
certamente alimentava uma das maiores expectativas para 2016, muito por conta
de suas múltiplas premiações em festivais internacionais, “Boi Neon” estreou nos cinemas logo nas primeiras semanas do ano e
não decepcionou. Vencedor do prêmio especial do Júri na “Mostra Horizontes” em
Veneza, o segundo longa-metragem de ficção escrito e dirigido pelo pernambucano
Gabriel Mascaro já se configura como um dos trabalhos mais relevantes da década,
tornando ainda mais poderoso o cardápio cultural da recente filmografia
brasileira.
Conduzida por
um argumento que valoriza longas tomadas de beleza contemplativa, repletas de
nuances que emanam desejos e transpiram sexualidade, a trama pega carona pelas
estradas e pelos sonhos empoeirados de Iremar (Juliano Cazarré), jovem que faz
parte de um grupo de vaqueiros que viajam pelo nordeste brasileiro na
carroceria de um caminhão e trabalham nos bastidores das tradicionais
vaquejadas. O grupo é responsável por transportar os bois para os eventos, bem
como por preparar cada um dos animais antes que sejam soltos nas arenas de
rodeio onde são realizados os espetáculos.
Competente,
determinada e ousada, Galega (Maeve Jinkings) é a motorista e principal
responsável pelos cuidados com o caminhão, que também funciona como casa
improvisada para ela, para seus colegas de trabalho e para sua filha, Cacá
(Alyne Santana). Construindo fortes laços de amizade com todos, sempre
dispostos em uma intimidade acolhedora e semelhantemente familiar, a garota
insiste em dividir a boleia com a mãe, mesmo sendo constantemente cobrada por
Galega para ir morar na cidade com os avós e construir uma infância mais
venturosa.
Road movie poético e fortuitamente silencioso, “Boi Neon” nada mais é do que a
trajetória errante das suas personagens por uma vida reiteradamente acomodada
em um cotidiano sertanejo protocolar, mas que desmantelam qualquer tipo de
convenção e nunca se distanciam de esperançadas quimeras. Iremar, por exemplo,
enquanto permanece deitado em sua rede na traseira do caminhão, divaga entre
rabiscos, lantejoulas e costuras de tecidos, imaginando um dia largar a sua
amargurada condição de peão e se aventurar no mundo da moda, seguindo carreira
de estilista.
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"Boi Neon" (2015) de Gabriel Mascaro Desvia Filmes [br] | Malbicho Cine [uy] | Viking Film [nl] | Canal Brasil [br] | Programa Ibermedia [es] |
8º. LUGAR: “A FRENTE FRIA QUE A CHUVA
TRAZ”
(A
Frente Fria que a Chuva Traz, Brasil, 2015) - de Neville de Almeida
Data da Estreia: 28 de abril de 2016
Com visual
atraente e título instigante, “A Frente
Fria que a Chuva Traz” marca o sublime retorno de Neville de Almeida ao
comando de uma câmera após permanecer quase vinte anos afastado de projetos
cinematográficos. Desde “Navalha na
Carne” (1997) não víamos a sua admirável inventividade transbordar pelas
telas, mas agora temos a oportunidade de conferir o novo trabalho do polêmico
diretor que, mais uma vez, aparece para incomodar e subverter o espectador,
justamente por fugir do comodismo das entrelinhas.
Baseada na
peça homônima do ator e dramaturgo Mário Bortolotto, a trama aborda o cotidiano
de um grupo de jovens burgueses que aluga uma laje no Morro do Vidigal, no Rio
de Janeiro, com o intuito de promover luxuosas festas embaladas pelo funk,
apimentadas por brincadeiras libidinosas e movidas pelo consumo desenfreado de
drogas lícitas e ilícitas. O filme nunca chega a ser moldado por metáforas e,
de forma voraz, acaba registrando com crueza o vazio de uma geração deturpada
pelo dinheiro, acostumada a ser regida por comportamentos artificiais e
completamente dependente da famigerada masturbação de ego.
Não por acaso,
é a descompensada Amsterdã (Bruna Linzmeyer) que se mostra a mais lúcida do
grupo. O papel da desafortunada e ignóbil jovem, que se submete a qualquer tipo
de humilhação para manter os vícios, se encaixa de forma impressionante ao
explosivo ato final do longa, que arremata um discurso carregado de fúria e
sordidez, apontando um dedo repleto de impugnações para a paradoxal realidade
carioca, que já foi criticada anteriormente pelo próprio Neville em “Rio Babilônia” (1982). Vale lembrar que
as escolhas estéticas que privilegiaram a superficialidade e a vulgaridade das
ações ressaltam que o objetivo proposto pela narrativa foi plenamente
alcançado.
Inflamado por
um discurso pujante e despido de qualquer tipo de sociologia barata, Neville
traz para a contemporaneidade contornos particularmente caóticos que algumas
obras recentes precisam absorver. Abdicando das possibilidades de fazer
qualquer tipo de concessão, ele ainda nos mostra que continua em absoluta
forma, regressando ao admirável estilo marginal de se fazer cinema. De forma
impactante, “ A Frente Fria que a Chuva
Traz” acaba revelando tudo o que o cineasta considera mais escroto e
repugnante na sociedade.
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"A Frente Fria que a Chuva Traz" (2015) de Neville de Almeida - República Pureza Filmes [br] |
7º. LUGAR: “CAMPO GRANDE”
(Campo
Grande, Brasil | França, 2015) - de Sandra Kogut
Data da Estreia: 2 de junho de 2016
Certa manhã,
Ygor, de oito anos, e Rayane, de seis, são deixados pela mãe em frente à
portaria de um prédio de classe média alta de Ipanema. Aparentemente, o
eventual imprevisto ocorre sem nenhuma explicação lógica, podendo ser decifrado
apenas por um pedaço de papel encontrado com as crianças no qual estão anotados
o nome e o endereço de Regina (Carla Ribas), dona de um dos apartamentos. Em
nenhum momento, os irmãos deixam de acreditar que a mãe voltará para buscá-los,
mas a angústia toma conta daqueles que, indiretamente, ficaram responsáveis
pelos dois. Será que ela realmente vai regressar?
Uma das
produções nacionais que mais despertaram interesse do público no último ano, “Campo Grande” narra com sensibilidade e
rara inspiração um drama genuinamente urbano, colocando no centro das
discussões temas como o abandono de menores e a conturbada relação entre
pessoas de níveis sociais diferentes. O mergulho emocional do espectador pelo
universo do filme é diretamente conectado pela inesperada e, por vezes, surreal
presença das crianças no mundo de Regina, situação atípica que acaba
transformando a sua vida profundamente.
Não há um
porto seguro e nem um momento de respiro dos personagens. À medida em que uma série
de perguntas não são respondidas, a busca incessante pela mãe das crianças se
torna o único ponto de orientação para Regina, que toma a iniciativa de levar
Ygor de volta para a casa, no bairro de Campo Grande. A partir deste momento, o
choque cultural é reforçado pela transição entre os ambientes, momento crucial
em que a cidade do Rio de Janeiro, com todas as suas contradições, também se
transforma em uma personagem importante do filme.
Fica clara a
impressionante capacidade que a diretora Sandra Kogut possui ao lidar com os
seus pequenos protagonistas, capturando com precisão toda emoção transparecida
pela inocência de uma criança; um benevolente jogo de cintura já observado em “Mutum” (2007), seu trabalho anterior.
Ygor Manoel e Rayane do Amaral fazem as suas estreias como atores mirins e
estão ótimos em cena, e a ideia de utilizar os seus próprios nomes para os
personagens foi muito acertada, pois contribuiu para dar mais naturalidade às
ações deste cativante longa-metragem.
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"Campo Grande" (2015) de Sandra Kogut - Gloria Films [fr] | Tambellini Filmes [br] |
6º. LUGAR: “BRASIL S/A”
(Brasil
S/A, Brasil, 2014) - de Marcelo Pedroso
Data da Estreia: 11 de agosto de 2016
A ordem e o progresso soam paradoxais para nós
brasileiros quando, costumeiramente, nos enxergamos ou nos posicionamos na
periferia do mundo. Com humor ácido e silencioso que, por vezes, remete aos
clássicos “Tempos Modernos” (1936) de
Charles Chaplin ou “Playtime - Tempo de
Diversão” (1967) de Jacques Tati, “Brasil
S/A” é fruto de uma autorreflexão sobre o momento atual do país,
evidenciando ainda a subalternidade e as contradições de uma modernização
acelerada e descomedida. Ao privatizar a nossa nação já no título do filme, o
diretor Marcelo Pedroso mostra como o Brasil vem passando por uma série de
situações entorpecidas no campo desenvolvimentista ao longo dos últimos anos.
As experiências acabam sendo resultado desse avanço desenfreado e redefinem as
nossas estruturas sociais mais arcaicas.
