quarta-feira, 30 de novembro de 2016

20 Filmes que completam 20 Anos em 2016 | Parte IV

Um suspense alucinante e eficaz com pinceladas ácidas de humor negro ditado pela marca autoral de dois dos cineastas mais aclamados dos Estados Unidos; um peculiar e aterrorizante suspense policial brasileiro marcado pelo esquecimento; um bom filme de ação que começava a colocar em evidência as ambições megalomaníacas e espetaculosas de um diretor constantemente perseguido pela crítica; um dos grandes sucessos de bilheteria dos anos 90 que já se configurava como o maior clássico da ficção científica contemporânea; e a apaixonante cinebiografia de uma das mais incríveis e inspiradoras figuras do mundo da música.

Antecipando a publicação em um dia para conseguir cumprir o cronograma do mês, o Rotina Cinemeira encerra a retrospectiva especial realizada ao longo de novembro, elencando 20 importantes trabalhos produzidos e lançados em um não tão distante ano de 1996; ano repleto de filmes inesquecíveis, clássicos contemporâneos que ainda mantém o fôlego e chegam vigorosos em 2016, completando os seus 20 anos de lançamento. Preciosidades que, se ainda não estão, já deveriam estar nas estantes (ou nos HDs) de qualquer cinéfilo.

Fargo - Uma Comédia de Erros (Fargo, Estados Unidos | Reino Unido, 1996)

Direção: Joel Coen e Ethan Coen

A audaciosa trama de “Fargo” é apresentada ao espectador sob a premissa de que “muito pode acontecer no meio do nada”. Curiosamente subtitulado no Brasil como “Uma Comédia de Erros”, esse suspense eficaz com pinceladas ácidas de humor negro tem a marca característica de qualquer trabalho assinado pelos Irmãos Coen: a de retorcer e reinventar gêneros clássicos consolidados, transformando-os em vigorosas peças contemporâneas. Dirigido por Joel e produzido por Ethan, o filme é violentamente perturbador, mas sempre conduzido por situações hilárias que nos surpreendem.

O primeiro sobressalto vem logo no início, quando nos é sugerida que a história, transportada para a pequena cidade de Fargo, no Estado da Dakota do Norte, teria sido concebida a partir de “eventos reais” ocorridos em Minnesota no ano de 1987. Jerry Lundegaard (William H. Macy), gerente de uma revendedora de automóveis, elabora um plano desonesto e completamente inusitado para se livrar de um grave problema financeiro. Ele traça um esquema arriscado para sequestrar a própria esposa, fazendo um acordo com dois marginais que receberão, caso executem todas as suas ordens, um carro novo e metade dos 80 mil dólares exigidos no resgate. Desesperadamente endividado, Jerry pretende ficar com todo o dinheiro, imaginando que a quantia será desembolsada pelo seu sogro, um homem muito rico e dono da agência na qual trabalha.

Entretanto, uma série de imprevistos e mal-entendidos acabam complicando a situação do psicopata paranoico Gaear Grimsrud (Peter Stormare) e do atrapalhado e falastrão Carl Showalter (Steve Buscemi), bandidos contratados por Jerry, pois ambos não conseguem controlar o ritmo de suas ações e se veem envolvidos em um caso de triplo homicídio. Mantendo a serenidade habitual, mesmo espantada pelos crimes que agitaram a monótona rotina da comunidade pela qual é responsável, entra em cena a desajeitada, porém competente chefe de polícia Marge Gunderson (Frances McDormand), que tenta solucionar os mistérios de sua primeira grande investigação.

Marge é, sem dúvida, uma das figuras mais cativantes desenvolvidas dentro do universo particular dos Coen. O detalhe gracioso de sua gravidez em estágio avançado a deixa ainda mais descompassada, mas coloca em evidência uma autoconfiança e perspicácia invejáveis. O papel rendeu à McDormand o Oscar de Melhor Atriz em 1997; a singularidade do roteiro também foi premiada pela Academia no mesmo ano. Tenso e peculiarmente divertido, “Fargo” é um exemplar genuíno de uma narrativa original e alucinante reconduzida às afetivas memórias interioranas dos geniais (e urbanos) irmãos minesotanos.

