Tem início hoje, no Sesc Palladium em Belo Horizonte, a Mostra “Pasolini e o Cinema de Poesia”.
Ao todo serão exibidos na Sala Professor José Tavares de Barros, até o dia 19
de julho, 14 grandes obras de um dos cineastas mais polêmicos da História do Cinema:
o ainda poeta e ensaísta italiano Pier Paolo Pasolini.
Com forte teor político e cunho ideológico abrasivo, o
cinema de Pasolini nasce do confronto e do inconformismo com o mundo e com a
humanidade, contestando os padrões sociais de moralidade e de religiosidade de
uma incongruente sociedade europeia. Não obstante, a Mostra ainda marca os 40
anos da morte do cineasta que, de maneira misteriosa e controversamente resignada,
foi assassinado brutalmente por um suposto garoto de programa em novembro de
1975. Apesar de existir uma versão original para o crime, há quem ligue de
forma deliberada todos os fatos ao governo italiano que via no cineasta, comunista
e homossexual assumido, uma clara e evidente “ameaça” à cultura do país.
Não há um meio termo para a apreciação das obras realizadas
por Pier Paolo Pasolini. O poderio de suas imagens está sempre marcado por um absurdo
radicalismo estético que questiona a ideia das narrativas clássicas e sugere
uma renovação da linguagem na sétima arte. A sua proposta de cinema confronta o
registro meramente naturalista com uma espécie de subconsciência autônoma capaz
de fazer uma leitura totalmente diferente da realidade, revelando e expressando
celeumas que afrontam o descomedido e inquietante desejo do ser humano. O uso
da câmera subjetiva (que expressa o ponto de vista das personagens) e a
aproximação entre o discurso literário e a linguística com a sua forma de fazer
cinema, fizeram de Pasolini o mais poético dentre todos os realizadores (alcunha,
por vezes, contestada por ele próprio).
Imbuído pela subjetividade presente em quase toda a sua
filmografia, destacam-se na carreira do diretor, por exemplo, as adaptações
cinematográficas das tragédias gregas “Édipo
Rei” (1967) de Sófocles e “Medéia, a
Feiticeira do Amor” (1969) de Eurípedes (ambas roteirizadas pelo próprio
Pasolini), além de releituras de clássicos da literatura da Europa que deram
origem à “Trilogia da Vida de Pasolini”
com os filmes “Decameron” (1971)
baseado nos contos de Giovanni Boccaccio e “Os
Contos de Canterbury” (1972) do filósofo e escritor inglês Geoffrey Chaucer,
completados ainda por “As Mil e uma
Noites” (1974) da homônima coleção de histórias e contos populares do
Oriente Médio.
Propostas fidedignas da noção de cinema de poesia
atribuídas às realizações de Pasolini, todos esses cinco fantasiosos filmes
acima citados compõe a programação e podem ser conferidos na Mostra que se
inicia hoje. Juntam-se a eles, ainda, filmes socialmente mais austeros e
desconcertantes como o documentário “Comícios
de Amor” (1964); e fabulosas ficções como o realista “Mamma Roma” (1962), o alegórico “Gaviões e Passarinhos” (1966) e o degradante “Pocilga” (1969).
Além disso, será oferecido ao público um curso sobre a
vida e obra de Pasolini, abordando os momentos mais geniais e conturbados da
carreira do cineasta, evidenciando o inestimado valor de sua contribuição
cultural tanto para o cinema quanto para a literatura italiana e mundial entre
as décadas de 50 e 70. O curso será ministrado pelo pesquisador Luiz Nazario,
doutor em História pela USP e professor de História do Cinema da Escola de
Belas Artes da UFMG. Apesar da inscrição ser gratuita, as vagas são limitadas e
é necessário o envio de currículo para o e-mail educativopalladium@sescmg.com.br.
Com base na programação divulgada pelo Sesc e na lista
dos filmes que serão exibidos, o Rotina Cinemeira selecionou quatro
dos mais importantes e relevantes trabalhos da carreira de Pasolini, apresentando
a sinopse de cada um deles e qualificando-os como imperdíveis (assim como todos
os outros dez) para o período desta Mostra. Confira agora as nossas indicações:
Accattone - Desajuste Social
(Accattone, Itália, 1961)
Direção: Pier Paolo Pasolini
Vittorio Cataldi (Franco Citti), ou “Accattone” para os
conhecidos, é um cafetão que vive às custas do trabalho de Maddalena (Silvana
Corsini). Ele ainda é casado com Ascenza (Paola Guidi), com quem tem um filho,
porém, evita manter contato ou muita intimidade com os dois. Quando a sua prostituta
é enviada para a prisão sob a acusação do delito de perjúrio, Accattone perde o
seu “ganha-pão” e acredita que a vida sairá do controle ao se ver sem outros
meios de provimento.
Accattone (que significa “mendigo” em italiano) tenta
fazer com que a sua esposa assuma as tarefas de Maddalena, mas ela se recusa.
Sem nenhuma fonte de rendimento, o desvairado vagabundo inicia o seu processo
de declínio ao conhecer a bela e virginal Stella (Franca Pasut) quando tenta
jogá-la, também sem nenhum sucesso, na vida de prostituição.
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"Accattone" (1961) de Pier Paolo Pasolini - Arco Film [it] | Cino del Duca [it] |
O Evangelho Segundo São
Mateus (Il Vangelo Secondo Matteo, Itália
| França, 1964)
Direção: Pier Paolo Pasolini
Seguindo de maneira fiel os textos bíblicos do evangelho
de Mateus, a adaptação cinematográfica de Pasolini acompanha todas as etapas da
vida de Jesus Cristo, do nascimento à ressurreição, em um registro híbrido que
contrapõe o documentário e a ficção. Com claro propósito político e caráter
humanista, o longa permeia pelas parábolas, pelos milagres e pelos primeiros encontros
de Jesus com seus discípulos, contrapondo a sua determinação com a sua
intolerância e relativa impaciência.
“O Evangelho Segundo São
Mateus” é considerado
por muitos (ao lado de “A Última Tentação
de Cristo” de Martin Scorsese) o melhor filme sobre Jesus, pois a característica
benevolência da personagem é suprimida pelo espírito revolucionário que a mesma
sempre possuiu. O Cristo pasoliniano (interpretado por Enrique Irazoqui) é mais
humano do que divino, com amenos traços de doçura, mas capaz de reagir com
intensa fúria à hipocrisia e à petulante falsidade dos homens.
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"Il Vangelo Secondo Matteo" (1964) de Pier Paolo Pasolini Arco Film [it] | Lux Compagnie Cinématographique de France [fr] |
Teorema (Teorema, Itália, 1968)
Direção: Pier Paolo Pasolini
Um estranho visitante (Terence Stamp) chega
misteriosamente à Milão e se hospeda na mansão de uma rica e tradicional
família burguesa. Aos poucos ele vai modificando a vida de todos quando começa
a seduzir, primeiramente, a empregada da casa. Em seguida, ele cativa e
persuade o filho, a mãe, a filha e, finalmente, o pai. Além da relação íntima,
o homem mantém contatos intelectuais e diálogos filosóficos com cada um deles,
tentando-os convencer da futilidade e da falta de sentido da humanidade.
Da mesma forma adventícia que veio, o visitante vai
embora sem dar nenhuma explicação, deixando na casa um enorme vazio existencial
e instaurando, de forma inevitável, uma grave crise familiar onde ninguém mais
consegue continuar vivendo da mesma forma, tentando constantemente encontrar a
resposta para duas perguntas: Quem era aquele homem? O que teria mudado após a
sua passagem por nossas vidas?
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"Teorema" (1968) de Pier Paolo Pasolini - Aetos Produzioni Cinematografiche [it] | Euro International Film (EIA) [it] |
Saló ou os 120 Dias de
Sodoma (Salò o le 120 Giornate di Sodoma,
Itália | França, 1975)
Direção: Pier Paolo Pasolini
Perturbadora, medonha e apavorante! A mais polêmica
dentre as polêmicas obras de Pier Paolo Pasolini, “Saló ou os 120 Dias de Sodoma” é livremente baseada nas histórias
de Dante e do Marquês de Sade (“Círculo
das Manias”, “Círculo da Merda” e
“Círculo do Sangue”) e acompanha as
aterradoras ações de quatro libertinos fascistas que sequestram 16 jovens (oito
meninos e oito meninas) e os submetem a 120 dias de torturas físicas, mentais e
sexuais em um palácio isolado e próximo à Marzabotto, na província italiana de
Saló.
Aprisionadas e vigiadas por guardas, criados e garanhões
da mansão, as vítimas são belos e saudáveis exemplares da perfeição da
juventude que agora estão entregues à perversão e ao prazer masoquista destes dignitários.
Além deles, ainda há quatro mulheres de meia-idade que relatam aos adolescentes
provocantes histórias sadistas acompanhadas por uma lúgubre trilha de piano. O
drama é ambientado durante a ocupação nazista da Itália em 1944, período
caracterizado por caóticas subversões de ideologias e pelo latente descontrole
psicológico generalizado.
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"Salò ole 120 Giornate di Sodoma" (1975) de Pier Paolo Pasolini Produzioni Europee Associati (PEA) [it] | Les Productions Artistes Associés [fr] | United Artists [us] |
As exibições serão diárias e a programação completa está
disponível no site do Sesc Palladium (sescmg.com.br/sescpalladium) ou pode ser
acessada diretamente pelo link Mostra “Pasolini e o Cinema de Poesia”.
Lembrando que a entrada é gratuita, mas é necessário
retirar os ingressos na bilheteria do Sesc duas horas antes de cada sessão. O
espaço está sujeito a lotação. Observação:
a casa não funciona às segundas-feiras.
A Sala Professor José Tavares de Barros está localizada
no Sesc Palladium, na Avenida Augusto de Lima 420, centro de Belo Horizonte.
BOAS SESSÕES!
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