Em mais de 500 anos de história, o Brasil teve no cultivo
da cana-de-açúcar uma de suas principais forças econômicas. Edilson da Silva
passou a maior parte de sua vida trabalhando como cortador de cana e, a partir
do momento em que as máquinas surgem na sua vida, ele deixa o canavial rumo a
uma missão interplanetária, explorando o espaço pela primeira vez – “Um pequeno passo para Edilson, um salto
gigantesco para o Brasil”. Os ecos insólitos das imagens e dos sons alumiam
o contrassenso da vida moderna e revelam a eterna vocação que o país possui de
ser a predestinada nação do futuro. Em “Brasil
S/A”, a evolução (ou involução?) sempre vai na contramão dos problemas
sociais que já pareciam ser, histórica e naturalmente, determinados.
Vencedor das categorias de melhor roteiro e melhor
direção pelo filme no Festival de Brasília em 2014, Marcelo Pedroso é um dos
principais nomes do novo cinema pernambucano e possui um importante currículo
como documentarista, onde podemos destacar relevantes e inventivos trabalhos
como o longa “Pacific” e o
média-metragem “Balsa”, ambos de
2009, além do curta “Câmara Escura”
(2012). Sempre abordando temas com forte
teor social e político, ele ainda lançou em 2013 o aclamado e provocativo curta
de ficção “Em Trânsito”. “Brasil S/A” é o seu primeiro longa
ficcional, obra que consolida e determina uma carreira em franca ascensão.
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"Brasil S/A" (2014) de Marcelo Pedroso - Símio Filmes [br] |
5º. LUGAR: “MATE-ME POR FAVOR”
(Mate-me
por Favor, Brasil | Argentina, 2015) - de Anita Rocha da Silveira
Data da Estreia: 15 de setembro de 2016
Longa-metragem
de estreia da versátil diretora Anita Rocha da Silveira, “Mate-me por Favor” acompanha, de forma categórica e explosiva, a
inquietante jornada emocional de quatro amigas que transitam da adolescência
para a vida adulta, ficando marcadas por momentos repletos de anseios,
conflitos e indagações. Carregados de estranhezas e complexidades, os dilemas
da juventude acabam sendo trazuzidos por um sentimento de urgência, trazendo
consigo o angustiante esvaziamento da vida e enxergando na morte a fascinante
alternativa para uma sublime e obscura transformação.
Audacioso e
sufocante, o filme é mais um belo e original exemplar do ascendente cinema de
gênero, composto por uma série produções eficazes que aumentam a nossa
capacidade de percepção enquanto espectador, valorizando o supesnse e
elocubrando o prazer e o medo. Aqui, a contagiante proposta estilística aplicada
à narrativa se mostra extremamente apurada, fazendo com que a trama absorva
características particulares, escapando pela tangente de um naturalismo óbvio e
forçado. Através de aparentes reviravoltas inverídicas, construídas por
fabulações exageradas, somos lançados de volta para uma atmosfera realista,
onde todo um universo ambíguo e alegórico pretende se expandir.
Neste
cenário, observamos o cotidiano de um grupo de jovens ser cruelmente abalado
por uma série de homicídios que passam a provocar uma onda de terror na Barra
da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro. Algumas mulheres vêm sendo estupradas
e assassinadas, tendo seus corpos abandonados em um terreno baldio da região.
Obcecadasadas pelos crimes, Bia (Valentina Herszage), Mariana (Mari Oliveira),
Michele (Júlia Roliz) e Renata (Dora Freind) tentam, involuntariamente,
percorrer as pistas deixadas pelo criminoso, ao mesmo tempo em que experimentam
as descobertas e as armadilhas habituais da puberdade.
Aquela
curiosidade que, de incício, parecia ser apenas um ingênuo jogo inventigativo,
começa a infectar a vida dessas meninas, afastando-as gradualmente de suas
rotinas normais. O desenrolar das ações é visto sob o olhar afoito e curioso de
Bia que, depois de um arriscado encontro com a morte, fará qualquer coisa para
permanecer viva. Ela não teme se aventurar e acaba enfrentando esse pesadelo
sozinha, ao passo que suas amigas já declinaram ao recuo. Bia continua sua
caminhada mórbida, sem deixar de lado as erupções que modificam o seu corpo.
