Percalços à
parte, consegui encontrar tempo para fazer uma maratona durante essas últimas
semanas e pude, felizmente, conferir alguns dos maiores destaques desta
temporada (muitos deles, inclusive, estarão presentes nessa relação final).
Muitas das produções ainda estão bem frescas na minha memória, fazendo com que
os critérios e o resultado final disposto nessa publicação talvez não reflitam
e nem representem tudo aquilo que eu possa julgar mais justo. O problema é que
2019 já está batendo à porta, e não há mais nada que eu possa fazer para
postergar a minha decisão.
Deixo um
aviso importante em relação à ausência de um dos títulos que, infelizmente,
tiveram de ficar de fora dessa lista. Programado para estrear no último dia 20
de dezembro, “Guerra Fria” (2018) de
Pawel Pawlikowski estava, até o último momento, relacionado como o segundo
melhor trabalho desta temporada, mas teve o seu lançamento adiado para 7 de
fevereiro do ano que vem, muito provavelmente por ter sido um dos nove
pré-indicados na categoria de Melhor Filme Estrangeiro do Oscar 2019. Fica aqui
o registro, a menção especial e a certeza de que ele estará figurando a minha
próxima lista de favoritos nesse próximo ciclo.
Essa
informação acaba nos levando a outra discussão extremamente necessária. Para os
que sempre dizem que este ou aquele trabalho fora lançado em um ano anterior ao
de 2018 – ou que tal filme tenha sido exibido pela primeira vez em determinado
Festival – lembro que os critérios adotados para estabelecer quais seriam os
títulos escolhidos para compor essa seleção de são subjetivos e ficam restritos
apenas às produções internacionais que
estrearam em 2018 nas salas de cinema do Brasil através do circuito comercial,
ou aquelas distribuídas diretamente em vídeo ou lançadas em plataformas de
streaming.
Superando
grandes obstáculos, chego a minha relação final e, após essas breves reflexões,
deixo com vocês a minha lista com Os Dez
Melhores Filmes de 2018 (em ordem decrescente):
10º. LUGAR: “INFILTRADO NA KLAN”
(BlacKkKlansman,
Estados Unidos, 2018) - de Spike Lee
Data da Estreia: 22 de novembro de 2018
Impulsionado
por uma fervorosa première no
Festival de Cannes deste ano, Spike Lee acaba subscrevendo um importante
manifesto político-cultural que desafia a sociedade moderna através do
lançamento de “Infiltrado na Klan”,
seu mais recente projeto para as telas. A produção tem contornos radicalmente
ácidos, mas jamais abandona o característico tom de ironia de seu diretor ao
tecer duras críticas ao atual momento de intolerância global e ao registrar o
completo repúdio ao extremismo reacionário que vem provocando a ascensão de
movimentos nacionalistas de supremacia branca e ampliando ainda mais os focos
de tensão racial nos Estados Unidos da Era Trump. Baseado em um inacreditável
evento real, o longa remonta a admirável biografia de Ron Stallworth (John
David Washington) primeiro oficial afro-americano a integrar o quadro de
investigadores do Departamento de Polícia de Colorado Springs já pelos idos
finais da década de 70.
Por
meio de uma série de correspondências e telefonemas, Ron consegue se infiltrar
em braço local da Ku Klux Klan na cidade e rapidamente se transforma em um dos
membros mais influentes da organização. Para além dessa ousadia – e com a
intenção de alcançar objetivos que possam levar seus planos para além do
inimaginável – o policial também convence Flip Zimmerman (Adam Driver), um
colega judeu, a se passar por ele durante as reuniões presenciais do grupo.
Como resultado imediato dessa ação, os dois agentes conseguiram tomar a
liderança da seita e foram responsáveis por interceptar uma sequência de atos
criminosos idealizados pelos “colegas” racistas. Traçando um paralelo com
assustadores eventos da atualidade, o filme faz um alarde sobre o
impressionante poder de regressão que a violência tem, demonstrando porque a
incitação ao ódio continua nos causando tamanha revolta.