"Fargo" (1996) de Joel Coen e Ethan Coen - PolyGram Filmed Entertainment [gb] | Working Title Films [gb]

Olhos de Vampa (Olhos de Vampa, Brasil, 1996)

Direção: Walter Rogério

Sob a alcunha de “obra maldita” e condenado ao eterno fracasso, “Olhos de Vampa” é um filme relativamente raro. Afinado com o gênero de terror, esse peculiar suspense policial acabou sendo atirado em qualquer fundo de gaveta logo após ser alvo de uma espécie de “censura mercadológica”, essa responsável por promover insistentes intervenções em produções cinematográficas realizadas no período pós-retomada. Subjugada, esquecida e ocultada nos arquivos da filmografia nacional durante anos, a película fora rodada uma única vez durante seu lançamento no Festival de Brasília. Contudo, uma inesperada exibição em 2004, durante a 28ª Mostra Internacional de São Paulo, trouxe à tona a curiosa indiscrição em relação ao longa, inflamando olhos afoitos para acompanhar uma projeção quase inédita.

No mesmo período, algumas cópias foram lançadas em VHS e DVD, permitindo que o filme restabelecesse sua trajetória de circulação, embora viesse a ser apreciado apenas por um grupo bem específico. Ou seja, mesmo não sendo fáceis, esforços para conhecer o último projeto de Walter Rogério como diretor eram sempre possíveis. Inclusive, nosso eventual contato com “Olhos de Vampa” foi fortuito e absolutamente oportuno; duas sessões marcaram sua extraordinária apresentação em Belo Horizonte, ocorrida há pouco mais de dois anos na primeira edição da mostra “Medo e Delírio no Cinema Brasileiro Contemporâneo”.

A trama se desenrola quando uma jovem é encontrada morta em pleno Parque do Ibirapuera. A partir desse evento, crimes semelhantes continuam a aterrorizar mulheres que diariamente transitam pelo bairro de Pinheiros, em São Paulo. Os assassinatos são imediatamente ligados à ação de um suposto serial killer, pois possuem um aspecto ritualístico incomum: todas as vítimas têm o sangue do corpo completamente sugado por uma mordida na nádega direita, sendo ainda amarradas pelos pulsos com uma fita isolante e tendo pêssegos enfiados na boca. Sob ordens do Delegado Arthur (Antônio Abujamra), Oscar (Marco Ricca) e Leôncio (Washington Luiz Gonzales) são os policiais que ficam encarregados de capturar o criminoso. Por meio de uma fotografia, os dois acabam reunindo estranhas evidências para seguir os passos do possível suspeito: o enigmático Vampa (Joel Barcellos).

De gosto questionável, “Olhos de Vampa” andou na contramão de trabalhos que propunham reerguer o Cinema Brasileiro. Numa análise básica, reconhece-se a louvável, porém frustrada tentativa de Walter Rogério em revisitar o cinema popular de gênero, buscando se aproximar ao clima libertino das pornochanchadas ou restaurar as façanhas autorais de produções estritamente baratas da Boca de Lixo Paulistana.

"Olhos de Vampa" (1996) de Walter Rogério - Magia Filmes [br]

A Rocha (The Rock, Estados Unidos, 1996)

Direção: Michael Bay

Intensidade e adrenalina sempre foram as marcas registradas do controverso produtor e diretor Michael Bay que, antes de se preocupar somente com o alcance da famigerada perfeição em explosões (principalmente na desconexa franquia de “Transformers”), mantinha pelos menos um de seus pés no chão realizando curtas, documentários e videoclipes até finalmente alcançar sucesso e reconhecimento com os primeiros trabalhos cinematográficos como, por exemplo, o divertido “Os Bad Boys” (1995), seu longa de estreia. De maneira positiva, “A Rocha” também está situada nessa linha do tempo.

Um grupo de ex-combatentes renegados pelas Forças Armadas dos Estados Unidos toma o controle da lendária penitenciária de Alcatraz ao mesmo tempo em que se apropria de um conjunto poderoso de armas químicas e biológicas. Comandados pelo General Francis X. Hummel (Ed Harris), herói e veterano da Guerra do Vietnã, os soldados acabam fazendo 81 reféns e ameaçam disparar todo o arsenal disponível em direção à cidade de São Francisco caso uma quantia de cem milhões de dólares não fosse repassada a eles. Um dos principais objetivos do motim seria o de doar grande parte da quantia exigida às famílias de soldados mortos em missões secretas que nunca foram reconhecidas ou assumidas pelo exército e pelo governo.