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"Mate-me por Favor" (2015) de Anita Rocha da Silveira - Bananeira Filmes [br] | Fado Filmes [pt] | Rei Cine [ar] |
4º. LUGAR: “ELA VOLTA NA QUINTA”
(Ela
Volta na Quinta, Brasil, 2015) - de André Novais Oliveira
Data da Estreia: 25 de fevereiro de
2016
“Alguém partiu, alguém
ficou...” Entre
imagens do cotidiano e situações observadas no cerne do ambiente familiar, “Ela Volta na Quinta” reinventa e
remonta cenas dos mais de trinta anos de união entre Maria José e Norberto,
lançando luz sobre as suas intimidades e revelando os seus maiores conflitos.
Desgastado pelo tempo, o relacionamento do casal que mora em um bairro simples
na periferia de Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte, enfrenta a
mais severa de suas crises, se encaminhando para um inevitável e doloroso fim.
Energicamente emotivo, o dia a dia passa a ser contornado por sentimentos de
mágoa.
Primeiro longa-metragem do cineasta mineiro André Novais
Oliveira, “Ela Volta na Quinta” segue
uma linha narrativa extremamente humanista, centrada em planos longos e fixos
sempre construídos através de diálogos singelos e rotineiros. Desde os seus
primeiros curtas, o diretor mantém o costume de se debruçar sobre personagens e
dramas da vida real para produzir as suas ficções e, no caso desta, é a sua
própria família que dá vida à essas apaixonantes personagens (o que também
inclui uma participação do próprio André). Apesar de usarem seus nomes
verdadeiros e sustentarem a trama a partir de uma base autobiográfica, nenhuma
das situações que envolvem os Novais Oliveira se assume como matéria
argumentativa principal.
Entre 2014 e 2015, o filme inciciou a sua carreira pelos
festivais de cinema do país, sendo apresentado pela primeira vez na Mostra de
Cinema de Tiradentes e obtendo destaque significativo nos Festivais de Cinema
de Brasília e do Rio de Janeiro. Neste último, inclusive, “Ela Volta na Quinta” acabou conquistando o prêmio de melhor filme
nacional na VII Semana de Realizadores. Já em Brasília, na 47ª edição do
Festival, venceu nas categorias de melhor atriz coadjuvante (Elida Silpe) e
melhor ator coadjuvante (Renato Novais Oliveira).
Emblemática e
poética, a estreia de André Novais Oliveira na direção em longas acaba nos
presenteando com uma história leve que transcende as barreiras construídas
entre o real e o imaginário, transformando as amenidades e os pequenos sinais
de estremecimento de uma relação duradoura em uma grandiosa e tenra crônica
sobre o amor.
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"Ela Volta na Quinta" (2015) de André Novais Oliveira - Filmes de Plástico [br] |
3º. LUGAR: “SINFONIA DA NECRÓPOLE”
(Sinfonia
da Necrópole, Brasil, 2014) - de Juliana Rojas
Data da Estreia: 14 de abril de 2016
Todo o arrojo
e originalidade presentes no cinema autoral de Juliana Rojas já vinham sendo
acompanhados com atenção e absoluto interesse pelo público, desde os trabalhos
nascidos da frequente e consagrada parceria com o amigo Marco Dutra. Com um
humor extremamente refinado, a diretora desdobra a linguagem cinematográfica de
gênero para criar uma atmosfera peculiar que reúne a diversão descompromissada
de uma comédia inocente e o suspense astucioso de um belo exemplar do terror. “Sinfonia da Necrópole” ainda apresenta
um conjunto de cenas memoráveis que, de maneira louvável, tentam popularizar os
filmes musicais no país com uma produção 100% nacional.
Deodato
(Eduardo Gomes) trabalha como aprendiz de coveiro em um cemitério da cidade de
São Paulo, mas já se encontra com o emprego ameaçado. Amedrontado e inseguro, o
rapaz aparenta não estar muito animado com a profissão, preferindo tocar um
órgão recostado em um dos cantos da capela a ter que se envolver com os mortos
à beira de uma cova. Mesmo sendo incentivado por seu tio, Jaca (Paulo Jordão),
Deodato segue incapaz exercer suas funções, chegando a desmaiar vergonhosamente
na frente das pessoas durante um enterro e tendo que prestar explicações a
Aloízio (Hugo Villavicenzio), chefe e administrador do cemitério.
A rotina do
desqualificado coveiro começa a tomar contornos mais amenos quando a prefeitura
passa considerar a hipótese de que o cemitério já se encontre próximo de sua
superlotação. Diante desse problema, a perspicaz Jacqueline (Luciana Paes),
representante do departamento funerário da capital, acaba sendo enviada ao
local para iniciar o processo de recadastramento e reacomodação dos túmulos. A
paixão instantânea impede que Deodato peça demissão, fazendo com que ele
encontre motivação extra para continuar trabalhando no cemitério. Juntos, eles
devem acompanhar a exumação de algumas sepulturas, afim de identificar e
inventariar aquelas que estejam abandonadas.
