quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Memórias #15 | Setsuko Hara (1920 - 2015)

A nobre e rara oportunidade de poder trabalhar com grandes cineastas como Akira Kurosawa, Hiroshi Inagaki, Mikio Naruse e, principalmente, Yasujirô Ozu, fizeram de Setsuko Hara uma das artistas mais consagradas da história, transformando-a também no símbolo e no rosto mais famoso de uma era gloriosa para o cinema japonês: “A Era de Ouro” compreendida, principalmente, entre o final dos anos 40 e início dos anos 60.

A sempre carismática atriz morreu no dia 5 de setembro, aos 95 anos, em um hospital da Prefeitura da Província de Kanagawa. Segundo os familiares, que resolveram divulgar a nota oficial de falecimento somente na noite de ontem (dia 25 de novembro), Hara vinha lutando há alguns meses contra uma severa pneumonia que se agravou no mês agosto.

Nascida em Yokohama em 17 de junho de 1920, Setsuko Hara fez a sua estreia no cinema com apenas 15 anos em “Tamerau Nakare Wakodo Yo” (1935) de Tetsu Taguchi. Entretanto, a atriz alcançou a fama dois anos mais tarde ao protagonizar o polêmico “A Filha do Samurai” (1937), uma coprodução entre o Japão e a Alemanha Nazista que, à época, foi mal vista aos olhos do público nipônico. Eles consideravam condescendente o tratamento dado ao Japão pelo diretor Arnold Fanck, que retratava o país como uma nação asiática exótica que precisava ser influenciada com urgência pelos ideais políticos alemães.

A atriz japonesa Setsuko Hara (1920 - 2015) em "Banshun" (1949) de Yasujirô Ozu - Shôchiku Eiga [jp]

Embora cercado de polêmicas que se desdobraram para além do campo artístico, o filme não deixou de ter a audiência cativa de um grande público. Atraídos por uma feição exuberante que conseguia, ao mesmo tempo, esconder e destacar os seus traços orientais mais marcantes, fãs acabaram sendo hipnotizados pelo olhar puro e encantador de uma garota que, a partir dali, despontava para ser uma das maiores revelações da arte dramática e referência para os jovens no Japão.

Até a sua primeira parceria com Yasujirô Ozu em “Pai e Filha” (1949), Setsuko Hara atuou em mais de 30 filmes sendo, na sua maioria, pequenas produções. Isso não impedia que, dentre elas, pudéssemos encontrar grandes preciosidades como “Hebihimesama” (1940) de Teinosuke Kinugasa; “Shôri no hi Made” (1945) de Mikio Naruse; e o belíssimo “Juventude sem Arrependimento” (1946) do mestre Akira Kurosawa, apenas em seu sexto longa-metragem, na época. As obras desse período eram extremamente singelas, poéticas e, ao mesmo tempo, realistas. Os filmes retratavam, principalmente, a fragilidade de um país completamente devastado procurando o seu soerguimento no período do pós-guerra.

Frente à essas características Hara, por sua vez, habitualmente interpretava personagens modernas e emancipadas, mulheres virtuosas e libertas das algemas dos costumes feudais que eram impostas pelo Império Japonês antes dos conflitos mundiais. A personalidade forte e a notada independência frente às câmeras (assim como na sua vida pessoal) faziam com que a maioria dos críticos de cinema comparassem a atriz com as principais estrelas do da indústria hollywoodiana, como Katharine Hepburn e Joan Crawford, por exemplo.

O estrelato da atriz foi alcançado com muito trabalho e, como consequência disso, outras dezenas de trabalhos surgiram ao longo de uma brilhante carreira. A sua já dita união profissional de sucesso com Ozu é tão grandiosa (ao todo foram seis filmes juntos) que mereceria um capítulo à parte em nosso blog, mas não podemos deixar de destacar nessa homenagem que um dos clássicos absolutos da História do Cinema, “Era uma Vez em Tóquio” (1953), surgiu justamente dessa parceria. Conhecida também como “a eterna virgem” (pelo fato de nunca ter se casado), Setsuko Hara já era considerada uma atriz lendária em vida, mesmo tendo se aposentado precocemente em 1966, aos 46 anos. Optando pela reclusão total, ela negava a participação em eventos, evitava entrevistas e fugia de fotógrafos, tal como Greta Garbo.

Mesmo com a atriz resguardada à vida privada por décadas, seus filmes e suas atuações sempre estavam presentes nas memórias inveteradas de cinéfilos e de fãs. E agora, a partir de 2015, ano de sua morte, toda a carreira e todos os trabalhos de Setsuko Hara ficarão para a eternidade!

Que se preserve a História! E que, agora, Setsuko descanse em paz... (1920 - 2015)

Dez filmes com Setsuko Hara que indico (em ordem de predileção):

01 - Era uma Vez em Tóquio (Tôkyô Monogatari, Japão, 1953) - de Yasujirô Ozu

02 - Pai e Filha (Banshun, Japão, 1949) - de Yasujirô Ozu

03 - Vida de Casado (Meshi, Japão, 1951) - de Mikio Naruse

04 - O Idiota (Hakuchi, Japão, 1951) - de Akira Kurosawa

05 - Também Fomos Felizes (Bakushû, Japão, 1951) - de Yasujirô Ozu

06 - Fim de Verão (Kohayagawa-ke no Aki, Japão, 1961) - de Yasujirô Ozu

07 - Crepúsculo em Tóquio (Tôkyô Boshoku, Japão, 1957) - de Yasujirô Ozu

08 - Dia de Outono (Akibiyori, Japão, 1960) - de Yasujirô Ozu

09 - A Filha do Samurai (Atarashiki Tsuchi, Japão | Alemanha, 1937) - de Arnold Fanck e Mansaku Itami

10 - Juventude sem Arrependimento (Waga Seishun ni Kuinashi, Japão, 1946) - de Akira Kurosawa

Setsuko Hara (em primeiro plano) entre Chieko Higashiyama e Chishû Ryû rodando "Tôkyô Monogatari" (1953) de Ozu
Shôchiku Eiga [jp]

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