9º. LUGAR: “O CONTO”
(The
Tale, Estados Unidos | Alemanha, 2018) - de Jennifer Fox
Data da Estreia: 18 de agosto de 2018
(lançamento direto para a TV)
Professora
conceituada em sua área de atuação, Jenny (Laura Dern) é também uma prestigiada
documentarista que viaja o mundo colhendo relatos de mulheres que foram vítimas
de abuso sexual durante a infância. No âmbito particular, consegue manter uma
relação duradoura e respeitosa com o noivo até o momento em que, de forma
repentina, toda essa sólida estrutura de vida começa a ficar abalada no
instante em que sua mãe encontra uma antiga e curiosa história escrita por ela
aos treze anos de idade. Ao revisitar o passado, Jenny passa a questionar a
natureza afetuosa do relacionamento pessoal que manteve no início dos anos 70
com a cativante Senhora G. (Elizabeth Debicki), sua antiga instrutora de
equitação. Relembrando alguns fatos, ela ainda se vê obrigada a resgatar
passagens escondidas na memória, sobretudo quando estava na companhia de Bill
(Jason Ritter), seu treinador de força e condicionamento.
Marcada
por uma crescente atmosfera de tensão, a narrativa se desenvolve com base no
sofrimento encubado de sua protagonista que, através de uma purga emocional,
passa a reconhecer os seus próprios traumas na mesma medida em que a realidade
lhe vai sendo revelada. Inspirado nas amargas e chocantes experiências íntimas
da diretora e roteirista Jennifer Fox, “O
Conto” não economiza em rispidez ao mostrar o quão desumana podemos ser e
como certas atitudes indignas podem afetar de maneira tão profunda os
sentimentos de uma criança. Exibido apenas em Festivais e planejado para ser
lançado como telefilme pela HBO, o longa não possui o apuro técnico de uma
grande produção cinematográfica, mas merece figurar nesta lista por explorar de
forma honesta – e absolutamente necessária – um assunto polêmico que sempre
causará uma série de controvérsias quando debatido.
8º. LUGAR: “O OUTRO LADO DO VENTO”
(The Other Side of the Wind, França | Irã
| Estados Unidos, 2018) - de Orson Welles
Data da Estreia: 2 de novembro de 2018
(lançamento global pela Netflix)
Mais do que
um grande filme, o lançamento de “O Outro
Lado do Vento” é um dos eventos cinematográficos mais importantes deste
século. Orson Welles faleceu há 33 anos, mas é emocionante poder assistir a um
trabalho tão pessoal que, assim como o de muitos outros cineastas, já estava
condenado ao esquecimento por ser considerado uma obra perdida e inacabada.
Rodado entre os anos de 1970 e 1976, a produção enfrentou uma série de
problemas correlacionados que iam desde as dificuldades para conseguir
financiamentos até processos relacionados aos direitos de propriedade
intelectual que impediam o pleno prosseguimento das filmagens. Pouco antes de
sua morte, Welles tentou encarar a ilha de edição, mas todas as tentativas
feitas para finalizar a montagem do longa foram classificadas como um enorme
fracasso. Não por acaso, a notícia da recuperação e restauração desse
patrimônio fílmico causou certo alvoroço entre os cinéfilos.
Executivos da
Netflix anunciaram, em março de 2017, a compra dos direitos globais da obra e o
início da missão que pretendia terminar o filme com base nos apontamentos e nas
diretrizes registradas em um antigo caderno de anotações de Welles, além de
aproveitar as cenas já montadas por ele. A narrativa é bastante sugestiva e
acompanha os passos de Jake Hannaford (John Huston), um excêntrico diretor de
Hollywood que, após anos de isolamento, retoma a carreira com planos ambiciosos
e inovadores para concluir os trabalhos de um antigo projeto pessoal. O que
mais impressiona em todos esses esforços para resgatar “O Outro Lado do Vento” é que ficou parecendo que ele foi
propositalmente feito para ser finalizado dessa maneira. Um “canto do cisne”
autobiográfico que resume a carreira conturbada de um artista incompreendido.
