Em março deste ano estreava nos cinemas “Meu Amigo Hindu”, um drama reflexivo e
intimista sobre Diego Fairman (interpretado por Willem Dafoe), um cineasta que
está em busca de elevar o seu estado de espírito à plenitude para encarar da
melhor forma possível a sua própria morte. Quisera o destino que este fosse o
último trabalho do diretor argentino Hector Babenco, falecido nesta última
noite de quarta-feira, dia 13, aos 70 anos de idade.
Babenco sempre se mostrava orgulhoso ao divulgar “Meu Amigo Hindu” nos vários festivais
de cinema para os quais o filme recebia convite para ser exibido. Entretanto,
em meio ao clima de euforia e a conveniente felicidade, transpareciam também o
cansaço e os sinais de fraqueza e abatimento. Em meio aos eventos de lançamento
do longa, os boatos de que sua doença havia voltado estavam confirmados. Hector
lutava contra um câncer no sistema linfático, tal como Diego em “Meu Amigo Hindu”, daí muitos críticos
vieram a comparar e taxar a obra como autobiográfica.
O fato é que, quando confrontado pela Morte, Diego
expressou o seu último desejo: conseguir ao menos realizar mais um filme.
Traduzindo para o longa todas as memórias da época em que enfrentou a doença,
Babenco conseguiu, na prática, adicionar à sua jornada particular o seu
“filme-testamento” que encerra de forma iluminada uma célebre carreira.
O diretor argentino Hector Babenco (1946 - 2016) - Divulgação |
Descendente de ucranianos, nascido na Argentina e radicado
no Brasil, Hector Babenco abriu algumas portas e colocou o cinema feito no
nosso país em caminhos pelos quais ele nunca havia se aventurado. Desde “O Rei da Noite” (1975), seu primeiro
longa de ficção, observamos uma linguagem rebuscada e opiniática lançada sobre
dramas genuinamente brasileiros, mas sempre elevados por tons melodramáticos
contidos nas mais famosas novelas da época e carregados da exagerada
dramaticidade portenha, heranças da difícil infância e juventude no seu país de
origem.
O cinema de Babenco era, em partes, expletivo e
inverossímil, características que talvez o tenham mantido afastado do autoral
cinema da “Boca de Lixo Paulistana”; entretanto, o elemento principal da
alquimia de seus filmes era a deflagração da crueza social da nossa sociedade,
o que acabou gerando duas grandes obras-primas do Cinema Nacional: “Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia”
(1977), sobre a degradação imoral e o enraizamento criminoso da nossa polícia
nos tempos da ditadura; e “Pixote: A Lei
do mais Fraco” (1981), que escancarou para a sociedade brasileira e para o
mundo o drama das crianças abandonadas
realçada pela descrença na humanidade.
Hector Babenco (ao fundo) durante as filmagens de "Pixote: A Lei do mais Fraco" (1981) Cinemateca Brasileira | Banco de Conteúdos Culturais |
De fato, “Pixote”
assombrou o mundo e foi, inclusive, indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme
Estrangeiro em 1982. O próximo passo para Babenco era alcançar o irrestrito
sucesso e prestígio internacional, que veio rapidamente com “O Beijo da Mulher Aranha” (1985). O
drama político que brada contra a opressão política e contra a intolerância à
diversidade sexual é cinema apurado e de extrema qualidade; e é aqui que
Babenco atinge o seu auge como cineasta e onde também recebe as indicações ao
Oscar de Melhor Filme e de Melhor Diretor; consagrando ainda o extraordinário
William Hurt como o Melhor Ator naquela edição.
Conceituado e admirado no mundo cinematográfico a partir
de “O Beijo da Mulher Aranha”, o
diretor resolveu mergulhar de cabeça e se aventurar pelo cinema estadunidense filmando o ótimo “Ironweed” (1987) tendo Jack Nicholson e
Meryl Streep como protagonistas; além do bom, porém criticado (até mesmo pelo
próprio Babenco) caldeirão de pressões cataclísmicas que se transformou o drama
amazônico “Brincando nos Campos do
Senhor” (1991). Neste mesmo período, Babenco enfrentou a doença pela
primeira vez; ficando anos sem filmar, retomou a carreira com “Coração
Iluminado” (1998), uma outra “autobiografia disfarçada”; e com “Carandiru” (2003) que, apesar das
inconsistências, é, até hoje, um dos maiores sucessos de público em termos de
bilheteria em nosso cinema e ainda rendeu continuidades na bem produzida série
de televisão “Carandiru: Outras
Histórias” (2005).
Os poucos (mas valorosos) filmes fizeram da carreira de
Hector Babenco uma das mais coesas e regulares da história do Cinema Nacional
e, por que não dizer, Mundial. Que agora descanse em paz! (1946 - 2016)
Dez filmes dirigidos por
Hector Babenco que indico (em ordem de predileção):
01 - Pixote: A Lei do mais Fraco (Pixote: A Lei do mais Fraco, Brasil, 1981)
02 - O Beijo da Mulher
Aranha (Kiss of the Spider Woman,
Brasil | Estados Unidos, 1985)
03 - Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia, Brasil,
1977)
04 - Brincando nos Campos do Senhor (At Play in the Fields of the Lord, Estados Unidos | Brasil, 1991)
05 - Coração Iluminado (Corazón Iluminado, Argentina | Brasil | França, 1998)
06 - Ironweed (Ironweed,
Estados Unidos, 1987)
07 - Carandiru (Carandiru,
Brasil | Argentina | Itália, 2003)
08 - O Rei da Noite (O
Rei da Noite, Brasil, 1975)
09 - O Passado (El
Pasado, Argentina | Brasil, 2007)
10 - O Fabuloso Fittipaldi (O Fabuloso Fittipaldi, Brasil, 1973) - dividindo a direção com
Roberto Farias
"Kiss of the Spider Woman" (1985) de Hector Babenco - HB Filmes [br] | FilmDallas Pictures |
Nenhum comentário:
Postar um comentário