Um conto adolescente que traduz uma das mais belas
reflexões sobre a eloquência e a instabilidade do amor; um estouro de bilheteira
responsável por consolidar o nome de um astro como um dos principais nomes do
cinema de entretenimento; um épico grandioso perdido entre as ligeiras
narrativas dos principais filmes da Hollywood dos anos 90; o filme que
estabelece a marca definitiva de uma das mais famosas e notórias colaborações
entre amigos que amam fazer cinema; e o drama sensivelmente amargo e
dilacerador que coloca em evidência o caráter transcendental do amor e faz severas
críticas à hipocrisia de algumas instituições religiosas.
Continuem acompanhando a retrospectiva que o Rotina Cinemeira vem realizando ao longo deste mês de novembro. Apresentamos
aqui 20 importantes trabalhos produzidos e lançados no ano de 1996. Clássicos
instantâneos e filmes inesquecíveis que, mesmo completando 20 longos anos,
ainda continuam alimentando a curiosidade dos fãs da Sétima Arte pelo mundo.
Preciosidades que já deveriam estar nas estantes (ou nos HDs) de qualquer
cinéfilo.
Conto de Verão (Conte d’Été, França, 1996)
Direção: Éric Rohmer
Terceiro longa da afetuosa série intitulada “Contos das Quatro Estações”, dirigida
pelo francês Éric Rohmer, “Conto de
Verão” talvez represente uma das mais belas reflexões sobre a eloquência e
a instabilidade do amor. Movidos pelos desencontros e marcados pela
desorientação, nossos sentimentos são absurdamente inflamáveis e carregados
tanto de certezas quanto de incertezas. Nos apegamos aqui a uma característica
típica do ser humano, que é a de nunca saber o que querer ou o que esperar da
vida, principalmente quando ainda somos tão jovens como os protagonistas do
filme.
Durante as férias de verão, Gaspard (Melvil Poupaud)
viaja para o balneário bretão de Dinard, no noroeste da França, onde pretende
passar algumas semanas com Lena (Aurelia Nolin), uma amiga por quem está
apaixonado. O fato começa a tomar contornos descabidos quando percebemos que
Gasrpard não sabe ao certo se Lena realmente aparecerá para o encontro, o que
acaba transformando os seus dias e horas de espera em tédio e inquietação que
se esvaem pela praia. Em uma de suas andanças, o rapaz conhece Margot (Amanda
Langlet), uma garota simpática que trabalha como garçonete em uma creperia à
beira-mar. Os dois logo se tornam amigos e passam a preencher seus longos
períodos de ociosidade com passeios e conversas agradáveis, fazendo-os se
aproximar cada vez mais.
Cativado pela forma despreocupada como Margot leva a
vida, Gaspard começa a demonstrar nítido interesse por ela, embora sempre se
hesite nas tentativas de contar sobre os verdadeiros motivos de sua viagem.
Conduzido pela aparente sensatez da amiga em relação aos assuntos que discutem,
o jovem é constantemente provocado e confrontado por tiradas ácidas e certeiras
acerca do amor. Os desentendimentos fazem com que os encontros com Margot
fiquem menos frequentes e ainda permitem que Gaspard conheça melhor a sensual e
provocante Solene (Gwenaëlle Simon); embora meticuloso, o interesse repentino
da garota marcados por encontros casuais fazem muito bem para o seu ego. Mas
quando toda a jornada de descobertas parecia caminhar para um final
libertador/transformador, Gaspard esbarra por acaso com Lena, que chegou a
Dinard há alguns dias sem sequer entrar em contato com ele.
Os desenlaces minimalistas de “Conto de Verão” são dados como nos demais filmes da série; obras
que vêm com a proposta de aproximar de maneira íntima o espectador ao cotidiano
das personagens, assumindo um caráter existencialista e especulativo para
explicar o que é relativamente inexplicável: a letargia de nossas ações.