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"The Other Side of the Wind" (2018) de Orson Welles - Royal Road Entertainment [us] Les Films de l'Astrophore [fr] | SACI [ir] | Americas Film Conservancy [us] | Netflix [us] |
7º. LUGAR: “TRAMA FANTASMA”
(Phantom
Thread, Estados Unidos | Reino Unido, 2017) - de Paul Thomas Anderson
Data da Estreia: 22 de fevereiro de
2018
Trabalho
maduro e sofisticado conduzido com magistralidade por Paul Thomas Anderson, “Trama Fantasma” abusa da força de
representação das imagens para desvendar o poder inexorável de toda a beleza e
perversidade que existe dentro de cada um de nós. O filme também marca a
despedida precoce do ator Daniel Day-Lewis, que anunciou em 2017 a sua
aposentadoria das telas. Ele entrega, aqui, um dos papéis mais poderosos e
substanciais de sua primorosa carreira, pois se esvai de todo o protagonismo
para entrar de cabeça em um ardiloso e entrelaçado jogo de vaidades, costurado
por regras ditadas pela consciência e pela complexidade de cada personagem. No
plano das ações, testemunhamos como a crescente incompatibilidade entre um
casal unido pela conveniência acaba gerando uma série de fatos inconsequentes
que evidenciam o real peso de uma relação doentia e que contornam as particularidades
deste instigante melodrama.
Ambientado
na requintada Londres dos anos 50, o longa mergulha a fundo no elegante mundo
da moda e expõe a intimidade dos bastidores de um ateliê administrado pelo
renomado, metódico e inflexível estilista Reynolds Woodcock (Day-Lewis).
Examinado pelos discretos olhares da irmã e parceira nos negócios, Cyril
(Lesley Manville), o costureiro mantém uma rotina de elucubrações e busca o
estímulo necessário para conceber suas maiores criações através do envolvimento
com modelos que entram e saem de sua vida de forma constante e descartável. A
genialidade, o isolamento e a rispidez são símbolos de uma trajetória pessoal
construída e consumida unicamente pelo trabalho. Habituado a vestir a realeza e
a alta sociedade britânica, Woodcock vê o seu vanglorioso mundo de
excentricidades desmoronar quando começa a se relacionar com a enigmática Alma
(Vicky Krieps), sua mais nova musa inspiradora.
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"Phantom Thread" (2017) de Paul Thomas Anderson - Focus Features [us] Annapurna Pictures [us] | Perfect World Pictures [us] | Ghoulardi Film Company [us] |
6º. LUGAR: “O PARQUE”
(Le
Parc, França, 2016) - de Damien Manivel
Data da Estreia: 3 de maio de 2018
Foi
em uma despretensiosa sessão no meio da tarde durante o Indie Festival de 2017
que entrei em contato com "O
Parque", segundo longa-metragem do cineasta francês Damien Manivel, um
legítimo representante do libertário e inventivo cinema de autor, obra que
transborda originalidade em todos os seus processos de construção e que ainda é
capaz de recriar ambientes e situações triviais de uma forma absolutamente
fantástica. Desde então, o filme permanece reverberando na minha mente, tanto
pelo estilo audacioso quanto pelo conteúdo mordaz que abre espaço para um
discurso ácido sobre como o imediatismo das relações humanas podem influir na
ávida impaciência da juventude. Através de um metafórico estudo do amor na
modernidade, a narrativa acompanha dois adolescentes que procuram se refugiar
em uma natureza bucólica e permissiva a fim de se (re)conhecerem.
Receosos
no que diz respeito aos próprios sentimentos, Naomie (Naomie Vogt-Roby) e
Maxime (Maxime Bachelleire) decidem marcar o seu primeiro encontro em um parque
durante uma agradável tarde de verão. Após vencerem a retração e a timidez de
um desajeitado contato inicial, eles começam a se aproximar de maneira mais
íntima, trocando impressões e discutindo as suas maiores afinidades. Entre caminhadas,
conversas e inúmeras descobertas, os jovens estabelecem uma forte conexão
sentimental e acabam se apaixonando. O sol se põe e carrega consigo a angústia
e o nervosismo provocados pela dor de uma inevitável separação, uma despedida
amarga que marca o fim de um dia agradável que fora verdadeiramente marcante
para apenas um deles. A noite chega diligentemente apressada e a escuridão
constrói uma fortuita atmosfera de estranhamento, evidenciando um plano de
ações marcado pela desilusão e subvertido pelo desejo de reconstruir tudo
aquilo que é efêmero.
