Chantal tinha 65 anos de idade; e ainda era jovem, muito
jovem. Porém, a melancolia e a depressão que a consumiam (a diretora sofria de
transtornos maníaco-depressivos) fizeram-na dar um fim à própria vida no dia 5
de outubro deste ano.
Nascida em Bruxelas, Chantal Akerman iniciou a carreira de
cineasta no final da década de 60 com o curta-metragem “Saute ma Ville” (1968) e, a partir dos anos 70, não parou mais,
lançando, ano a ano, uma série de trabalhos que flanavam por vários gêneros,
incluindo comédias românticas, curtas existencialistas e documentários plurais.
Akerman é considerada uma das pioneiras do cinema experimental e feminista,
sendo ainda uma das primeiras mulheres a se interessar e a trabalhar o “cinema
de autor”, tendo o francês Jean-Luc Godard como principal referência. A belga
se tornou, também, grande influência na forma de fazer cinema de alguns dos
diretores contemporâneos mais conceituados, como os norte-americanos Gus Van
Sant e Todd Haynes, por exemplo.
Abordando basicamente e criticamente o quadro comportamental
da classe média europeia, sempre se atendo aos dilemas femininos, Chantal Akerman
conseguia relacionar, de maneira bem suave, os problemas políticos mais comuns
de uma sociedade com a subjetividade latente de suas personagens. Entre os seus
trabalhos mais relevantes podemos destacar: “Os
Encontros de Anna” (1978) e “Toda uma
Noite” (1982), ambos protagonizados por Aurore Clément; “Um Divã em Nova York” (1996), comédia
romântica com Juliette Binoche e William Hurt; e o drama “proustiano” “A Prisioneira” (2000). A diretora ainda
se preparava para lançar o documentário ensaísta “No Home Movie” (2015), que acompanhava os momentos mais reservados
da vida de sua mãe, Natalia Akerman, uma judia polonesa sobrevivente dos campos
de concentração de Auschwitz e uma de suas principais inspirações e motivações
para continuar a fazer filmes.
Com a aproximação da fase de finalização do documentário e
com a morte da mãe, há apenas um ano, o sofrimento de Chantal provavelmente se
agravou, fazendo com que ela, infelizmente, se despedisse deste mundo da
maneira mais triste e breve possível.
A cineasta belga Chantal Akerman (1950 - 2015) - Divulgação |
Em uma carreira brilhante e singular à qual também se somaram
trabalhos como atriz, produtora e roteirista, Chantal Akerman ainda tinha em “Jeanne Dielman” (1975) o seu principal
cartão de visitas. O longa talvez seja o mais conhecido da diretora; ele
promove um recorte fiel do ritmo exaustivo e desgastante de nossas vidas, e nos
faz questionar qual é o verdadeiro sentido das coisas, colocando o dedo na
ferida que foi gerada por um vazio existencial que relutamos em admitir que não
vivemos. Uma aula de cinema e uma obra essencial para àqueles que procuram
estabelecer uma relação mais estreita com o cinema, bem como todas as suas
teorias, práticas e reflexões.
O filme acompanha, basicamente, a rotina de uma solitária e
jovem dona de casa em seus afazeres diários. Viúva, metódica e mãe de um
adolescente, Jeanne (Delphine Seyrig) ocasionalmente se prostitui na própria residência
a fim de levantar uma renda extra. Intercalando de maneira meticulosa e mecânica
os programas com os clientes e as tarefas domésticas, Jeanne vai levando uma
vida que beira o enfado. Entretanto, um “ponto fora da curva” acaba quebrando a
engrenagem moribunda de sua vida, nos convidando para uma imperdível experiência
voyeurística.
Como forma (in)consciente de homenagear a carreira de
Chantal Akerman e presentear o público da capital mineira com uma das obras
mais relevantes do cinema europeu, “Jeanne
Dielman” será exibido hoje na “História Permanente do Cinema”, realizada semanalmente no Cine Humberto Mauro. Evento
tradicional no circuito cultural da cidade há alguns anos, a mostra é contínua
e exibe, sempre às 17:00 de todas as quintas-feiras, sessões comentadas de
clássicos absolutos da história do cinema. A programação é sempre especial,
pois o filme escolhido dialoga com a Mostra que está em cartaz no espaço. No
caso desta semana, o filme de Akerman dialoga com a Mostra “Cineastas Mineiras”, que já está em seu último dia de
exibição, mas que privilegiou, ao longo de duas semanas, filmes dirigidos e produzidos
por diretoras de Minas, profissionais tão visionárias e competentes quanto a
belga e que contribuem muito para tornar o Cinema Nacional cada vez mais
respeitado e valorizado, tanto pelo público daqui quanto para os admiradores de
outros países.
"Jeanne Dielman, 23, quai du Commerce, 1080 Bruxelles" (1975) de Chantal Akerman - Paradise Films [be] | Unité Trois [fr] Ministère de la Culture Française de Belgique [be] |
É importante lembrar que a entrada para a sessão de hoje é
gratuita, mas é necessário retirar os ingressos na bilheteria do cinema meia
hora antes do início da projeção. Após a exibição, a documentarista,
pesquisadora e doutora em cinema Clara Maia fará uma breve explanação sobre o
filme seguida de debate com o público.
O Cine Humberto Mauro está localizado no Palácio das Artes,
na Avenida Afonso Pena 1537, centro de Belo Horizonte.
UM BOM FILME, E VIVA CHANTAL AKERMAN!
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