Na nervosa e iminente tentativa de contra-atacar uma provável ação dos rebeldes instalados na ilha, o FBI se vê forçado a formar um esquadrão especial de combate, recorrendo a figuras distintas como Stanley Goodspeed (Nicolas Cage), um jovem especialista em armamentos bioquímicos; e o ex-presidiário John Patrick Mason (Sean Connery), único homem que conseguiu escapar com vida do famoso presídio. Por fim, os dois acabam tomando frente e liderando uma refutada ofensiva ante aos militares.

Entretenimento na medida certa para aqueles que procuram descontração com um bom exemplar do gênero, “A Rocha” ainda oferece uma trama bem amarrada e conta com ótimas interpretações de atores que, assim como Bay, tem grande parte dos trabalhos contestados ao longo da carreira (muito embora os fortes estereótipos também tenham ajudado a construir com retidão o ardil protocolar e severo comum em filmes sobre o militarismo). Apesar dos elogios, cabe ressaltar que a narrativa se perde um pouco nas exageradas sequências de ação próximas ao ato final; o que não chega a estragar o ritmo e nem tornar cansativo o momento de curtição do espectador, mas já evidencia os traços megalomaníacos e espetaculosos da personalidade de um cineasta constantemente perseguido pela crítica.

"The Rock" (1996) de Michael Bay - Hollywood Pictures [us] | Don Simpson/Jerry Bruckheimer Films [us]

Independence Day (Independence Day, Estados Unidos, 1996)

Direção: Roland Emmerich

Um dos principais sucessos de bilheteria dos anos 90, “Independence Day” configurava-se antes mesmo de sua estreia como, se não o maior, um dos maiores clássicos da ficção científica contemporânea, pelo menos no que se referia à utilização dos efeitos especiais, bem como a espantosa e magnética capacidade de entreter seu espectador, mantendo-o sempre colado na poltrona. Dirigida pelo alemão Roland Emmerich, a mais nova megaprodução hollywoodiana se propagava por inúmeras salas ao redor do mundo evocando o fascínio e o medo hospedados no âmago da sociedade global, constantemente preocupada com as prováveis consequências de uma invasão alienígena.

Como já foi dito, o encantamento se deu, inicialmente, pelo belo espetáculo visual que os trailers da época nos proporcionavam. A cena de destruição da Casa Branca em Washington, por exemplo, é uma das mais icônicas da história recente do cinema e, invariavelmente, costuma ser lembrada até por pessoas que sequer tenham assistido ao filme. Todo o cartaz e o gabarito que a marca “Independence Day” vinha conquistando ainda em seu processo de filmagem garantiriam uma susceptibilidade permissiva, tanto ao diretor quanto aos produtores envolvidos no projeto, para que pouco se preocupassem em oferecer ao público uma história densa e com arco dramático bem construído.

Fugindo de polêmicas e de possíveis teorias conspiratórias, o enredo despretensioso e ingênuo acompanha David Levinson (Jeff Goldblum), um expert em comunicação por satélites que se reúne com o presidente dos Estados Unidos, Thomas J. Withmore (Bill Pullman), com o intuito de alertá-lo sobre uma transmissão vinda do espaço que ele teria interceptado e decodificado, revelando algo parecido com uma contagem regressiva. As medidas e ações deveriam ser tomadas com muita rapidez, afinal espaçonaves gigante começavam a aparecer em vários cantos da Terra, demostrando uma atitude hostil e nada amistosa.

Os pontos negativos do longa caminham junto com a previsibilidade narrativa. Há de se criticar os excessos com relação ao enaltecimento do nacionalismo estadunidense, emanado à exaustão por figuras patrióticas e heroicas que nunca abandonam o clichê quase inoperante que afirma que somente a força de vontade do ser humano é capaz de combater raças ou tecnologias infinitamente superiores (caso do Capitão Steven Hiller, interpretado por Will Smith). Exageros e críticas à parte, é importante agregar valores à realização de “Independence Day”, que merece destaque significativo em qualquer lista de grandes filmes, pois criou um novo conceito ao modernizar e inaugurar uma nova fase para os filmes-catástrofe.