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"Conte d'Été" (1996) de Éric Rohmer - Canal+ [fr] | La Sept Cinéma [fr] | Les Films du Losange [fr] | Sofilmka [fr] |
Missão: Impossível (Mission: Impossible, Estados Unidos,
1996)
Direção: Brian De Palma
Após uma operação fracassada liderada por Jim Phelps
(John Voight), o agente especial Ethan Hunt (Tom Cruise) é acusado por uma suposta
atitude desleal que culminou em um grave incidente na cidade de Praga, onde
maioria de seus companheiros acabaram sendo assassinados. Enquanto busca provar
sua inocência, Ethan entra em contato com outros agentes desligados da
organização com o objetivo de criar um grupo de espionagem independente. Com o
auxílio de Franz Krieger (Jean Reno), Claire Phelps (Emmanuelle Béart) e Luther
Stickell (Ving Rhames), Hunt arquiteta um arriscado estratagema afim de
recuperar uma lista secreta guardada dentro da fortificada e intransponível
Sede da CIA, documento no qual se revelam os verdadeiros responsáveis pela
fatalidade.
Estouro comercial que representou um dos maiores sucessos
de bilheteria no ano de 1996, “Missão:
Impossível” consolidava o nome de Tom Cruise como uma das principais
personalidades do cinema e do entretenimento nos Estados Unidos. Junto com a
agente e amiga Paula Wagner, o ator fundava a Cruise/Wagner Productions e, pela
primeira vez na carreira, participava de um audacioso projeto cinematográfico
como produtor. Após engatar uma parceria com o executivo Paul Hitchcock e
conseguir parte do financiamento através da Paramout Pictures, o primeiro
desafio da dupla seria adaptar para as telas uma das mais famosas séries da TV
americana. Idealizada por Bruce Geller, “Missão:
Impossível” alcançou êxito significativo entre as décadas de 60 e 70 e
encarou um tímido retorno no final dos anos 80.
Com ambiciosas pretensões para conquistar espectadores ao
recobrar as marcas impressas pelo seriado há um par de décadas, Cruise e os
demais produtores decidiram que a redação do argumento final ficaria a cargo
dos consagrados roteiristas David Koepp, de “Jurassic
Park: O Parque dos Dinossauros” (1993), e Robert Towne, vencedor do Oscar
por “Chinatown” (1974); por fim, o
comando das ações ainda foi entregue nas mãos virtuosas do já experiente Brian
De Palma.
Em uma franca depreensão, a excelência alcançada por um
trabalho carregado de entusiasmo como “Missão: Impossível” já seria suficiente
para colocá-lo entre os melhores filmes de ação realizados em todos os tempos,
inclusive por continuar rendendo continuações bem-sucedidas para uma franquia
vigorosa e em constante evolução. Habitualmente classificado como um clássico
moderno do gênero, foi rodado em um período onde as produções passaram a ser
muito mais afinadas (leia-se: “apoiadas”) aos efeitos especiais
computadorizados, uma era pré-explosões que ainda não conhecia câmeras tão
velozes ou astros essencialmente furiosos.
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"Mission: Impossible" (1996) de Brian De Palma - Paramount Pictures [us] | Cruise/Wagner Productions [us] |
O Paciente Inglês (The English Patient, Estados Unidos |
Reino Unido, 1996)
Direção: Anthony
Minghella
Grande vencedor da cerimônia de entrega do Oscar de 1997,
arrebatando um total de nove estatuetas (incluindo melhor filme, melhor diretor
e melhor atriz coadjuvante para Juliette Binoche), “O Paciente Inglês” já tinha se transformado em um dos projetos
mais ambiciosos e arriscados da indústria do cinema ainda na fase de concepção,
justamente pelo fato de investir uma boa quantia de dinheiro em um projeto que
provavelmente não encantaria o grande público (o que, de certa forma, acabou
acontecendo). O diretor e roteirista Anthony Minghella baseou-se no premiado
romance de Michael Ondaatje para contar uma cruel e comovente história de amor
proibido que prosperou durante atemorizados tempos de guerra.
Hana (Binoche), uma jovem enfermeira canadense, é
voluntária de um mosteiro abandonado que funcionava como hospital durante os
momentos finais da Segunda Guerra Mundial na Itália. Ela oferece cuidados a um
desconhecido (Ralph Fiennes), cuja única informação sabida é a de que se
tratava de um piloto de avião que se encontrava desmemoriado e completamente
desfigurado por queimaduras que sofrera após seu bimotor ter sido abatido na
África Subsaariana. Por falta de identificação após ter sido resgatado por
beduínos, o militar fica conhecido apenas como “paciente inglês”.