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"Le Parc" (2016) de Damien Manivel - MLD Films [fr] | Shellac Sud [fr] |
5º. LUGAR: “UMA NOITE DE 12 ANOS”
(La
Noche de 12 Años, Uruguai | Espanha | Argentina | França | Alemanha, 2018)
- de Álvaro Brechner
Data da Estreia: 27 de setembro de
2018
Produto
legítimo de um cinema político libertário e abertamente emocional, “Uma Noite de 12 Anos" acompanha a
dolorosa jornada de luta e resistência dos militantes Tupamaros, membros de um
grupo de guerrilha urbana que combatia as oportunas tentativas de avanço de
forças militares e a consequente instauração de um regime ditatorial no
Uruguai. Através das memórias de suas maiores lideranças – José ‘Pepe’ Mujica
(Antonio de la Torre), Mauricio ‘Russo’ Rosencof (Chino Darín) e Eleuterio ‘El
Ñato’ Fernández Huidobro (Alfonso Tort) – o filme já começa com a derrocada do
movimento que, de maneira franca e destemida, prosseguia nas ruas em defesa da
democracia frente a ruptura institucional promovida pelo golpe de Estado
ocorrido no país em junho de 1973. Após serem surpreendidos e presos em ações
distintas, os três companheiros permanecem encarcerados por um período de doze
anos, sobrevivendo impávidos ao silêncio e à tortura.
Dotada
de absoluta coragem e destreza, a condução de Álvaro Brechner consegue
contornar com maestria todas as singularidades de uma narrativa extremamente
melancólica e realista. Pautado pelo massacrante ritmo de progressão dos dias
de confinamento, o diretor retrata, com tamanha precisão de detalhes, o
inóspito ambiente das prisões e a impiedosa rotina de hostilidades vivida por
esses homens. Na companhia da solidão e privados da liberdade durante todo o
tempo em que esse governo autoritário se manteve no poder, Pepe, Russo e El
Ñato continuaram enfrentando infindas provações até o momento da
redemocratização nacional em 1985. Mesmo deixando marcas de desumanidade,
loucura e violência, “Uma Noite de 12
Anos” comove ao denunciar o autoritarismo e a crueldade de capítulos
obscuros da história da América Latina, se transformando em um importante
documento ideológico que reverbera na atualidade.
4º. LUGAR: “FELIZ COMO LÁZARO” (lançamento
local pela Netflix)
(Lazzaro
Felice, Itália | Suíça | França | Alemanha, 2018) - de Alice Rohrwacher
Data da Estreia: 30 de novembro de 2018
Moldada
por uma ríspida crítica social com leves contornos de fábula, a realização de “Feliz como Lázaro” pode simbolizar o
resgate de toda a essência humanista deixada como herança em várias obras do
cinema italiano clássico. Através de características emocionalmente identificáveis,
a diretora Alice Rohrwacher buscou inspiração em cineastas como Ermanno Olmi e
Ettore Scola para construir as bases de sua incrível crônica sobre a
honestidade e a perseverança. Em um primeiro momento, acompanhamos a rotina de
um grupo de camponeses submetidos a um vicioso ciclo de explorações em
Inviolata, pequena comunidade rural que se sustenta através do cultivo do
tabaco. No centro das interações surge a figura gentil e prestativa de Lazzaro
(Adriano Tardiolo), alvo preferencial desses desmandos, que, no auge de seu
altruísmo e ingenuidade, engata uma improvável amizade com o tempestuoso
Tancredi (Luca Chikovani), filho dos donos da propriedade.
Após
um inesperado e surpreendente incidente, a trama avança pelos anos de forma
significativa. O salto temporal faz com que o espectador reencontre os
personagens envelhecidos e lutando para se sustentar, só que dessa vez
enfrentando as dificuldades em uma grande metrópole – tal fato só demonstram
como as circunstanciais relações de poder seguem interferindo de forma direta
no destino de cada um. Lazzaro permanece alheio a algumas mudanças, mas se
mantém preocupado com os amigos e continua enxergando o mundo inocentemente, o
que evidencia ainda mais o seu espírito de generosidade e lealdade. Abraçando as
metáforas e se apoiando no sincretismo cultural, o filme acaba se transformando
em uma tocante alegoria da vida, cenário no qual passado e presente se misturam
para mostrar que a dicotomia entre o campo e a cidade só sobrevive no plano das
imagens.