"Independence Day" (1996) de Roland Emmerich
Twentieth Century Fox Film Corporation [us] | Centropolis Entertainment [us]

Shine - Brilhante (Shine, Austrália, 1996)

Direção: Scott Hicks

Completamente atormentado, um insólito desconhecido chega a um restaurante em uma noite chuvosa. Dotado de hábitos e trejeitos peculiares, o homem se mostra um sujeito de personalidade excêntrica, que é imediatamente contrabalançada pela incomum habilidade de domar o piano do estabelecimento. Compassiva, a gerente do local manifesta sua solidariedade abrigando-o em sua casa e ouvindo atentamente as suas histórias. A partir deste momento começa a ser revelada, através de flashbacks, a vida do pianista australiano David Helfgott, músico de talento apreciável que desde muito cedo demonstrava um talento surpreendentemente harmonioso para a linguagem dos sons.

Vencedor do BAFTA, do Globo de Ouro e do Oscar de Melhor Ator pela interpretação de Helfgott, Geoffrey Rush se doa para o personagem de uma forma raramente vista, oferecendo ao público a oportunidade de se apaixonar por uma das figuras mais incríveis e inspiradoras da antologia cinematográfica. Tangenciando o drama está o fato de que, como concertista, David jamais atingiu o nível que especialistas em música esperavam que ele atingisse, incluindo seu próprio pai, Peter (Armin Mueller-Stahl). Dessa forma, começamos a compreender como um prodigioso instrumentista passa a desenvolver graves problemas psicológicos, enfrentando desde a infância os conflitos com um pai autoritário e ambicioso que o pressionava para alcançar a perfeição e atingir o sucesso.

Indesejavelmente, erros cometidos por algumas famílias são capazes de destruir carreiras notáveis. No caso de Peter, fica clara a falta de instrução e capacidade compreensiva para administrar a carreira do filho. Desdobrada de maneira devastadora, a trajetória de Helfgott é marcada pela súbita decadência. Cada vez mais afetado por distúrbios mentais e crises emocionais, as habilidades e os lampejos de genialidade do músico raramente vêm à tona. Anos mais tarde, com a ajuda da esposa, David volta a encarar um piano, retorna aos palcos e recebe, com toda justiça, a merecida aclamação popular e o reconhecimento da crítica especializada.

Dirigido pelo também australiano Scott Hicks, ex-produtor de documentários para a televisão, “Shine - Brilhante” é uma cinebiografia poderosa que transmite de maneira dolorosamente trágica a extravagância que sempre vem embutida no caráter de grandes artistas. A trilha sonora também é impecável, com grande parte das melodias compostas pelo próprio David Helfgott, bem como o “Concerto para Piano n° 3”, tocado na cena mais emblemática do filme; afinal, Rachmaninoff é um deleite para os ouvidos e para os corações de qualquer pessoa apaixonada pelo cinema, pela música e pela vida!

"Shine" (1996) de Scott Hicks - Australian Film Finance Corporation (AFFC) [au]
Film Victoria [au] | South Australian Feature Film Company [au]

Dessa forma, chegamos ao fim da nossa retrospectiva! Caso queiram relembrar os filmes apresentados anteriormente nos outros artigos, basta continuar navegando pela nossa página ou clicar nos links correspondentes a cada uma das partes que seguem logo abaixo:

PARTE I                PARTE II                PARTE III

Particularmente, reafirmo que cumprir com antecedência as metas de um desafio que estabeleci no final do mês passado renovaram completamente a minha confiança, me enchendo de ânimo para continuar mantendo esse espaço vivo. Dezembro começará com novos desafios, dos quais também pretendo cumprir todos, oferecendo aos leitores informações das quais julgo relevantes para compartilharmos juntos o nosso Amor pelo Cinema. A lista dos melhores filmes do ano (tanto os nacionais quanto os internacionais) já está sendo preparada para mais duas publicações especiais.

Transbordado de esperança, já garanto que a retrospectiva “20 Filmes que completam 20 Anos em 2017” voltará com força total e novamente em seu período habitual: julho do ano que vem. Apresentaremos a já tradicional revisão cinematográfica do nosso blog; dessa vez com uma lista de clássicos incríveis lançados no ano de 1997.

Até lá...

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