quinta-feira, 24 de novembro de 2016

20 Filmes que completam 20 Anos em 2016 | Parte III

Um conto adolescente que traduz uma das mais belas reflexões sobre a eloquência e a instabilidade do amor; um estouro de bilheteira responsável por consolidar o nome de um astro como um dos principais nomes do cinema de entretenimento; um épico grandioso perdido entre as ligeiras narrativas dos principais filmes da Hollywood dos anos 90; o filme que estabelece a marca definitiva de uma das mais famosas e notórias colaborações entre amigos que amam fazer cinema; e o drama sensivelmente amargo e dilacerador que coloca em evidência o caráter transcendental do amor e faz severas críticas à hipocrisia de algumas instituições religiosas.

Continuem acompanhando a retrospectiva que o Rotina Cinemeira vem realizando ao longo deste mês de novembro. Apresentamos aqui 20 importantes trabalhos produzidos e lançados no ano de 1996. Clássicos instantâneos e filmes inesquecíveis que, mesmo completando 20 longos anos, ainda continuam alimentando a curiosidade dos fãs da Sétima Arte pelo mundo. Preciosidades que já deveriam estar nas estantes (ou nos HDs) de qualquer cinéfilo.

Conto de Verão (Conte d’Été, França, 1996)

Direção: Éric Rohmer

Terceiro longa da afetuosa série intitulada “Contos das Quatro Estações”, dirigida pelo francês Éric Rohmer, “Conto de Verão” talvez represente uma das mais belas reflexões sobre a eloquência e a instabilidade do amor. Movidos pelos desencontros e marcados pela desorientação, nossos sentimentos são absurdamente inflamáveis e carregados tanto de certezas quanto de incertezas. Nos apegamos aqui a uma característica típica do ser humano, que é a de nunca saber o que querer ou o que esperar da vida, principalmente quando ainda somos tão jovens como os protagonistas do filme.

Durante as férias de verão, Gaspard (Melvil Poupaud) viaja para o balneário bretão de Dinard, no noroeste da França, onde pretende passar algumas semanas com Lena (Aurelia Nolin), uma amiga por quem está apaixonado. O fato começa a tomar contornos descabidos quando percebemos que Gasrpard não sabe ao certo se Lena realmente aparecerá para o encontro, o que acaba transformando os seus dias e horas de espera em tédio e inquietação que se esvaem pela praia. Em uma de suas andanças, o rapaz conhece Margot (Amanda Langlet), uma garota simpática que trabalha como garçonete em uma creperia à beira-mar. Os dois logo se tornam amigos e passam a preencher seus longos períodos de ociosidade com passeios e conversas agradáveis, fazendo-os se aproximar cada vez mais.

Cativado pela forma despreocupada como Margot leva a vida, Gaspard começa a demonstrar nítido interesse por ela, embora sempre se hesite nas tentativas de contar sobre os verdadeiros motivos de sua viagem. Conduzido pela aparente sensatez da amiga em relação aos assuntos que discutem, o jovem é constantemente provocado e confrontado por tiradas ácidas e certeiras acerca do amor. Os desentendimentos fazem com que os encontros com Margot fiquem menos frequentes e ainda permitem que Gaspard conheça melhor a sensual e provocante Solene (Gwenaëlle Simon); embora meticuloso, o interesse repentino da garota marcados por encontros casuais fazem muito bem para o seu ego. Mas quando toda a jornada de descobertas parecia caminhar para um final libertador/transformador, Gaspard esbarra por acaso com Lena, que chegou a Dinard há alguns dias sem sequer entrar em contato com ele.

Os desenlaces minimalistas de “Conto de Verão” são dados como nos demais filmes da série; obras que vêm com a proposta de aproximar de maneira íntima o espectador ao cotidiano das personagens, assumindo um caráter existencialista e especulativo para explicar o que é relativamente inexplicável: a letargia de nossas ações.