3º. LUGAR: “EM CHAMAS”
(Beoning,
Coreia do Sul, 2018) - de Chang-dong Lee
Data da Estreia: 15 de novembro de 2018
As
artimanhas do destino acabam plantando a semente da dúvida na mente daqueles
que deixam se envolver por esse thriller
psicológico nada convencional, tido como a mais nova joia do arrojado cinema
sul-coreano. Baseada em um dos contos do escritor japonês Haruki Murakami que,
por sua vez, absorve muito das técnicas do fluxo de consciência empregadas na
literatura de William Faulkner, a eloquente trama de “Em Chamas” permanece envolta por uma narrativa desafiadora que
nunca se preocupa em oferecer respostas claras e rápidas para o espectador que,
naturalmente, precisa estar sempre atento a todos os detalhes para conseguir
desvendar as enigmáticas situações enfrentadas pelo protagonista. A complexa
estrutura desse suspense começa a ser construída a partir do encontro casual
entre o aspirante a escritor Jong-su (Ah-in Yoo) e Hae-mi (Jong-seo Jun), uma
garota simpática que diz conhecê-lo desde bastante tempo.
Segundo
ela, os dois eram amigos de infância quando viviam na provinciana cidade de
Paju, muito embora ele não recorde de todas as histórias com precisão. Hae-mi
está com uma viagem marcada para a África e pede para que Jong-su cuide de seu
gato de estimação no período que estiver fora. Do voto de confiança nasce um
envolvimento íntimo e, logo depois, um triângulo amoroso começa a ser desenhado
no dia em que a jovem volta do exterior na companhia do misterioso Ben (Steven
Yeun), um rapaz rico e bem relacionado que revela ter um hobby estranhamente
peculiar. A partir desse ponto, o diretor Chang-dong Lee passa a nos apresentar
um trabalho absolutamente intrigante, lançando metáforas circunstanciais para
que fiquemos sem saber se tudo que os personagens estão vivendo gira em torno
da realidade ou flutua no campo da imaginação.
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"Beoning" (2018) de Chang-dong Lee - Pine House Film [kr] | NHK [jp] | Now Films [kr] |
2º. LUGAR: “ROMA”
(Roma,
México | Estados Unidos, 2018) - de Alfonso Cuarón
Data da Estreia: 14 de dezembro de
2018 (lançamento global pela Netflix)
A estética
impactante, o apuro técnico impecável e o deslumbre visual estampado em uma
hipnotizante fotografia em preto e branco transformam “Roma”, o filme mais afável e intimista da carreira de Alfonso
Cuarón, em uma verdadeira aula de cinema. Através de críticas sutis, mas
bastante incisivas, o cineasta traça um franco panorama histórico e social da
Cidade do México no início dos anos 70, ao passo que acompanha o cotidiano
fraternal e simbiótico de uma família de classe média alta sob o ponto de vista
de uma de suas empregadas, Cleo (Yalitza Aparicio). Mesmo vivendo um
angustiante drama pessoal, ela continua sustentando a rotina da casa
cozinhando, lavando, limpando e doando generosas doses de afeto ao cuidar dos
quatro filhos de Sofía (Marina de Tavira), que também vem sofrendo com as
ausências e o distanciamento do marido (Fernando Grrediaga).
As diversas
formas de carinho e pequenas repreensões expressas nas interações de Cleo com
as crianças e com seus patrões contrastam com os momentos de catarse emocional
que sempre colocam em evidência o peso das relações humanas, mostrando o lugar
de cada um dentro de uma dinâmica de isolamento suavemente provocativa que
acaba transferindo para o público uma experiência sensorial formidável.
Aclamado como obra-prima contemporânea desde de que conquistou o Leão de Ouro
no Festival de Veneza deste ano, o longa pode criar expectativas e impressões
equivocadas em parte dos espectadores que aguardavam a sua estreia comercial,
simplesmente pelo fato do mesmo ter sido lançado diretamente na Netflix e
apenas em pouquíssimas salas de cinema ao redor do mundo – o que certamente
ampliará as discussões sobre o papel que as principais plataformas de streaming
deverão desempenhar ao longo dos próximos anos.