Recobrado de consciência, o resignado homem se revela
como o conde húngaro Laszlo Almásy. Com o tempo, ele começa a relembrar e
narrar para Hana as memórias do envolvimento sentimental que estabeleceu com
Katherine Clifton (Kristin Scott Thomas), mulher de seu melhor amigo, e de como
o amor que sentia por ela fora fortemente correspondido durante os anos.
Carregado de mistérios, o passado de Laszlo vai sendo revelado através de
flashbacks, mas, ao mesmo tempo que determinadas recordações lhe surgem na
mente, outros pequenos detalhes parecem se manter submegidos, como se fatos
obscuros (ou até mesmo trágicos) quisessem continuar enterrados ou esquecidos.
Há quem diga que “O
Paciente Inglês” é uma excelente peça cinematográfica, mas que se torna
cansativa e perde o fôlego duarante alguns momentos devido a sua extensa
duração (a história é contada ao longo de quase três horas). Entretanto, essa
crítica é totalmente enfraquecida quando levamos em conta que, no melhor estilo
do cinema clássico, o longa se configura como um grande épico perdido entre as
ligeiras narrativas dos principais filmes hollywodianos dos anos 90. Árida,
amarga e poética, a direção de Minghella é admirável, pois consegue manter a
atenção do espectador de maneira eficiente do início ao fim da projeção.
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"The English Patient" (1996) de Anthony Minghella - Miramax [us] | Tiger Moth Productions |
Um Drink no Inferno (From Dusk Till Dawn, Estados Unidos, 1996)
Direção: Robert
Rodriguez
Filme que estabelece a marca definitiva da notória
colaboração entre os amigos Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, “Um Drink no Inferno” é destacado por
representar uma ode ao gênero exploitation
e uma louvação encarniçada aos filmes de terror contemporâneos a ele. Sua
história foi concebida por Robert Kurtzman, famoso nos meios de produção do
cinema estadunidense por seus trabalhos com efeitos especiais e maquiagens
protéticas. Kutzman foi, inclusive, a primeira pessoa a contratar e pagar para
que Tarantino desenvolvesse o roteiro de um longa que não fosse o seu. Por mil
e quinhentos dólares, o já premiado diretor e roteirista aprimorou e reescreveu
um argumento baseado neste conto curto sobre um (previamente pensado) filme de
ação envolto por uma atmosfera sombria e paramentado por elementos trash.
Acusados por promoverem um sangrento massacre após um
assalto à banco no Texas, os irmãos Seth Gecko (George Clooney) e Richard Gecko
(Quentin Tarantino) agora são procurados pela polícia como uma dupla de criminosos
ameaçadores e sem escrúpulos. Em fuga, os dois sequestram o ex-pastor Jacob
Fuller (Harvey Keitel) e seu casal de filhos (Juliette Lewis e Ernest Liu) afim
de conseguirem atravessar a fronteira, chegando ao México. Na busca perturbada
por um esconderijo temporário, o grupo acaba se refugiando na Titty Twister,
uma estranha casa noturna aberta por toda a madrugada e frequentada por
clientes muito peculiares.
Motoqueiros mal-encarados, caminhoneiros afoitos e
transeuntes dementes que consomem doses cavalares de bebidas, violência e
sensualidade (principalmente durante a arrebatadora e estonteante participação
de Salma Hayek) preenchem esse ambiente desvairado, sádico e “pandemoniado”, dando
a tônica perfeita para o inesperado plot
twist de uma narrativa insana. Um desenrolar exagerado, mórbido e bizarro,
no melhor sentido das palavras.
