Um melodrama sutil, poético e inocente que ajudou a
repaginar o belíssimo e comovente cinema iraniano; um retrato frio e marginal de
uma intolerante e brutal sociedade moderna; o início da história de amor do
casal mais apaixonado e apaixonante do cinema; uma pequena grande catástrofe
para pequenos grandes heróis; e um profundo e atraente thriller psicológico que
reinventou e refundou as bases dos gêneros de suspense e filmes policiais das
produções cinematográficas mais recentes.
Continue acompanhando a retrospectiva que o RotinaCinemeira vem realizando ao longo do mês de julho ao elencar 20 importantes
trabalhos produzidos e lançados no ano de 1995. Filmes inesquecíveis e
clássicos contemporâneos que ainda mantém o fôlego e chegam vigorosos em 2015,
completando os seus 20 anos. Preciosidades que, se ainda não estão, já deveriam
estar nas estantes (ou nos HDs) de qualquer cinéfilo.
O Balão Branco (Badkonake Sefid, Irã, 1995)
Direção: Jafar Panahi
Durante as comemorações do Ano Novo Persa, a encantadora
Razieh (Aida Mohammadkhani) insiste para que sua mãe (Fereshteh Sadre Orafaiy)
lhe compre de presente um peixinho dourado que ela viu em uma loja. Segunda a
garotinha, o peixe é muito mais bonito e mais gordo do que aqueles que a
família tem na fonte do quintal de casa. Com muita persistência e com a ajuda
do irmão Ali (Mohsen Kafili), a mãe acaba sendo convencida por Razieh e dá o
dinheiro de suas últimas economias para que filha tenha o peixinho. Entretanto,
a pequena ainda passará por uma grande provação até chegar à loja.
Percorrendo as ruas de Teerã, somos confrontados por uma
sociedade ocupada, afadigada e egoísta, e percebemos o quanto as relações
humanas estão perdendo em sensibilidade. No meio do caminho, vários adultos
tentam se aproveitar da inocência da menina, enquanto outros não lhe dão a
menor atenção. Razieh perde o dinheiro por duas vezes, mas não mede esforços
para recuperá-lo. Para ela, essa “pequena grande aventura” é uma desafiadora
jornada de fé, um misto de liberdade e responsabilidade que lhe dá forças para
não desistir de seus sonhos e propósitos.
Vencedor do Prêmio Câmera de Ouro na quinzena de
realizadores e semana da crítica do Festival de Cannes, “O Balão Branco” é o longa-metragem de estreia do (na época)
promissor diretor Jafar Panahi, que também concebeu a ideia original do filme e
contou com a colaboração do renomado Abbas Kiarostami para escrever o roteiro.
O longa representa um dos marcos do ciclo de “repopularização” do sempre
cultuado cinema iraniano, complexo e demasiadamente artístico em décadas
anteriores e que ganhou um novo fôlego a partir dos 90, aproximando e se
inspirando ainda mais do naturalismo poético do cinema japonês e da sutileza do
neorrealismo italiano.
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"Badkonake Sefid" (1995) de Jafar Panahi - Ferdos Films | I.R.I.B. Channel 2 [ir] |
O Ódio (La Haine, França, 1995)
Direção: Mathieu
Kassovitz
Os desgastados e mais do que habituais chavões “soco no
estômago” ou “tapa na cara da sociedade” podem funcionar muito bem para
descrever a estreia de “O Ódio” nos
cinemas da França em 1995. Filmado no melhor estilo do cinema-verdade, o
segundo longa do jovem Mathieu Kassovitz salta aos olhos do espectador
escancarando, de forma visceral, a antiga problemática social e institucional
das infundadas e truculentas ações policiais contra as minorias, e as
consequentes eclosões de motins contra àqueles que estão na rua para,
teoricamente, proteger toda uma sociedade. O principal detalhe é que as
retaliações partem de grupos de vândalos revoltosos, alienados e igualmente
estapafúrdios.
Morador dos subúrbios de Paris, Abdel (Abdel Ahmed Ghili)
é um jovem imigrante árabe que chega inconsciente a um hospital após ser
violentamente espancado por policiais. O rapaz corre risco de vida e, pelo fato
do ataque ter transcorrido impunemente, acaba inspirando a revolta e o ódio de
outros jovens que, assim como ele, moram no mesmo conjunto habitacional e
também sofrem um tratamento diferenciado, simplesmente por não serem legítimos
cidadãos franceses. Entre eles estão Vinz (Vincent Cassel), um judeu raivoso e
pouco inteligente; Saïd (Saïd Taghmaoui), norte-africano mais sereno, mas
profundamente preocupado com o seu incerto futuro; e um não menos inconformado
Hubert (Hubert Koundé), negro e boxer que, dos três, é o mais maduro e
centrado, justamente por conseguir canalizar a raiva em suas lutas.
Naturalmente propensos à violência, os três amigos passam
toda uma noite em conflito com a polícia e, embora estejam consumidos pela ira,
cada um toma conta das ações dos outros, de forma que a situação não saia
totalmente do controle. O cenário muda quando um dos policiais perde a sua arma
totalmente carregada em mais um violento evento. Ela acaba caindo nas mãos de
Vinz que, disposto a descarregá-la, promete matar um policial para “igualar o
placar” caso Abdel não resista aos ferimentos.
Transparecendo a realidade nua e crua sem abrir mão da
originalidade, “O Ódio” é
simplesmente o espelho das inúmeras sociedades contemporâneas (principalmente
aquelas de grandes e heterogêneos aglomerados urbanos) que se encontram em um
devastador e irreversível colapso e que ainda incorporam, em sua desajuizada
filosofia, mais um batido clichê: o “olho por olho, dente, por dente”.
Antes do Amanhecer (Before Sunrise, Estados Unidos | Áustria
| Suíça, 1995)
Direção: Richard
Linklater
“Antes de Qualquer Coisa”, é importante dizer que aquele
toque de conquista mágico e emocionalmente forte que Céline (Julie Delpy) e
Jesse (Ethan Hawke) levaram para as telas (há exatos 20 anos!) continua
encantando e inspirando os mais pirados e enlouquecidos casais do mundo.
Dirigido de forma comprometida e soberba por Richard Linklater, “Antes do Amanhecer” talvez seja o
romance mais intenso e verdadeiro que o cinema foi capaz de registrar. O filme
se tornou um clássico imediato, fazendo com que um incontável número de fãs se
apaixonassem instantaneamente pelo casal (assim como ocorreu com os próprios
protagonistas durante o longa).
Após se conheceram em uma viagem de trem pela Europa, a
ponderada e tímida estudante francesa e o carismático e aventureiro americano
começam a trocar as suas impressões sobre a vida e sobre o mundo, e logo sentem
grande empatia um pelo outro. Em uma das paradas, Jesse convida Céline para
descer e passar o resto do dia com ele, ajudando-o a vencer uma “tediosa
coleção de horas” que enfrentaria sozinho em um aeroporto, esperando a sua
volta para os Estados Unidos até o amanhecer. Céline aceita a proposta e, a
partir daí, acompanhamos o gradativo e abrasado envolvimento dos dois, tendo
como cenário uma belíssima e romântica Viena. Os diálogos acabam tomando
caminhos ainda mais interessantes e os dois jovens começam a conversar,
inclusive, sobre a própria relação, colocando em prática as conclusões a que
chegam juntos e refazendo a si mesmos, um através do outro. Permeados pela
certeza de que terão muito pouco tempo juntos, Céline e Jesse farão de sua
única noite um instante inesquecível e, se possível, eterno.
Romântico sem sequer se aproximar da fronteira do piegas,
“Antes do Amanhecer” é um filme de
rara preciosidade, pois transcende qualquer definição de gênero
cinematográfico. Assim como o cruelmente belo “Antes do Pôr-do-Sol” (2004) e o asfixiante “Antes da Meia-Noite” (2013), também protagonizados por Delpy e
Hawke e dirigidos por Linklater, o primeiro filme dessa apaixonante trilogia
trata o relacionamento amoroso das personagens de maneira limpa, honesta e
verdadeira. A explosão hormonal e o incontido espírito de descobertas deste
dará lugar às cicatrizes da maturidade e as rugas de uma dilacerante harmonia nos
demais, brindando, de forma decorosa, a vida e o amor.
Entretanto, “Antes
do Amanhecer” é como tudo na vida deveria ser... Lindo demais!
Apollo 13 - Do Desastre
ao Triunfo (Apollo 13, Estados
Unidos, 1995)
Direção: Ron Howard
O espírito desbravador da Humanidade e os Seus
consequentes sonhos e desejos de conquistas (cada vez maiores!) acompanham-na
desde a pré-história. Visto de fora e de muito longe, aquele pequeno ponto azul
no universo pode até ser compreendido como uma unidade de força, cooperação e
resistência entre seus pares. Voltando para a superfície e observando tudo
daqui mesmo, entendemos que a controversa e polêmica chegada à Lua, em 1969,
representou mais um grandioso capítulo e um salto gigantesco para a Sua história
e, talvez, para estes que (aqui) vivem a tal “Humanidade”. Entretanto, os
pequenos passos que foram dados por estes homens, Seus humildes representantes,
enfrentaram (e ainda enfrentam) caminhos ásperos, tortuosos e problemáticos.
Das sete missões tripuladas do “Programa Apollo” que
sucederam a triunfal jornada da Apollo 11, seis obtiveram êxito. Uma, contudo,
se transformou numa verdadeira dor de cabeça e se configurou como um quase
desastre. O filme reconta o drama dos astronautas Jim Lovell (Tom Hanks), Fred
Haise (Bill Paxton) e Jack Swigert (Kevin Bacon) e redesenha a miraculosa
estratégia de resgate da NASA que pretendia trazê-los de volta à Terra logo
após um tanque de oxigênio explodir, colocando a vida destes homens, a bordo da
missão Apollo 13, em risco. Encabeçadas pelo astronauta Ken Mattingly (Gary
Sinise) e pelo diretor de voo Gene Kranz (Ed Harris), a equipe responsável pelo
monitoramento da Missão deveria tirar da cabeça de Lovell e de seus companheiros
a terrível sensação da certeza de não retorno para a casa e lutar com frieza
para que a tragédia não fosse consumada.
Ocorrido em 1970, o incidente seria, até então, o maior
desastre da história em relação à navegação espacial dos Estados Unidos. Explorar
o espaço de forma destemida e em segurança continuou sendo um desafio, afinal,
anos mais tarde, as tragédias da Challenger, em 1986, e da Columbia, em 2003,
fizeram os sonhos mitológicos de Ícaro parecerem pequenos e os problemas de
Houston ainda maiores perto de tamanha imponência. O longa do diretor Ron Howard
foi lançado entre os dois acidentes, reforçando que os instintos primitivos de
se lançar ao desconhecido são maiores que os próprios desejos de sobrevivência
da Humanidade.
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"Apollo 13" (1995) de Ron Howard - Universal Pictures [us] | Imagine Entertainment [us] |
Seven: Os Sete Crimes
Capitais (Se7en, Estados Unidos,
1995)
Direção: David Fincher
Diretor de videoclipes musicais e da sequência não tão
grandiosa de “Alien3”
(1992), David Fincher mostrou realmente ao que veio quando estreou seu segundo
longa-metragem, o thriller psicológico “Seven:
Os Sete Crimes Capitais”. A ardilosa e bem conjugada trama é mais um dos
grandes clássicos modernos da década de 90 que ajudou a redefinir e reinventar alguns
padrões dos gêneros de suspense e dos filmes policiais ao retratar (em um
roteiro cautelosamente bem escrito por Andrew Kevin Walker) a mente engenhosa
de um serial killer que escolhe as
suas vítimas e baseia os seus assassinatos de acordo com a ordem dos sete
pecados capitais.
O meticuloso “modus
operandi” deste criminoso começa a ser desvendado na divisão de homicídios
de uma delegacia, onde o jovem impetuoso e impulsivo David Mills (Brad Pitt)
chega para assumir o lugar do veterano e experiente William Somerset (Morgan
Freeman), que está há apenas uma semana de reformar-se. Juntos, os distintos
detetives são escalados para trabalhar e tentar concluir esta intrigante e
perigosa investigação. A maturidade e a sapiência de Somerset se equilibram com
o temperamento voraz de Mills, entretanto, quando Tracy Mills (Gwyneth Paltrow),
esposa de David, é envolvida neste embuste homicida, observamos a caçada ao
assassino se tornar desesperada e, de certa forma, selvagem.
Ao final, as confissões e declarações frias do sociopata
calculista (interpretado de forma magistral por Kevin Spacey) soam
temerosamente cruéis, mas também são coerentes, profundas e verdadeiras. É
chocante pensar nisto, mas a absolvição de um mundo ignorante talvez seja plenamente
justificada pelos crimes desse assassino e alicerçadas, sobretudo, pelos
pecados cometidos pelas vítimas ao longo de suas vidas.
Contundente e categórico, “Seven: Os Sete Crimes Capitais” definiu a assinatura poderosa de
David Fincher, colocando-o no hall
dos cineastas mais ousados e surpreendentes deste novo cenário da indústria
cinematográfica, repleto de obras inteligentes e impactantes, como os seus
posteriores e poderosos “Clube da Luta”
(1999) e “O Quarto do Pânico” (2002).
Recentemente, sua proficiência foi ressalvada com outro sucesso competentemente
bem concebido, o paranoico “Garota
Exemplar” (2014).
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"Se7en" (1995) de David Fincher - Cecchi Gori Pictures [us] | Juno Pix | New Line Cinema [us] |
É isso! E para relembrar os filmes apresentados
anteriormente nessa retrospectiva, basta nos acompanhar visitando os artigos ou
clicando nos links correspondentes a seguir:
E aguardem! No final da próxima semana concluiremos essa
revisão cinematográfica especial de julho com os últimos filmes na Parte IV, que promete revelar mais
cinco títulos inesquecíveis!
Não deixem de conferir! Até lá...
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