domingo, 29 de janeiro de 2017

Memórias #27 | Emmanuelle Riva (1927 - 2017)

Imponente, segura, doce e, sobretudo, amorosa. As memoráveis interpretações de Emmanuelle Riva são hoje um patrimônio do cinema francês e mundial. Vítima de um câncer, a atriz faleceu nesta última sexta-feira, dia 27 de janeiro, aos 89 anos em Paris.

Invariavelmente, as homenagens à atriz são pautadas pelos dois principais filmes que delinearam a sua trajetória: um deles realizado no começo de sua promissora carreira; e o outro já no final, um trabalho surpreendente que foi responsável por coroar uma carreira que, mesmo bem distante dos holofotes, sempre foi recheada de papéis absolutamente marcantes.

“Hiroshima, meu Amor” (1959) de Alain Resnais é uma manifestação artística estrondosa e, ao mesmo tempo, silenciosa sobre o passado, o presente e a memória. Um filme que trabalha a dor e evoca a paz ao contar de forma melancólica a relação de uma atriz francesa e de um arquiteto japonês em meio a uma cidade devastada por um bombardeio. Emmanuelle Riva está perfeita, pois é dona de um olhar enigmático e lancinante que conquista o espectador. Além disso, ela mostra um controle absurdo ao conduzir o drama de sua personagem e demonstra uma maturidade espantosa para uma atriz que estava apenas em seu terceiro trabalho para o cinema.

Emmanuelle Riva (1927 - 2017) em "Hiroshima, mon Amour" (1959) de Alain Resnais
Argos Films [fr] | Como Films [fr] | Daiei Studios [jp] | Pathé Entertainment

Nos anos que se seguiram, Emmanuelle Riva teve a oportunidade de trabalhar com grandes diretores do cinema europeu, tais como Antonio Pietrangeli, Fernando Arrabal,  Jean-Pierre Melville e Laslo Benedek. Nos anos 60 foram mais dois grandes trabalhos de destaque: como coadjuvante no doloroso “Kapò: Uma História do Holocausto” (1960) de Gillo Pontecorvo; e como a descompensada protagonista de “Thérèse Desqueyroux” (1962) de Georges Franju, papel que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz do Festival de Veneza no mesmo ano.

Ao longo das décadas, era difícil para Emmanuelle Riva manter ou pelo menos replicar o impacto de suas primeiras atuações. Mesmo assim, sua presença era constantemente requerida, principalmente em produções francesas tanto do cinema quanto da televisão. Procurando sempre alternativas que fugiam às obviedades e ao mainstream, a atriz dificilmente emplacava alguma obra nos circuitos, principalmente em mercados tão distantes quanto o latino-americano, por exemplo. Mesmo assim, alguns filmes dos quais ela participou vieram a chamar a atenção do grande público como “Olhos na Boca” (1982) de Marco Bellocchio e “A Liberdade é Azul” (1993), primeiro filme da aclamada “Trilogia das Cores” do diretor polonês Krzysztof Kieslowski.

“Amor” (2012) de Michael Haneke representou a definitiva consagração de uma atriz. O script que acompanhava o vínculo afetivo de um casal octagenário vinha para reverenciar e homenagear dois grandes nomes do cinema francês: Riva e o companheiro de cena, o extraordinário Jean-Louis Trintignant. Contando ainda com Isabelle Huppert no elenco, o filme causou raro alvoroço e conquistou, com toda a justiça, a Palma de Ouro do Festival de Cannes naquele ano. O papel de Anne rendeu à Emmanuelle Riva os prêmios mais importantes do cinema, tais como o BAFTA e o César, além de uma indicação ao Oscar, que também a transformou na atriz mais velha a ser indicada à estatueta. Emmanuelle estava com 85 anos na ocasião e, sincera e justamente, merecia demais ser a grande vencedora.

Talento puro e virtudes incandescentes! Até o último suspiro de vida... Emmanuelle Riva era fantástica!

Que agora descanse em paz... (1927 - 2017)

Dez filmes com Emmanuelle Riva que indico (em ordem de predileção):

01 - Amor (Amour, Áustria | França | Alemanha, 2012) - de Michael Haneke

02 - Hiroshima, meu Amor (Hiroshima, mon Amour, França | Japão, 1959) - de Alain Resnais

03 - Kapò: Uma História do Holocausto (Kapò, Itália | França | Iugoslávia, 1960) - de Gillo Pontecorvo

04 - Léon Morin - O Padre (Léon Morin, Prêtre, França | Itália, 1961) - de Jean-Pierre Melville

05 - Olhos na Boca (Gli Occhi, la Bocca, Itália | França, 1982) - de Marco Bellocchio

06 - Thérèse Desqueyroux (Thérèse Desqueyroux, França, 1962) - de Georges Franju

07 - A Liberdade é Azul (Trois Couleurs: Bleu, França | Polônia | Suíça, 1993) - de Krzysztof Kieslowski

08 - Instituto de Beleza Vênus (Vénus Beauté (Institut), França, 1999) - de Tonie Marshall

09 - As Horas do Amor (Le Ore Dell’Amore, Itália, 1963) - de Luciano Salce

10 - O Verão do Skylab (Le Skylab, França, 2011) - de Julie Delpy

Emmanuelle Riva e Jean-Louis Trintignant em "Amour" (2012) de Michael Haneke
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