Para conseguir desfrutar um modesto, porém significativo
sucesso nas bilheterias à época de seu lançamento, “Um Drink no Inferno” se aproveitou da crescente parceria Rodriguez/Tarantino
ao longo da segunda metade da década de 90 e pegou carona no incontestável
carisma de George Clooney, que brilhava como um dos protagonistas da série “Plantão Médico” (1994 - 2009). Alvo
constante de críticas cruéis, o filme ganhou o status de cult movie ao longo dos anos justamente por esbanjar autenticidade
na construção de diálogos inteligentes (cunho de uma assinatura poderosa); nas
utilizações perfeitas de fotografia e trilha sonora; e na homenagem enxuta e
sincera aos gêneros que pretendia reverenciar, sem criar novos códigos, mas
divertindo e surpreendendo o espectador de forma positiva.
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"From Dusk Till Dawn" (1996) de Robert Rodriguez Dimension Films [us] | A Band Apart [us] | Los Hooligans Productions [us] | Miramax [us] |
Ondas do Destino (Breaking the Waves, Dinamarca | Suécia |
França | Holanda | Noruega | Islândia | Espanha, 1996)
Direção: Lars von Trier
Inquestionavelmente belo, “Ondas do Destino” é um drama amargo e dilacerador que se apoia na
sensibilidade poética para explicar o transcendentalismo do amor incondicional
e escancarar a ineficiência de algumas instituições religiosas. Bess McNeill
(Emily Watson) vive em um povoado católico e ultraconservador do norte da
Escócia. Apaixonada e feliz, a jovem se casa com Jan Nyman (Stellan Skarsgård),
um dinamarquês que trabalha em uma plataforma petrolífera no Mar do Norte e
que, mesmo não sendo bem-vindo, passa a morar nessa comunidade atulhada de beatos
hipócritas. A relação do casal fica ainda mais intensa quando Bess descobre no
sexo uma forma deleitável para amar sem discrição.
Entretanto, quando Jan retorna para o seu trabalho, acaba
quebrando o pescoço ao sofrer um grave acidente. Ele recebe o diagnóstico de
tetraplegia, uma situação que certamente o deixará incapacitado para o resto da
vida. Bess, que tinha feito preces fervorosas por seu retorno incólume e por
uma pronta melhora, passa a se sentir culpada por tudo o que aconteceu; e o seu
drama só tenderia a aumentar, tendo em vista o que ainda por vir. Em completa
condição de invalidez, Jan passa a sugerir que a esposa procure amantes, afim
de que ela possa lhe contar detalhes sórdidos de suas aventuras sexuais fora do
casamento.
Como em todo trabalho do polêmico diretor Lars von Trier,
a temática central do longa tem caráter extremamente ofensivo, provocando certa
estranheza e perplexidade ao espectador. O sentimento de desconforto é
traduzido por uma ambiguidade explícita quando tão prontamente percebemos que,
mesmo na insana relação com meros desconhecidos, Bess continua amando e
desejando o marido que permanece preso a uma cama de hospital. Encarando
situações terríveis e incisivamente sacrificiais, a mulher passa a ser
subjugada de maneira hostil pelos membros de sua ignóbil sociedade que, por
mais que mantenham uma sordidez velada, acabam evidenciando a face mais
ordinária, negativa e falsa do comportamento humano, tipicamente generalista.
Tendo participado anteriormente de apenas um trabalho na
televisão britânica, Emily Watson teve, em “Ondas do Destino”, uma das estreias
mais triunfais e promissoras da história do cinema. Pelo papel de Bess, a atriz
já garantia a primeira de suas duas indicações ao Oscar de Melhor Atriz. O
filme também teve uma carreira vitoriosa pelos festivais que passou, vencendo o
César de Melhor Filme Estrangeiro e recebendo nomeações importantes no Globo de
Ouro, no Independent Spirit Awards e no Festival de Cannes.
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"Breaking the Waves" (1996) de Lars von Trier Arte [fr] | CoBo Fonds [nl] | Memfis Film [se] | Zentropa Entertainments [dk] |
Para conhecer ou relembrar os filmes apresentados
anteriormente na nossa retrospectiva, basta acompanhar os artigos navegando pela
nossa página ou clicando nos links correspondentes, que seguem logo abaixo:
E não deixem de conferir, na próxima semana, a conclusão de
mais uma revisão cinematográfica com os últimos cinco filmes listados na Parte IV. Prometemos revelar mais
alguns títulos incríveis!
Até lá...
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