quinta-feira, 17 de novembro de 2016

20 Filmes que completam 20 Anos em 2016 | Parte II

O panorama sombrio que retrata uma juventude transviada inserida na desiludida sociedade dos anos 90; um filme que sobrevive pela discussão dicotômica do embasamento fraco de seu roteiro versus o delírio visual provocado por seus efeitos especiais; a original e controversa adaptação cinematográfica de uma das tragédia mais famosas de William Shakespeare; a compreensão das frustrações e dos dilemas sociais através do antagonismo sentimental que aproxima ou distancia o amor, o sexo e a morte; e o filme responsável por repaginar os gêneros do terror e do horror, traduzindo os seus códigos e transferindo a angústia e o medo para os dramas reais do mundo contemporâneo.

Continue acompanhando a retrospectiva especial que o Rotina Cinemeira faz ao longo deste mês de novembro. Estamos apresentando 20 importantes trabalhos produzidos e lançados no ano de 1996 que, cada um à sua maneira, tentam manter o fôlego e chegar vigorosos em 2016, completando os seus 20 anos. Filmes que, se ainda não estão, já deveriam estar nas estantes (ou nos HDs) de qualquer cinéfilo.

Trainspotting - Sem Limites (Trainspotting, Reino Unido, 1996)

Direção: Danny Boyle

Baseado no polêmico romance do escritor escocês Irvine Welsh, “Trainspotting - Sem Limites” é um exemplo genuíno de clássico instantâneo, não só por ter se transformado em um excepcional fenômeno de bilheteria no Reino Unido e nem por ter sido amplamente elogiado pela crítica ao redor do mundo. O segundo longa do diretor inglês Danny Boyle representou um verdadeiro estrondo cinematográfico, tornando-se um dos trabalhos mais cultuados dos anos 90; obra que sobrevive muito bem à passagem do tempo justamente por delinear e escancarar o retrato fiel de uma adolescência espúria, transviada e rebelde.

Na gíria da juventude escocesa, “trainspotting” significa uma atividade insensata que não possui a menor concepção de responsabilidade, algo tolo ou desponderado que se faz exclusivamente para passar o tempo. A expressão resume com exatidão a vida de Renton (Ewan McGregor), um jovem profundamente imerso no mundo das drogas e em constante luta para se libertar do vício, muito embora continue mantendo um completo fascínio pela euforia que o entorpecimento lhe proporciona. Em meio a recaídas e na companhia de amigos igualmente desajustados, o jovem suburbano perambula sem rumo pelas ruas de Edimburgo se embebedando em pubs e procurando qualquer tipo de confusão.

Fugindo do cotidiano banal e renunciando ao destino de se tornarem jovens sem perspectivas para a vida adulta, conhecemos Sick Boy (Jonny Lee Miller), um traficante casual e especialista em filmes de James Bond; Spud (Ewen Bremner), um sujeito que ainda tenta procurar emprego, mas nunca consegue por se julgar um tremendo fracassado; e Begbie (Robert Carlyle), um psicopata intempestivo e violento que arruma briga com qualquer pessoa que o provoque, ou não. Junta-se ao grupo Tommy (Kevin McKidd), que não pode ser considerado viciado, mas que eventualmente acaba seguindo os mesmos passos dos companheiros. A heroína é o barato predileto, capaz de produzir euforia extrema em uma única picada, um breve alívio que dura o tempo necessário para abrandar os problemas e rebaixar a nossa condição de existência ao denominador zero.

O panorama controverso e nada convencional explanado por “Trainspotting - Sem Limites” é duro, sombrio e desolador. Sobretudo porque a rotina alucinante vivida por esses jovens não vinha às telas para promover e levantar a bandeira do livre uso das drogas. De maneira inteligente, sem moralismos e sem meia palavras, Boyle conseguiu traduzir a mensagem de desesperança que Welsh pretendia transmitir ao publicar seu livro no início da década de 90.