"Conte d'Été" (1996) de Éric Rohmer - Canal+ [fr] | La Sept Cinéma [fr] | Les Films du Losange [fr] | Sofilmka [fr]

Missão: Impossível (Mission: Impossible, Estados Unidos, 1996)

Direção: Brian De Palma

Após uma operação fracassada liderada por Jim Phelps (John Voight), o agente especial Ethan Hunt (Tom Cruise) é acusado por uma suposta atitude desleal que culminou em um grave incidente na cidade de Praga, onde maioria de seus companheiros acabaram sendo assassinados. Enquanto busca provar sua inocência, Ethan entra em contato com outros agentes desligados da organização com o objetivo de criar um grupo de espionagem independente. Com o auxílio de Franz Krieger (Jean Reno), Claire Phelps (Emmanuelle Béart) e Luther Stickell (Ving Rhames), Hunt arquiteta um arriscado estratagema afim de recuperar uma lista secreta guardada dentro da fortificada e intransponível Sede da CIA, documento no qual se revelam os verdadeiros responsáveis pela fatalidade.

Estouro comercial que representou um dos maiores sucessos de bilheteria no ano de 1996, “Missão: Impossível” consolidava o nome de Tom Cruise como uma das principais personalidades do cinema e do entretenimento nos Estados Unidos. Junto com a agente e amiga Paula Wagner, o ator fundava a Cruise/Wagner Productions e, pela primeira vez na carreira, participava de um audacioso projeto cinematográfico como produtor. Após engatar uma parceria com o executivo Paul Hitchcock e conseguir parte do financiamento através da Paramout Pictures, o primeiro desafio da dupla seria adaptar para as telas uma das mais famosas séries da TV americana. Idealizada por Bruce Geller, “Missão: Impossível” alcançou êxito significativo entre as décadas de 60 e 70 e encarou um tímido retorno no final dos anos 80.

Com ambiciosas pretensões para conquistar espectadores ao recobrar as marcas impressas pelo seriado há um par de décadas, Cruise e os demais produtores decidiram que a redação do argumento final ficaria a cargo dos consagrados roteiristas David Koepp, de “Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros” (1993), e Robert Towne, vencedor do Oscar por “Chinatown” (1974); por fim, o comando das ações ainda foi entregue nas mãos virtuosas do já experiente Brian De Palma.

Em uma franca depreensão, a excelência alcançada por um trabalho carregado de entusiasmo como “Missão: Impossível” já seria suficiente para colocá-lo entre os melhores filmes de ação realizados em todos os tempos, inclusive por continuar rendendo continuações bem-sucedidas para uma franquia vigorosa e em constante evolução. Habitualmente classificado como um clássico moderno do gênero, foi rodado em um período onde as produções passaram a ser muito mais afinadas (leia-se: “apoiadas”) aos efeitos especiais computadorizados, uma era pré-explosões que ainda não conhecia câmeras tão velozes ou astros essencialmente furiosos.

"Mission: Impossible" (1996) de Brian De Palma - Paramount Pictures [us] | Cruise/Wagner Productions [us]

O Paciente Inglês (The English Patient, Estados Unidos | Reino Unido, 1996)

Direção: Anthony Minghella

Grande vencedor da cerimônia de entrega do Oscar de 1997, arrebatando um total de nove estatuetas (incluindo melhor filme, melhor diretor e melhor atriz coadjuvante para Juliette Binoche), “O Paciente Inglês” já tinha se transformado em um dos projetos mais ambiciosos e arriscados da indústria do cinema ainda na fase de concepção, justamente pelo fato de investir uma boa quantia de dinheiro em um projeto que provavelmente não encantaria o grande público (o que, de certa forma, acabou acontecendo). O diretor e roteirista Anthony Minghella baseou-se no premiado romance de Michael Ondaatje para contar uma cruel e comovente história de amor proibido que prosperou durante atemorizados tempos de guerra.

Hana (Binoche), uma jovem enfermeira canadense, é voluntária de um mosteiro abandonado que funcionava como hospital durante os momentos finais da Segunda Guerra Mundial na Itália. Ela oferece cuidados a um desconhecido (Ralph Fiennes), cuja única informação sabida é a de que se tratava de um piloto de avião que se encontrava desmemoriado e completamente desfigurado por queimaduras que sofrera após seu bimotor ter sido abatido na África Subsaariana. Por falta de identificação após ter sido resgatado por beduínos, o militar fica conhecido apenas como “paciente inglês”.