Burocrática e
dinâmica, Jacqueline não consegue conter a sua empolgação em relação ao
serviço; enquanto isso, Deodato começa a vivenciar estranhos acontecimentos que
continuam abalando o seu estado psicológico, aumentando a sua desconfiança e
fazendo com que ele passe a questionar as espantosas implicações de incomodar
“o sono” daqueles que já se foram.
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"Sinfonia da Necrópole" (2014) de Juliana Rojas - Avoa Filmes [br] | Filmes do Caixote [br] |
2º. LUGAR: “FOME”
(Fome,
Brasil, 2015) - de Cristiano Burlan
Data da Estreia: 4 de agosto de 2016
Desenvolvendo
– com raro primor e sensibilidade – uma narrativa essencialmente focada no
poder das imagens, o cineasta Cristiano Burlan retoma a parceria com o crítico
e professor de cinema Jean-Claude Bernardet para se debruçar sobre um severo
drama contemporâneo, enristado por amarguradas críticas sociais, que sustenta a
malfadada invisibilidade de um velho morador de rua e o acompanha em suas
desbaratadas andanças pelo centro de São Paulo, maior metrópole da América
Latina.
Assumindo com
propriedade as formalidades típicas de um docudrama, as bases provocativas de “Fome” procuram desconstruir as nossas
percepções superficiais de mundo, esfacelando todos os nossos preconceitos. O filme
se destaca, principalmente, pela coesão do roteiro e pela fluidez das ações,
auxiliadas pela maneira suave como a câmera percorre um espaço onde se
predomina um turbulento caos, característica de qualquer urbe desvairada.
Dotado de uma maturidade artística invejável, Bernardet interpreta esse
indivíduo arsico de condição miserável que, a esmo, segue jornadas diárias
empurrando um carrinho de supermercado completamente empenado e carregado de
quinquilharias e memórias.
Aqui, a
ficção embaralha a mente do público, nos fazendo acreditar que o mendigo já
pertencia a este ambiente fascinante. Afinal, Jean-Claude demonstra uma relação
íntima notável com o espaço urbano, sempre buscando um lugar confortável para
dormir, alguma coisa para comer e qualquer água empoçada para se lavar. Aos
poucos, vamos conhecendo detalhes da vida deste homem, que já foi um renomado
professor universitário e hoje mora nas ruas por opção. Abandonando o passado e
assumindo a solidão, ele ainda revela algumas marcas impressas pelo destino,
lembranças profundamente dolorosas que nem mesmo o tempo foi capaz de
cicatrizar.
Esteticamente,
o longa se assume como uma obra majestosa e imponente, retratando a capital
paulista de maneira extremamente suntuosa; um deslumbre visual ditado pela beleza
arquitetônica da região central da cidade e reforçada pelo preto e branco, em
uma das fotografias mais elegantes do ano. Ao mesmo tempo, a singeleza da obra
é valorizada pelo intimismo, que reflete de forma ambiciosa e pujante o desejo
de se combater os incômodos deflagrados por uma cruel desigualdade.
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"Fome" (2015) de Cristiano Burlan - Bela Filmes [br] |
1º. LUGAR: “AQUARIUS”
(Aquarius,
Brasil | França, 2016) - de Kleber Mendonça Filho
Data da Estreia: 1º. de setembro de
2016
“Marcas do meu tempo...” A emocionante história de Clara
(Sônia Braga) causou abalos por onde passou, ficando mundialmente conhecida.
Viúva de 65 anos, a crítica de música aposentada resiste como a última moradora
do Edifício Aquarius, construção original da década de 40 localizada na orla da
Praia de Boa Viagem. Todos os apartamentos vizinhos já foram adiquiridos por
uma construtora, que possui planos ambiciosos para o terreno. Ela conserva-se
firme frente as investidas do engenheiro Diego (Humberto Carrão), que por
algumas vezes perde a cabeça nas fracassadas tentativas de incorporação
propostas por sua empresa.