"Trainspotting" (1996) de Danny Boyle - Channel Four Films [gb] | Figment Films [gb]
The Noel Gay Motion Picture Company

Twister (Twister, Estados Unidos, 1996)

Direção: Jan de Bont

O holandês Jan de Bont sempre foi um excelente cinegrafista e trabalhou como diretor de fotografia em excelentes filmes, muitos deles em parceria com o compatriota Paul Verhoeven; isso aconteceu bem antes de ambos deixarem a Europa para construir suas carreiras em Hollywood. A sintonia fina e a maneira como de Bont operava suas câmeras foram essenciais para que ele desenvolvesse algumas características peculiares e estabelecesse uma maior afinidade com o gênero de ação, responsável também pela tônica impressa em todos os seus cinco longas, incluindo o terror “A Casa Amaldiçoada” (1999).

Entretanto, foi o seu primeiro trabalho como diretor que provocou grande estouro. O eletrizante “Velocidade Máxima” (1994) foi elogiado tanto pelo público quanto pela crítica especializada. “Twister”, o projeto seguinte, foi recepcionado com o mesmo alvoroço, mas não construiu uma carreira de sucesso e sequer obteve reconhecimento semelhante. Produzido pela Amblin Entertainment de Steven Spielberg, o filme conta a história de dois grupos de caçadores de tempestades rivais que, durante uma tormenta sem precedentes no deserto de Oklahoma, pretendem entrar para a história do mundo científico ao tentar implantar sensores em tornados. Os dispositivos iriam transferir para um computador informações necessárias para prever as suas chegadas nas cidades, prevenindo assim maiores catástrofes. A frente de uma das equipes está a Doutora Jo Harding (Helen Hunt), uma jovem obcecada pela ideia de enfrentar tornados. Ainda criança a cientista presenciou a morte do pai, impiedosamente sugado por um destes turbilhões de vento.

Momentaneamente elencado como o filme favorito de muitos adolescentes da década de 90, “Twister” encanta pelos efeitos especiais oferecidos; funciona como um divertido espetáculo visual digno das melhores sessões da “Sessão da Tarde”, mas sem nunca passar disso. A honesta interpretação de Helen Hunt, por exemplo, representa a tentativa falha de sustentar o filme por um eixo dramático diluído pela ação. Fora isso, percebemos nas revisões o quanto o filme envelhece mal, chegando ao ponto de constatarmos que a aberração científica proposta pelo roteiro não sublima a antologia de imagens e a engenhosa gama de sons produzidos. Clássico ou não, o filme tem a seu favor a discussão dessa dicotomia para se manter vivo.

“Twister” ainda tem a curiosa marca de ter sido o primeiro filme da história de Hollywood (e de todos os Estados Unidos) lançado no formato de DVD, inicialmente programado como um teste para o sistema “Surround Soud 2.1”. Uma cópia relíquia, sem querer, histórica!

"Twister" (1996) de Jan de Bont - Warner Bros. [us] | Universal Pictures [us]
Amblin Entertainment [us] | Constant c Productions [us]

Romeu + Julieta (Romeo + Juliet, Estados Unidos, 1996)

Direção: Baz Luhrmann

A profusão visual e a estética glamorosa presentes nas obras do australiano Baz Luhrmann são marcas mundialmente conhecidas desde a sua tímida estreia como cineasta no longa “Vem Dançar Comigo” (1992). Mas foi apenas quatro anos mais tarde, com a original e controversa adaptação cinematográfica da tragédia shakespeariana “Romeu e Julieta”, que o talentoso diretor e roteirista ganhou projeção internacional no meio cinematográfico. Trabalhando a quatro mãos com o amigo e constante colaborador Craig Pearce, Luhrmann simplificou a trama focando somente nos episódios mais famosos da relação de discórdia entre Montéquios e Capuletos e, mesmo mantendo o requinte dos diálogos, foi certeiro ao trazer os acontecimentos para os dias atuais; o que acabou conquistando de forma implacável o público adolescente.

