segunda-feira, 4 de julho de 2016

Memórias #20 | Abbas Kiarostami (1940 - 2016)

Julho começou cruel! E ninguém poderia imaginar que, após o triste fim de uma semana encerrada com as dilacerantes notícias de falecimento dos cineastas Robin Hardy e Michael Cimino, o clima obscurecido continuasse a pairar no mundo do cinema nesta segunda-feira. Foi anunciada em Paris, no final da tarde de hoje, a morte de Abbas Kiarostami. O extraordinário diretor, produtor e roteirista iraniano tinha 76 anos e tentava vencer, desde o mês de março, uma batalha angustiosa e desleal contra um câncer gastrointestinal.

Inventivo, sofisticado e extremamente crítico, Kiarostami se firmou no panorama cinematográfico internacional como um dos principais nomes do emergente cinema iraniano, apresentando produções que ganharam respeito e notoriedade no final dos anos 80 e, sobretudo, por toda a década de 90. Basicamente, o seu trabalho como cineasta representou um dos marcos mais importantes do ciclo de “repopularização” dessa arte no país; uma arte complexa e demasiadamente artística (se observada em anos anteriores) que ganhou novo fôlego e nova roupagem não só com Abbas, mas também com os amigos e constantes colaboradores Jafar Panahi e Mohsen Makhmalbaf.

O que fez tornar célebre e exponencial o cinema de Abbas Kiarostami e de todos os outros diretores iranianos do período foi a extrema facilidade e naturalidade de retratar da forma mais realista possível as situações vividas pela sociedade do país. Aproximando e se inspirando ainda mais no naturalismo poético do cinema japonês e na sutileza do neorrealismo italiano, Kiarostami fez o Irã desabrochar e florescer nas telas ao redor do mundo.

O Cineasta Iraniano Abbas Kiarostami (1940 - 2016) - Eric Estrade | AFP | Arquivo

Seu primeiro trabalho de destaque fora dos limites da Ásia Ocidental e do médio oriente foi “Onde Fica a Casa do Meu Amigo?” (1987) que recebeu uma série de menções especiais no tradicional Festival de Locarno em 1989. Já no ano seguinte, “Close-up” (1990), uma das maiores obras-primas do cinema contemporâneo teve o seu valor reconhecido pela crítica especializada no Montreál Festival of New Cinema. Costurando toda a sua genialidade neste drama semidocumental, Kiarostami consegue estabelecer uma das discussões mais profundas e significativas sobre o próprio Cinema e sobre o nosso papel na sociedade.

A partir desse momento, a disseminação da essencialidade do cinema de Abbas Kiarostami transcorreu de maneira natural. A humanidade presente em todos os seus filmes somada à saborosa sensação paradoxal de que neles tudo acontece e nada acontece ao mesmo tempo acabou conquistando, em um curto espaço de tempo, uma série de cinéfilos apaixonados em todos os cantos do mundo. “E a Vida Continua...” (1992) e “Através das Oliveiras” (1994) se mantiveram simples, mas continuaram enchendo os nossos olhos com a excepcional crueza da vida rotineira em detrimento à pirotecnia hollywoodiana e a pretensiosidade de alguns filmes lançados no circuito de arte no mesmo período.

Nesse meio tempo, Abbas Kiarostami ainda colaborou na concepção da ideia original e na construção do roteiro de “O Balão Branco” (1995) do, na época, jovem e promissor Jafar Panahi. Cada vez mais respeitado e reconhecido, o Cinema do Irã continuou a crescer junto com a carreira do diretor até a maior consagração de ambos: a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1997 pelo magnífico trabalho em “Gosto de Cereja” (empatado com “A Enguia” de Shôhei Imamura), um drama urbano de exaltação à vida e a glorificação à morte.

Paro por aqui, mas poderia continuar a elogiar o trabalho do diretor ao longo dos anos por muitos outros parágrafos...

Abbas Kiarostami é uma das poucas figuras tão grandes quanto o próprio Cinema! Tanto que entre os dizeres e escritos mais distintos sobre a Sétima Arte, existe um de Jean-Luc Godard afirmando que “o cinema começa com D. W. Griffith e termina com Abbas Kiarostami”. Tomando como referência a vastidão e a profundidade das palavras do estupendo crítico e cineasta francês (bem como o desvendar da epifania da morte), é possível (ou não) mensurar as proporções do nosso luto no dia de hoje...

Que o Mestre descanse em paz! (1940 - 2016) “E a Vida Continua...”

Dez filmes dirigidos por Abbas Kiarostami que indico (em ordem de predileção):

01 - Close-up (Nema-ye Nazdik, Irã, 1990)

02 - Gosto de Cereja (Ta’m e Guilass, Irã | França, 1997)

03 - Onde Fica a Casa do Meu Amigo? (Khane-ye Doust Kodjast?, Irã, 1987)

04 - Através das Oliveiras (Zire Darakhatan Zeyton, França | Irã, 1994)

05 - Cópia Fiel (Copie Conforme, França | Itália | Bélgica | Irã, 2010)

06 - O Viajante (Mossafer, Irã, 1974)

07 - O Vento nos Levará (Bad Ma Ra Khahad Bord, Irã | França, 1999)

08 - E a Vida Continua... (Zendegi Va Digar Hich, Irã, 1992)

09 - Dez (Dah, França | Irã, 2002)

10 - Shirin (Shirin, Irã, 2008)

"Nema-ye Nazdik" (1990) de Abbas Kiarostami - Kanoon [ir]
The Institute for the Intellectual Development of Children & Young Adults

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