Recobrado de consciência, o resignado homem se revela como o conde húngaro Laszlo Almásy. Com o tempo, ele começa a relembrar e narrar para Hana as memórias do envolvimento sentimental que estabeleceu com Katherine Clifton (Kristin Scott Thomas), mulher de seu melhor amigo, e de como o amor que sentia por ela fora fortemente correspondido durante os anos. Carregado de mistérios, o passado de Laszlo vai sendo revelado através de flashbacks, mas, ao mesmo tempo que determinadas recordações lhe surgem na mente, outros pequenos detalhes parecem se manter submegidos, como se fatos obscuros (ou até mesmo trágicos) quisessem continuar enterrados ou esquecidos.

Há quem diga que “O Paciente Inglês” é uma excelente peça cinematográfica, mas que se torna cansativa e perde o fôlego duarante alguns momentos devido a sua extensa duração (a história é contada ao longo de quase três horas). Entretanto, essa crítica é totalmente enfraquecida quando levamos em conta que, no melhor estilo do cinema clássico, o longa se configura como um grande épico perdido entre as ligeiras narrativas dos principais filmes hollywodianos dos anos 90. Árida, amarga e poética, a direção de Minghella é admirável, pois consegue manter a atenção do espectador de maneira eficiente do início ao fim da projeção.

"The English Patient" (1996) de Anthony Minghella - Miramax [us] | Tiger Moth Productions

Um Drink no Inferno (From Dusk Till Dawn, Estados Unidos, 1996)

Direção: Robert Rodriguez

Filme que estabelece a marca definitiva da notória colaboração entre os amigos Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, “Um Drink no Inferno” é destacado por representar uma ode ao gênero exploitation e uma louvação encarniçada aos filmes de terror contemporâneos a ele. Sua história foi concebida por Robert Kurtzman, famoso nos meios de produção do cinema estadunidense por seus trabalhos com efeitos especiais e maquiagens protéticas. Kutzman foi, inclusive, a primeira pessoa a contratar e pagar para que Tarantino desenvolvesse o roteiro de um longa que não fosse o seu. Por mil e quinhentos dólares, o já premiado diretor e roteirista aprimorou e reescreveu um argumento baseado neste conto curto sobre um (previamente pensado) filme de ação envolto por uma atmosfera sombria e paramentado por elementos trash.

Acusados por promoverem um sangrento massacre após um assalto à banco no Texas, os irmãos Seth Gecko (George Clooney) e Richard Gecko (Quentin Tarantino) agora são procurados pela polícia como uma dupla de criminosos ameaçadores e sem escrúpulos. Em fuga, os dois sequestram o ex-pastor Jacob Fuller (Harvey Keitel) e seu casal de filhos (Juliette Lewis e Ernest Liu) afim de conseguirem atravessar a fronteira, chegando ao México. Na busca perturbada por um esconderijo temporário, o grupo acaba se refugiando na Titty Twister, uma estranha casa noturna aberta por toda a madrugada e frequentada por clientes muito peculiares.

Motoqueiros mal-encarados, caminhoneiros afoitos e transeuntes dementes que consomem doses cavalares de bebidas, violência e sensualidade (principalmente durante a arrebatadora e estonteante participação de Salma Hayek) preenchem esse ambiente desvairado, sádico e “pandemoniado”, dando a tônica perfeita para o inesperado plot twist de uma narrativa insana. Um desenrolar exagerado, mórbido e bizarro, no melhor sentido das palavras.

