segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Memórias #17 | David Bowie (1947 - 2016)

Resumir a carreira de uma lenda em um pequeno artigo de pouco mais de setecentas palavras é um tanto diminuto para demonstrar, neste caso, tudo o que David Bowie representou para um número incontável de fãs que se multiplicaram por todas essas décadas em que ele esteve na ativa. Vítima de uma doença cruel e implacável, o astro camaleônico e símbolo de toda uma geração da música nos deixou no fim da noite deste último domingo, transformando drasticamente o início da semana. Sim, teremos alguns dias tristes pela frente.

Gênio absoluto e dono de uma carreira extraordinariamente impecável, Bowie era mais do que inventivo, original e inovador. Sempre fugindo das obviedades, o “multiartista” se lançou ainda muito jovem e conseguiu construir a sua jornada de maneira sólida, visceral e eclética marcada, sobretudo, por uma extensa bagagem musical dotada de uma propriedade intelectual absurda. Inspiradora e influente, a vida e a obra de David Bowie são umas das mais representativas da cultura pop mundial, capazes de continuarem produzindo por muitos anos os seus efeitos mais atraentes e, ao mesmo tempo, mais desconcertantes; tanto que dentre as tarefas mais difíceis, para qualquer um de nós, está a ousadia canastrona de tentar dizer quais são os seus melhores discos ou as suas melhores músicas. É pouco, mas basta dizer que estarão “sempre entre os melhores de sempre”.

Conhecido por sua versatilidade e pela sua disposição natural para se reinventar, David Bowie também foi bastante provocativo no cinema. Cercado de muitos adjetivos, ele ainda conseguiu caminhar de forma inquietamente ativa por esse voluptuoso terreno da sétima arte e ainda ser considerado um excepcional ator. Os seus personagens densos, impactantes e profundos também serviram como catalisadores para as constantes e abruptas mudanças de sua carreira, no geral. Para demonstrar o quão grande foi a aventura de Bowie frente às câmeras, basta dizer que em seu currículo somam-se parcerias com mestres como David Lynch, John Landis e Nicolas Roeg, com o qual filmou “O Homem que Caiu na Terra” (1976), uma obra-prima da ficção científica dos anos 70.

David Bowie em "The Man who Fell to Earth" (1976) de Nicolas Roeg - British Lion Film Corporation [gb] | Cinema 5

Da colaboração para outros três grandes cineastas, surgiram outros três memoráveis trabalhos: com Tony Scott, veio o ícone cult do universo gótico “Fome de Viver” (1983) que, carregado de esoterismo e misticismo, assume um caráter revisional para os filmes de vampiro a partir do seu lançamento; com Nagisa Ôshima, o violento, vivaz e iconoclasta drama de guerra “Furyo, em Nome da Honra” (1988) que curiosamente é co-estrelado por outro ícone da música, o compositor japonês Ryuichi Sakamoto; e com Martin Scorsese, interpretou Pôncio Pilatos fugindo dos clichês e dando uma faceta excepcionalmente rara à figura do prefeito provinciano da Judeia no genial e humanista “A Última Tentação de Cristo” (1988).

David Bowie também emprestou a sua pele (e a sua alma) para vestir personagens reais, como o legendário artista pop Andy Warhol no longa “Basquiat - Traços de uma Vida” (1996) de Julian Schnabel; e o físico e inventor Nikola Tesla no excepcional “O Grande Truque” (2006) de Christopher Nolan. Houveram ainda aqueles filmes em que Bowie interpretou o próprio Bowie, seja vociferando as canções da sua Trilogia de Berlim (“Low”, “Heroes” e “Lodger”) no não menos esbravejante “Eu, Christiane F., 13 Anos, Drogada e Prostituída” (1981) de Uli Edel; ou com aparições mais espirituosas nas comédias “Zoolander” (2001) de Ben Stiller, e na mais recente “High School Band” (2009) de Todd Graff.

Voltando ao campo da música, só que agora associada ao cinema, é de fundamental importância ressaltar o quanto as canções de David Bowie ecoaram pelas salas de projeção do mundo ao longo de mais de cinquenta anos de sua história profissional. Entre as trilhas sonoras originais, seu nome está creditado em mais de 450 filmes que independem de gênero, país ou ano de produção. O músico ainda esteve à frente das composições para o filme “C.R.A.Z.Y. - Loucos de Amor” (2005) de Jean-Marc Vallée (que conta com uma cena antológica do ator Marc-André Grondin dublando “Space Oddity”); e diretamente envolvido na produção musical de “Labirinto - A Magia do Tempo” (1986) de Jim Henson, filme que Bowie também estrela ao lado de Jennifer Connelly e que ainda nos brinda com sequências de números performáticos inesquecíveis. As canções de Bowie são, sem dúvida, um patrimônio universal! (Bem como as suas valiosas contribuições para o Cinema...)

Para finalizar, declaro que o texto foi escrito embalado pelo álbum “Blackstar”, seu excelente último trabalho que, até esta manhã, ainda era inédito para os meus ouvidos.

Grandiosa maneira de se despedir! Que agora, descanse em paz... (1947 - 2016)

Dez filmes com David Bowie que indico (em ordem de predileção):

01 - O Homem que Caiu na Terra (The Man who Fell to Earth, Reino Unido, 1976) - de Nicolas Roeg

02 - Furyo, em Nome da Honra (Merry Christmas Mr. Lawrence, Reino Unido | Japão | Nova Zelândia, 1983) - de Nagisa Ôshima

03 - A Última Tentação de Cristo (The Last Temptation of Christ, Estados Unidos | Canadá, 1988) - de Martin Scorsese

04 - Fome de Viver (The Hunger, Reino Unido | Estados Unidos, 1983) - de Tony Scott

05 - O Grande Truque (The Prestige, Estados Unidos | Reino Unido, 2006) - de Christopher Nolan

06 - Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer (Twin Peaks: Fire Walk with Me, França | Estados Unidos, 1992) - de David Lynch

07 - Labirinto - A Magia do Tempo (Labyrinth, Reino Unido | Estados Unidos, 1986) - de Jim Henson

08 - Romance por Interesse (The Linguini Incident, Estados Unidos, 1991) - de Richard Shepard

09 - Basquiat - Traços de uma Vida (Basquiat, Estados Unidos, 1996) - de Julian Schnabel

10 - Apenas um Gigolô (Schöner Gigolo, armer Gigolo, Alemanha Ocidental, 1978) - de David Hemmings

David Bowie em "Merry Christmas Mr. Lawrence" (1983) de Nagisa Ôshima
Recorded Picture Company (RPC) [gb] | National Film Trustees

PS: Iria começar uma revisão de todos os filmes da série “Rocky” para me preparar para “Creed: Nascido para Lutar”, mas a partida de David Bowie me obrigará a rever o documentário “Ziggy Stardust and the Spiders From Mars” (1973) de D. A. Pennebaker. Com toda certeza, o filme vai furar a fila esta noite...

Fica aqui a dica para a sessão de hoje! ;-)


Um comentário: