Julho começou cruel! E ninguém poderia imaginar que, após
o triste fim de uma semana encerrada com as dilacerantes notícias de
falecimento dos cineastas Robin Hardy e Michael Cimino, o clima obscurecido continuasse
a pairar no mundo do cinema nesta segunda-feira. Foi anunciada em Paris, no
final da tarde de hoje, a morte de Abbas Kiarostami. O extraordinário diretor,
produtor e roteirista iraniano tinha 76 anos e tentava vencer, desde o mês de
março, uma batalha angustiosa e desleal contra um câncer gastrointestinal.
Inventivo, sofisticado e extremamente crítico, Kiarostami
se firmou no panorama cinematográfico internacional como um dos principais
nomes do emergente cinema iraniano, apresentando produções que ganharam
respeito e notoriedade no final dos anos 80 e, sobretudo, por toda a década de
90. Basicamente, o seu trabalho como cineasta representou um dos marcos mais
importantes do ciclo de “repopularização” dessa arte no país; uma arte complexa
e demasiadamente artística (se observada em anos anteriores) que ganhou novo
fôlego e nova roupagem não só com Abbas, mas também com os amigos e constantes
colaboradores Jafar Panahi e Mohsen Makhmalbaf.
O que fez tornar célebre e exponencial o cinema de Abbas Kiarostami
e de todos os outros diretores iranianos do período foi a extrema facilidade e
naturalidade de retratar da forma mais realista possível as situações vividas
pela sociedade do país. Aproximando e se inspirando ainda mais no naturalismo
poético do cinema japonês e na sutileza do neorrealismo italiano, Kiarostami
fez o Irã desabrochar e florescer nas telas ao redor do mundo.
O Cineasta Iraniano Abbas Kiarostami (1940 - 2016) - Eric Estrade | AFP | Arquivo |
Seu primeiro trabalho de destaque fora dos limites da
Ásia Ocidental e do médio oriente foi “Onde
Fica a Casa do Meu Amigo?” (1987) que recebeu uma série de menções
especiais no tradicional Festival de Locarno em 1989. Já no ano seguinte, “Close-up” (1990), uma das maiores
obras-primas do cinema contemporâneo teve o seu valor reconhecido pela crítica especializada
no Montreál Festival of New Cinema. Costurando toda a sua genialidade neste drama
semidocumental, Kiarostami consegue estabelecer uma das discussões mais
profundas e significativas sobre o próprio Cinema e sobre o nosso papel na
sociedade.
A partir desse momento, a disseminação da essencialidade
do cinema de Abbas Kiarostami transcorreu de maneira natural. A humanidade
presente em todos os seus filmes somada à saborosa sensação paradoxal de que
neles tudo acontece e nada acontece ao mesmo tempo acabou conquistando, em um
curto espaço de tempo, uma série de cinéfilos apaixonados em todos os cantos do
mundo. “E a Vida Continua...” (1992)
e “Através das Oliveiras” (1994) se mantiveram
simples, mas continuaram enchendo os nossos olhos com a excepcional crueza da
vida rotineira em detrimento à pirotecnia hollywoodiana e a pretensiosidade de
alguns filmes lançados no circuito de arte no mesmo período.
Nesse meio tempo, Abbas Kiarostami ainda colaborou na
concepção da ideia original e na construção do roteiro de “O Balão Branco” (1995) do, na época, jovem e promissor Jafar
Panahi. Cada vez mais respeitado e reconhecido, o Cinema do Irã continuou a crescer
junto com a carreira do diretor até a maior consagração de ambos: a Palma de
Ouro no Festival de Cannes de 1997 pelo magnífico trabalho em “Gosto de Cereja” (empatado com “A
Enguia” de Shôhei Imamura), um drama urbano de exaltação à vida e a
glorificação à morte.
Paro por aqui, mas poderia continuar a elogiar o trabalho
do diretor ao longo dos anos por muitos outros parágrafos...
Abbas Kiarostami é uma das poucas figuras tão grandes
quanto o próprio Cinema! Tanto que entre os dizeres e escritos mais distintos sobre
a Sétima Arte, existe um de Jean-Luc Godard afirmando que “o cinema começa com D. W. Griffith e termina com Abbas Kiarostami”.
Tomando como referência a vastidão e a profundidade das palavras do estupendo crítico
e cineasta francês (bem como o desvendar da epifania da morte), é possível (ou
não) mensurar as proporções do nosso luto no dia de hoje...
Que o Mestre descanse em paz! (1940 - 2016) “E a Vida Continua...”
Dez filmes dirigidos por
Abbas Kiarostami que indico (em ordem de predileção):
01 - Close-up (Nema-ye Nazdik, Irã, 1990)
02 - Gosto de Cereja (Ta’m
e Guilass, Irã | França, 1997)
03 - Onde Fica a Casa do Meu Amigo? (Khane-ye Doust Kodjast?, Irã, 1987)
04 - Através das Oliveiras (Zire Darakhatan Zeyton, França | Irã, 1994)
05 - Cópia Fiel (Copie
Conforme, França | Itália | Bélgica | Irã, 2010)
06 - O Viajante (Mossafer,
Irã, 1974)
07 - O Vento nos Levará (Bad Ma Ra Khahad Bord, Irã | França, 1999)
08 - E a Vida Continua... (Zendegi Va Digar Hich, Irã, 1992)
09 - Dez (Dah,
França | Irã, 2002)
10 - Shirin (Shirin, Irã, 2008)
"Nema-ye Nazdik" (1990) de Abbas Kiarostami - Kanoon [ir] The Institute for the Intellectual Development of Children & Young Adults |
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