Para conseguir desfrutar um modesto, porém significativo sucesso nas bilheterias à época de seu lançamento, “Um Drink no Inferno” se aproveitou da crescente parceria Rodriguez/Tarantino ao longo da segunda metade da década de 90 e pegou carona no incontestável carisma de George Clooney, que brilhava como um dos protagonistas da série “Plantão Médico” (1994 - 2009). Alvo constante de críticas cruéis, o filme ganhou o status de cult movie ao longo dos anos justamente por esbanjar autenticidade na construção de diálogos inteligentes (cunho de uma assinatura poderosa); nas utilizações perfeitas de fotografia e trilha sonora; e na homenagem enxuta e sincera aos gêneros que pretendia reverenciar, sem criar novos códigos, mas divertindo e surpreendendo o espectador de forma positiva.

"From Dusk Till Dawn" (1996) de Robert Rodriguez
Dimension Films [us] | A Band Apart [us] | Los Hooligans Productions [us] | Miramax [us]

Ondas do Destino (Breaking the Waves, Dinamarca | Suécia | França | Holanda | Noruega | Islândia | Espanha, 1996)

Direção: Lars von Trier

Inquestionavelmente belo, “Ondas do Destino” é um drama amargo e dilacerador que se apoia na sensibilidade poética para explicar o transcendentalismo do amor incondicional e escancarar a ineficiência de algumas instituições religiosas. Bess McNeill (Emily Watson) vive em um povoado católico e ultraconservador do norte da Escócia. Apaixonada e feliz, a jovem se casa com Jan Nyman (Stellan Skarsgård), um dinamarquês que trabalha em uma plataforma petrolífera no Mar do Norte e que, mesmo não sendo bem-vindo, passa a morar nessa comunidade atulhada de beatos hipócritas. A relação do casal fica ainda mais intensa quando Bess descobre no sexo uma forma deleitável para amar sem discrição.

Entretanto, quando Jan retorna para o seu trabalho, acaba quebrando o pescoço ao sofrer um grave acidente. Ele recebe o diagnóstico de tetraplegia, uma situação que certamente o deixará incapacitado para o resto da vida. Bess, que tinha feito preces fervorosas por seu retorno incólume e por uma pronta melhora, passa a se sentir culpada por tudo o que aconteceu; e o seu drama só tenderia a aumentar, tendo em vista o que ainda por vir. Em completa condição de invalidez, Jan passa a sugerir que a esposa procure amantes, afim de que ela possa lhe contar detalhes sórdidos de suas aventuras sexuais fora do casamento.

Como em todo trabalho do polêmico diretor Lars von Trier, a temática central do longa tem caráter extremamente ofensivo, provocando certa estranheza e perplexidade ao espectador. O sentimento de desconforto é traduzido por uma ambiguidade explícita quando tão prontamente percebemos que, mesmo na insana relação com meros desconhecidos, Bess continua amando e desejando o marido que permanece preso a uma cama de hospital. Encarando situações terríveis e incisivamente sacrificiais, a mulher passa a ser subjugada de maneira hostil pelos membros de sua ignóbil sociedade que, por mais que mantenham uma sordidez velada, acabam evidenciando a face mais ordinária, negativa e falsa do comportamento humano, tipicamente generalista.

Tendo participado anteriormente de apenas um trabalho na televisão britânica, Emily Watson teve, em “Ondas do Destino”, uma das estreias mais triunfais e promissoras da história do cinema. Pelo papel de Bess, a atriz já garantia a primeira de suas duas indicações ao Oscar de Melhor Atriz. O filme também teve uma carreira vitoriosa pelos festivais que passou, vencendo o César de Melhor Filme Estrangeiro e recebendo nomeações importantes no Globo de Ouro, no Independent Spirit Awards e no Festival de Cannes.

"Breaking the Waves" (1996) de Lars von Trier
Arte [fr] | CoBo Fonds [nl] | Memfis Film [se] | Zentropa Entertainments [dk]

Para conhecer ou relembrar os filmes apresentados anteriormente na nossa retrospectiva, basta acompanhar os artigos navegando pela nossa página ou clicando nos links correspondentes, que seguem logo abaixo:

PARTE I                        PARTE II

E não deixem de conferir, na próxima semana, a conclusão de mais uma revisão cinematográfica com os últimos cinco filmes listados na Parte IV. Prometemos revelar mais alguns títulos incríveis!

Até lá...

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