![]() |
"Roma" (2018) de Alfonso Cuarón - Esperanto Filmoj [us] | Participant Media [us] | Netflix [us] |
1º. LUGAR: “PROJETO FLÓRIDA”
(The
Florida Project, Estados Unidos, 2017) - de Sean Baker
Data da Estreia: 1º de março de 2018
O real efeito
de uma categórica crítica social ao sistemático padrão de vida norte-americano abre
espaço para que um dos filmes mais humanos e verdadeiros dos últimos anos passe
a ocupar a posição de número um da nossa lista. Maior esnobado da última
temporada de premiações nos Estados Unidos, “Projeto
Flórida” revela o que existe às margens de um mundo de sonhos possíveis que
são propagados e vendidos pela artificialidade do complexo da Walt Disney World
Resort. Vivendo em um motel de beira de estrada nos subúrbios da cidade de
Orlando, Halley (Bria Vinaite) é uma jovem mãe que não mede esforços para
prover um futuro mais digna para sua filha, a encantadora Moonee (Brooklynn
Prince). Mesmo encontrando dificuldades para se manterem, elas acabam contando
com a amizade, a confiança e a paciência de Bobby (Willem Dafoe), gerente do
local.
Por sinal, é
a espevitada garotinha quem toma conta de todas cenas, mesmo que a relação
maternal seja aquela que ofereça os contornos mais ásperos para o drama, podendo
fazer com que um espectador de ideais mais conservadores possa enxergar Halley
como uma completa irresponsável e ainda acreditar que exista uma falta de zelo
em relação à Moonee, que passa as tardes de verão solta pelas ruas aprontando
confusões e se divertindo com os amigos. De forma bastante comovente e
sensível, o diretor Sean Baker lança um olhar honesto sobre a representação da
infância, preenchendo de ludicidade um campo no qual a inocência se transforma
no principal refúgio para a imaginação dessa criança – faz de conta convertido
em um ponto de fuga intangível que tenta se deslocar em direção à fantasiosa
liberdade refletida pelo esplendor do castelo de Magic Kingdom.
![]() |
"The Florida Project" (2017) de Sean Baker - Cre Film [us] Freestyle Picture Company [us] | June Pictures [us] | Sweet Tomato Films [us] |
É claro que uma relação com apenas dez títulos acaba
sendo muito pequena para traduzir a singularidade de um ano tão especial para o
cinema em todo o mundo, uma temporada incrível que nos presenteou com produções
absolutamente inesquecíveis. Dessa forma, deixo mais um conjunto de pequenas
listas que se encaixam em algumas categorias que também julgo serem muito importantes:
Também mereceram destaque este ano: “Antes que Tudo Desapareça” (2017) de Kiyoshi Kurosawa; “A Forma da Água” (2017)
de Guillermo del Toro; “Me Chame pelo seu
Nome” (2017) de Luca Guadagnino; “Bergman
- 100 Anos” (2018) de Jane Magnusson;
“Faca no Coração” (2018) de Yann
Gonzalez; e “Ponto Cego” (2018) de Carlos
López Estrada.
Não vimos e nem veremos: “Cinquenta
Tons de Liberdade” (2018) de James Foley.
Ainda faltam ser conferidos: “Amante por um Dia” (2017) de Philippe Garrel; “No Coração da Escuridão” (2017) de Paul
Schrader; “Sem Data, sem Assinatura”
(2017) de Vahid Jalilvand; “Zama”
(2017) de Lucrecia Martel; “As Herdeiras”
(2018) de Marcelo Martinessi; e “Hereditário”
(2018) de Ari Aster.
Podem obter grande destaque em 2019: “Assunto de Família” (2018) de Hirokazu Koreeda; “Climax”
(2018) de Gaspar Noé; “The Beach Bum”
(2019) de Harmony Korine; “Era uma Vez em
Hollywood” (2019) de Quentin Tarantino;
“The Irishman" (2019) de Martin Scorsese; e “Vidro” (2019) de M. Night Shyamalan.
Maior expectativa para 2019: “Dragged
Across Concrete” (2018) de S. Craig Zahler.
(*) Lembrando
que críticas, apontamentos de injustiças ou esquecimentos podem ser expressos
nos comentários... ;-)
(**) Também
não descartaremos os elogios! :-D
Confira também as listas
com “Os Dez Melhores Filmes” de cada
ano eleitos pelo Rotina Cinematográfica em artigos anteriores:
É isso... ATÉ 2019!
E VIVA O
CINEMA!