No dia em que a Televisão Brasileira comemora os seus 65
anos de inauguração, abrimos espaço para lamentar a morte de um dos maiores
nomes dessa longa trajetória. Grande colaborador da fábrica de sonhos em que se
transformou este veículo de comunicação (desde a sua existência), o produtor e diretor
carioca Carlos Manga faleceu no início da noite desta última quinta-feira, dia
17 de setembro, aos 87 anos, em sua residência.
Cabe lembrar, entretanto, que o renome e parte da
genialidade de Carlos Manga começaram a ser construídas através da sua carreira
no cinema. Muito antes de ingressar na TV no final da década de 60, o diretor
foi um dos principais profissionais que, por trás das câmeras, comandavam as
produções da Atlântida Cinematográfica, companhia responsável por alavancar e
projetar o Cinema Brasileiro para o seu período de maior apelo popular e com
características ao mesmo tempo ingênuas e escrachadas. O momento ficou
conhecido de maneira usual como “A Era de
Ouro das Chanchadas”.
A convite do ator, cantor e amigo Cyl Farney, principal rosto
da Atlântida na época, Carlos Manga abandonou o emprego de bancário para se
aventurar no mundo mágico e inventivo das produções cinematográficas começando,
primeiramente, como almoxarife e contrarregra do estúdio no Rio de Janeiro. Adquirindo
experiência aos poucos, conquistando posições e ascendendo profissionalmente,
não demorou muito para que ele integrasse equipes de montagem e produção, passando
rapidamente pela assistência de direção, codireção e, por fim, direção.
Sob o selo da Atlântida, Carlos Manga realizou 22 longas-metragens
em pouco mais de dez anos, desde o musical “Carnaval
Atlântida” (1952) até a absurda comédia “As
Sete Evas” (1962), com Farney e a musa Odete Lara no elenco (filme que marcou o encerramento das atividades da
produtora). Nesse período, o cineasta ainda teve a oportunidade de trabalhar
com as principais estrelas e astros da chanchada como Eva Todor, Grande Otelo,
José Lewgoy, Zezé Macedo e o seu maior colaborador e parceiro, o mestre
Oscarito (que estrelou 17 desses filmes).
De fato, a parceria entre Carlos Manga e Oscarito nos
rendeu e ainda nos renderá muitas risadas. O conjunto de obras vai desde filmes
menores como “Pintando o Sete”, “O Cupim” e “Cacareco Vem Aí” (todos de 1960); até clássicos absolutos como os
anteriores “Nem Sansão, nem Dalila”
(1955) e uma das mais deliciosas sátiras feitas à Guerra Fria através do fabuloso
“O Homem do Sputnik” (1959).
O produtor e diretor carioca Carlos Manga (1928 - 2015) - Divulgação |
Carlos Manga ainda foi considerado o maior responsável
por inovar na forma de se fazer comédia no Brasil, empregando às narrativas sátiras
extravagantes e adicionando às situações elementos surpresa que valorizavam as
piadas. O diretor também era especialista em paródias e nos ofereceu em um de
seus principais trabalhos, o espirituoso e debochado “Matar ou Correr” (1954), uma crítica fantástica ao gênero mais
popular dos Estados Unidos à época: o faroeste. Mais uma vez com Oscarito e
Grande Otelo no elenco, o longa acaba encarecendo e pegando emprestado
elementos de “Matar ou Morrer” (1952)
de Fred Zinnemann.
A capacidade criativa e o talento que o diretor tinha
para a comédia permitiram que ele ainda comandasse temporadas de algumas das
séries de maior sucesso da televisão como “Chico
Anysio Show” e “Chico City”,
ambas em colaboração com Chico Anysio; e “Os
Trapalhões”, talvez o maior fenômeno de audiência dentre os programas da
grade humorística da Rede Globo de Televisão. Foi, inclusive, com a trupe
comandada por Renato Aragão que Carlos Manga realizou o seu último trabalho
para o cinema: “Os Trapalhões e o Rei do
Futebol” (1986) que ainda contava com a modelo Luiza Brunet e o jogador
Pelé no elenco.
Como produtor, Carlos Manga continuou a enriquecer seu
currículo com grandes trabalhos para a televisão em novelas inesquecíveis como
a hilariante “Vamp” (1991), o remake bem-sucedido
de “Anjo Mau” (1997), e o estrondoso “Torre de Babel” (1998), além da elogiada
minissérie “Agosto” (1993). Na direção
(de núcleo ou geral), assumiu o controle de seriados voltados para o público
infanto-juvenil como “Sandy & Junior”
(1999 - 2002) e a penúltima temporada do novo “Sítio do Pica-Pau Amarelo” (2006) dirigindo, neste último, um
total de 185 episódios.
Cabeças pensantes e interessadas como as de Carlos Manga
são cada vez mais raras na indústria e no mercado do entretenimento e da
cultura, cada vez mais voltados para a arrecadação e para a produção à toque de
caixa (incluindo a empresa pela qual o diretor trabalhou nas últimas décadas).
De forma bem sintética, Manga presava pela simplicidade e
ainda tentava trabalhar por amor. Por esse motivo (e por todos os outros) se
tornou um dos maiores da história!
Que agora descanse em paz... (1928 - 2015)
Dez filmes dirigidos por
Carlos Manga que indico (em ordem de predileção):
01 - O Homem do Sputnik (O Homem do Sputnik, Brasil, 1959)
02 - Matar ou Correr (Matar
ou Correr, Brasil, 1954)
03 - Nem Sansão, nem Dalila (Nem Sansão, nem Dalila, Brasil, 1955)
04 - Assim era a Atlântida (Assim era a Atlântida, Brasil, 1975)
05 - Os Dois Ladrões (Os
Dois Ladrões, Brasil, 1960)
06 - O Marginal (O
Marginal, Brasil, 1974)
07 - Quanto mais Samba Melhor (Quanto mais Samba Melhor, Brasil, 1960)
08 - A Dupla do Barulho (A Dupla do Barulho, Brasil, 1953)
09 - As Sete Evas (As
Sete Evas, Brasil, 1962)
10 - Carnaval Atlântida (Carnaval Atlântida, Brasil, 1952)
Os parceiros Grande Otelo e Oscarito em "Matar ou Correr" (1954) de Carlos Manga - Atlântida Cinematográfica [br] |
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