O hype de “Romeu + Julieta” entre os jovens foi ainda maior pela presença de Leonardo DiCaprio no elenco. À época, o novo ídolo teen garantia o bom desempenho nas bilheterias de todas as produções que participava, independente da qualidade das mesmas; e esse destaque é dado sem sequer mencionar o aumento do seu prestígio no mundo do cinema após estrelar dois filmes de sucesso: “Eclipse de uma Paixão” e “Diário de um Adolescente”, ambos de 1995. No embuste contemporâneo de Shakespeare, DiCaprio vive Romeu Montéquio, um jovem que acaba convencido pelo primo, Benvolio (Dash Mihok), e pelo melhor amigo, Mercutio (Harold Perrineau), a participar de um baile de máscaras realizado na fictícia Verona Beach.

A cidade de ares californianos torna-se o palco do descarrego de todas as animosidades dos Montéquios e da fúria ensandecida dos Capuletos, famílias que controlam as maiores parcelas dos conglomerados empresariais instalados por lá. O baile para onde Romeu, Benvolio e Mercutio estão se dirigindo trata-se, inclusive, de uma festa promovida por Fulgencio Capuleto (Paul Sorvino) para noivar sua filha, Julieta (Claire Danes), com o filho do governador, Dave Paris (Paul Rudd); tudo fruto de uma transação comercial estratégica. Como casamentos arranjados geralmente estão fadados ao fracasso, ao contrário dos romances proibidos, Romeu e Julieta se apaixonam instantaneamente e prometem ir às últimas consequências para manter viva uma relação ameaçada pela belicosa rivalidade entre suas famílias.

Carros substituem cavalos; espadas dão lugar a armas de fogo; e a música pop embala toda essa crônica sobre a morte (esta, a única imutável). Mesmo com imperfeições, “Romeu + Julieta” traduz de maneira responsável essa espécie de modernização suburbana de uma das mais famosas peças de William Shakespeare.

"Romeo + Juliet" (1996) de Baz Luhrmann - Bazmark Films [us] | Twentieth Century Fox Film Corporation [us]

Crash - Estranhos Prazeres (Crash, Canadá | Reino Unido, 1996)

Direção: David Cronenberg

Vencedor do Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes de 1996, onde também foi nomeado à Palma de Ouro, “Crash - Estranhos Prazeres” se envereda por particularidades da subcultura underground para levar-nos a compreender as frustrações e os dilemas do modo de vida predominante na sociedade contemporânea, sobretudo a ocidental. Distando da linha comportamental, mas sem se desprender inteiramente dela, estão os nossos maiores antagonismos sentimentais: o amor, o sexo, a morte e o distanciamento em relação aos outros seres humanos.

Baseado no romance homônimo do britânico J. G. Ballard, o filme tangencia o drama particular do publicitário James Ballard (James Spader), que tem a vida completamente abalada após se envolver em um violento acidente automobilístico. O seu carro atinge outro veículo no qual estava um casal; o homem acaba morrendo e a mulher, Helen Remington (Holly Hunter), fica por algum tempo internada em estado grave. Após o trauma e a natural fase de não aceitação, Helen decide procurar James que, por sua vez, passa a desenvolver uma doentia atração sexual por ela. Os dois se tornam amantes e passam a frequentar reuniões de um grupo de pessoas entediadas com suas relações afetivas que buscam elevar a satisfação e os prazeres libidinosos justamente na reconstrução de famosos desastres com automóveis.

O preenchimento do vazio estranhado destas pessoas se dá por um fetiche mordaz que é, ao mesmo tempo, inconsequente e compassivo. Afinal, para conseguir atingir o êxtase ou o orgasmo, as reconstituições são propositalmente sobrepensadas e feitas sem nenhuma segurança, aumentando de forma sensível a excitação e o risco para os participantes. Como consequência, a descoberta deste prazer atípico também faz com que James e sua esposa, Catherine (Deborah Kara Unger), revigorem o apetite sexual da relação permitindo que todas as fantasias comecem a ser realizadas, quase sempre no interior de carros acidentados.

Um dos trabalhos mais profundos e interessantes de David Cronenberg, “Crash - Estranhos Prazeres” merece constantes revisões, justamente por tratar da expressão de sentimentos da maneira mais complexa possível, utilizando o sexo e sua natural característica transgressora como plano de desenvolvimento, tudo dentro de uma temática constantemente mal vista ou mal interpretada no cinema. Classificar o filme como uma peça depravada de “soft-porn”, por exemplo, representa somente uma tentativa fracassada de rechaçar a verdadeira mensagem que ele transmite: a de que todos nós somos movidos por um comburente mais forte que o amor e a morte.

"Crash" (1996) de David Cronenberg - Alliance Communications Corporation [ca]
Movie Network, The (TMN) [ca] | Recorded Picture Company (RPC) [gb] | Téléfilm Canada [ca]

Pânico (Scream, Estados Unidos, 1996)

Direção: Wes Craven

Grande representante do gênero de horror e maior nome dos filmes de terror para adolescentes, Wes Craven foi um dos principais responsáveis por colocar nas telas de cinema todos os nossos piores pesadelos. O diretor primava pelo entretenimento sem nunca deixar de lado o sadismo e o realismo brutal, características que sempre permeavam as narrativas de seus filmes e, sobretudo, definiam a funesta personalidade de suas principais personagens. Foi dessa forma que Craven obteve grandes elogios, conquistando reconhecimento já em seu primeiro trabalho, o amedrontador e controverso “Aniversário Macabro” (1972).

Entretanto, o dono do imaginário inventivo e fantasmagórico que foi capaz de idealizar “A Hora do Pesadelo” (1984), uma das obras-primas do terror moderno, entrava nos anos 90 espalhando dúvidas e incertezas sobre a sua real capacidade de criação com a produção de filmes que não empolgaram o público como, por exemplo, “As Criaturas Atrás das Paredes” (1991), hoje um clássico cult; e “Um Vampiro no Brooklyn” (1995), o perdoável deslize. Quando muitos davam como certa o fim de uma carreira relativamente curta, Wes Craven surpreende ao assinar “Pânico”, dando início a uma das franquias mais populares e bem-sucedidas de todos os tempos.

Com sucesso instantâneo e estouro assombroso nas bilheterias dos Estados Unidos, “Pânico” ainda conta com um dos prólogos mais assustadores e horripilantes da história do cinema. Em uma misteriosa chamada telefônica, um sujeito fanático ameaça a vida da jovem Casey Becker (Drew Barrymore), que só sobreviveria se respondesse corretamente às perguntas de um macabro quiz sobre os clássicos filmes de terror americanos. Já na trama principal, a inocente e virtuosa Sidney Prescott (Neve Campbell) não mede esforços para combater e sobreviver ao mesmo maníaco que apavorou Casey. A garota ainda contará com a ajuda de Gale Weathers (Courteney Cox), uma famigerada repórter sensacionalista que segue os rastros do serial killer, que se revela um completo trapalhão escondido atrás de uma (famosa) máscara ridiculamente medonha.

“Pânico” foi o grande responsável por repaginar o gênero de terror, traduzindo os seus códigos e transferindo a angústia e o medo para os dramas reais da contemporaneidade; além de ter possibilitado que Wes Craven brincasse com os próprios clichês e convenções dos filmes que o tornaram famoso. A sua franquia se lançou com uma sequência imediata, “Pânico 2” (1997), e uma mais vindoura, “Pânico 3” (2000); anos mais tarde veio “Pânico 4” (2011), último projeto comandado pelo diretor, falecido no ano passado.

"Scream" (1996) de Wes Craven - Dimension Films [us] | Woods Entertainment [us]

Para ver ou relembrar os filmes que foram apresentados na PARTE I da nossa retrospectiva, basta visitar o artigo clicando no link AQUI.

E continuem acompanhando a nossa revisão cinematográfica, que retornará com PARTE III já na próxima semana!

Até lá...

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