Eleito um dos
dez maiores lançamentos internacionais do ano pela renomada Cahiers du Cinéma, “Aquarius” é um poderoso drama social
que evoca reflexões sobre as relações de poder, sobre o apego à memória e sobre
a altivez desmedida de sua personagem principal. Ainda que enraizada em suas
próprias convicções, balizadas pelo orgulho e pelo moderado comodismo de uma
tradicional família de classe média alta do Recife, Clara pode ser considerada
uma heroína do mundo moderno. Ela encontrou forças para vencer um câncer;
dispõe de uma generosidade e teimosia incomuns para resolver certos problemas;
e suporta com bravura os atrozes avanços da especulação imobiliária.
Escrito e
dirigido por Kleber Mendonça Filho, o filme teve sua primeira exibição mundial
em maio, durante o Festival de Cannes, entrando na lista dos longas que
concorreriam à Palma de Ouro na ocasião. Evitando se aprofundar no alvoroço
causado por conta dos protestos contra o impeachment de Dilma Rousseff no tapete
vermelho do festival francês; ou fugindo das ebulições provocadas pela polêmica
sobre a sua classificação indicativa e pelo fato do título ter sido preterido
na escolha de candidato a representar o país na cerimônia do Oscar em 2017;
fica o registro de que Kleber é um dos cineastas mais promissores dessa
geração, pois é dono de uma personalidade arrojada e tem voz eloquente para
revolucionar a forma de se fazer cinema no Brasil.
Aclamado, “Aquarius” é o clássico contemporâneo
mais vibrante e surpreendente da filmografia nacional. Possui uma trilha sonora
apaixonante (“Hoje”, de Taiguara, nos
arranca lágrimas) e conta com um elenco de apoio formidável, composto por nomes
de destaque no atual cenário das produções brasileiras, como Carla Ribas, Maeve
Jinkings e Irandhir Santos. Por fim, cabe-nos cumprir a deleitável tarefa de
exaltar a beleza de Sônia Braga, que está deslumbrante e nos presenteia com o
melhor papel de sua carreira.
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"Aquarius" (2016) de Kleber Mendonça Filho - CinemaScópio Produções [br] | Globo Filmes [br] | SBS Productions [fr] |
Bem, também entendemos que uma lista com apenas dez
filmes é muito pequena frente ao grande número de produções de qualidade e nos
faz querer saber um pouco mais sobre o cinema que é feito na nossa própria
casa. Dessa forma, resolvemos incluir, no final deste artigo, pequenas listas
que citam somente o filme, o ano de produção e o diretor de filmes que se
encaixam em algumas categorias que também julgamos importantes. Confira:
Também mereceram destaque este ano: “A
Bruta Flor do Querer” (2016) de Dida Andrade e Andradina Azevedo; “Exilados do Vulcão” (2013) de Paula
Gaitán; “A Morte de J. P. Cuenca” (2015)
de João Paulo Cuenca; “Nise: O Coração da
Loucura” (2015) de Roberto Berliner; “Para
Minha Amada Morta” (2015) de Aly Muritiba; e “O Signo das Tetas” (2016) de Frederico Machado.
Não vimos e nem veremos: “É
Fada!” (2016) de Cris D’Amato.
Ainda faltam ser conferidos: “BR 716” (2016)
de Domingos de Oliveira; “Canção da
Volta” (2016) de Gustavo Rosa de Moura; “Curumim”
(2016) de Marcos Prado; “Mãe só há Uma”
(2016) de Anna Muylaert; “Maresia”
(2016) de Marcos Guttmann; e “Toro”
(2016) de Edu Felistoque.
Podem obter grande destaque em 2017: “Elon não Acredita na Morte” (2016) de Ricardo Alves Jr.; “Era o Hotel Cambridge” (2016) de Eliane Caffé; “O Grande Circo Místico" (2016) de
Carlos Diegues; “Malasartes e o Duelo com
a Morte” (2016) de Paulo Morelli; “O
Rastro” (2016) de J. C. Feyer; “Redemoinho”
(2017) de José Luiz Villamarim.
Maior expectativa para 2017: “Bingo:
O Rei das Manhãs” (2017) de Daniel Rezende.
(*) Lembrando
que críticas, apontamentos de injustiças ou esquecimentos podem ser expressos
nos comentários... ;-)
(**) Também
não descartaremos os elogios! :-D
Confira também as listas
com “Os Dez Melhores Filmes Nacionais”
elaboradas pelo Rotina Cinemeira em anos anteriores:
ENTÃO É ISSO!
QUE OS BONS VENTOS DE 2017 NOS PRESENTEIEM COM MUITO MAIS FILMES ESPETACULARES
COMO ESSES!
VIVA SEMPRE O
CINEMA NACIONAL!
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