Um drama estupendo e verdadeiro que examina com uma
delicadeza ácida o polêmico tema da pena de morte; o álcool como instrumento de
fuga das pressões e amarguras da vida; a confusão organizada do diretor que
consegue transmitir, de maneira surreal, os dilemas de um existencialismo
problemático e de um futuro malogrado; a combinação perfeita que faz de alguns
filmes de Martin Scorsese sucessos absolutos; e o nascimento de um dos estúdios
mais importantes da contemporaneidade que alcançou o sucesso com o lançamento
de seu longa de estreia, considerado o primeiro da história do cinema de
animação a ser feito inteiramente através do computador.
Dessa forma, o Rotina Cinemeira encerra a
retrospectiva realizada ao longo deste mês de julho, elencando 20 importantes
trabalhos produzidos e lançados em um não tão distante 1995, ano repleto de filmes
inesquecíveis, clássicos contemporâneos que ainda mantém o fôlego e chegam
vigorosos em 2015, completando os seus 20 anos. Preciosidades que, se ainda não
estão, já deveriam estar nas estantes (ou nos HDs) de qualquer cinéfilo.
Os Últimos Passos de um
Homem (Dead Man Walking, Reino Unido
| Estados Unidos, 1995)
Direção: Tim Robbins
O nó na garganta e o desespero angustiante de uma
personagem da vida real deram a Susan Sarandon o seu único, demorado e, enfim,
merecidíssimo Oscar de Melhor Atriz. Em “Os
Últimos Passos de um Homem” ela interpreta a Irmã Helen Prejean, uma freira
católica que passa a ser a guia espiritual de Matthew Poncelet (Sean Penn), um
homem que já caminha condenado pelos corredores da morte de uma penitenciária
do Estado da Louisiana, nos Estados Unidos. Matthew enviou uma carta à irmã,
pois foi considerado culpado pelo assassinato de um casal de adolescentes,
sendo que uma das vítimas ainda fora estuprada antes de morrer. Tomando
conhecimento das provas precárias que levaram à condenação de Matthew, Helen
decide ajudá-lo.
Mesmo com a reponsabilidade e a incumbência profissional
(e, por que não, divina) de sempre consolar alguns encarcerados, Helen permite
se aproximar um pouco mais de Matthew, criando um forte vínculo de amizade. A
partir desse momento, o seu envolvimento com o caso se torna tão intenso que até
mesmo uma certa empatia com os familiares das vítimas começa a ser
estabelecida. À espera de que a execução seja realizada a qualquer momento,
tanto o condenado quanto as famílias observam a luta que a Irmã Prejean ainda
trava para salvar uma vida. O desencadear de fortes emoções mostram as vigílias
e as impacientadas tentativas de se conseguir a suspensão da pena por parte do
Governador, à mesma medida em que cenas do crime brutal também vão sendo
intercaladas na trama, revelando ao espectador as verdades sobre os eventos
ocorridos.
Um ano após se destacar interpretando Andy Dufresne no
fantástico “Um Sonho de Liberdade”
(1994) de Frank Darabont, Tim Robbins volta a abordar a temática da situação
carcerária de seu país em sua segunda incursão como cineasta (ele já havia realizado
a comédia “Bob Roberts”, em 1992).
Para o diretor, o que era utópico e beirava o fantasioso no longa de Darabont,
agora soa frio, sombrio e realisticamente cru em seu próprio filme. Já para a
verdadeira Irmã Helen, qualquer vida é importante, valendo a pena o esforço de
lutar pela sua preservação.
A discussão sobre a pena de morte sempre gerará milhares
de debates, embates e opiniões controversas. “Os Últimos Passos de um Homem” é uma história finamente desenhada
que nos envolve plenamente aos dilemas das personagens pois, embora não nos
mostre uma história que aconteceu legitimamente, reflete muito o conjunto das
experiências reais e dolorosas que Helen Prejean viveu por anos em algumas
penitenciárias estadunidenses.
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"Dead Man Walking" (1995) de Tim Robbins - Havoc | Polygram Filmed Entertainment [us] | Working Title Films [gb] |
Despedida em Las Vegas (Leaving Las Vegas, Estados Unidos, 1995)
Direção: Mike Figgis
Foram as angústias desesperadas de Ben Sanderson, um
alcoólatra inveterado que vive em Los Angeles, que premiaram Nicolas Cage com o
Oscar de Melhor Ator. O longa do diretor britânico Mike Figgis conta o peculiar
drama deste homem, um renomado roteirista de Hollywood que foi abandonado pela
família, pelos amigos e perdeu tudo por causa de seu impulsivo hábito de beber
abusivamente. Demitido de seu último emprego e determinado a dar um fim
simplório à sua vida, Sanderson decide viajar de carro para Las Vegas, onde
planeja se embriagar até a morte. Chegando à cidade, o escritor conhece e se
apaixona por Sera (Elisabeth Shue), uma prostituta que também viveu por muito
tempo na Califórnia e que agora enfrenta graves problemas com o seu agenciador.
Após engatar um relacionamento de forma curiosamente
estranha com Sera, Sanderson acaba decidindo morar com a garota de programa e,
em um “pacto de não interferência” selado pelos dois, ela acaba respeitando o
fato de ele ser um alcoólatra, e ele também mantém o respeito pelos caminhos
que ela escolheu para ganhar a vida, não podendo criticar a sua ocupação.
Entretanto, a relação que parecia caminhar de maneira estável começa a ser
afetada pela deterioração da saúde do ex-roteirista, que se encaminha para uma
definhada e irreversível condição. O agravamento do quadro acaba fazendo com
que Sera quebre a promessa, aconselhando Ben a procurar auxílio médico. Ele se
enfurece e, aparentemente, coloca tudo a perder, embora a singeleza escondida
na relação tropológica dos dois revele um final encantadoramente belo que só
pode ser sentido assistindo ao filme.
Dramas densos e distintos como os de Ben Sanderson são
comumente retratados em várias produções hollywoodianas que envolvem e sempre
relacionam as temáticas do alcoolismo e dos lapsos de autor. Observamos os claros
problemas de escritores com a bebida como, por exemplo, no clássico “Farrapo Humano” (1945) de Billy Wilder,
e na semi-autobiografia bukowskiana “Barfly
- Condenados Pelo Vício” (1987) de Barbet Schroeder. Apesar de não sofrer
efetivamente de bloqueio criativo, a personagem de Nicolas Cage recorre ao
álcool para superar todas as suas frustrações e pressões no trabalho, um
exemplo semelhante ao do publicitário Joe Clay, vivido por Jack Lemmon em “Vício Maldito” (1962) de Blake Edwards.
Problemas reais, vividos por pessoas reais e disfarçadamente canalizados no
fantasioso mundo de glamour proporcionado por uma “inocente” e viciosa
Hollywood. Estado grave!
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"Leaving Las Vegas" (1995) de Mike Figgis - Lumiere Pictures [gb] | A Lila Cazès Production [fr] | Initial Productions [fr] |
Os Doze Macacos (Twelve Monkeys, Estados Unidos, 1995)
Direção: Terry Gilliam
Inventivo e excêntrico, Terry Gilliam “nada de braçadas”
sobre um mar de fantasias, mas sempre mantém emersa alguma parte de seu corpo
na realidade. Em seus filmes, mensagens valiosas para a humanidade ficam
ocultas em ambientes surreais, reflexos da fusão entre o existencialismo e a
dissimulação de sua comprovada confusão organizada. Não obstante, o antigo
membro da trupe Monty Python começou na carreira de cineasta quando o grupo de
comediantes ainda estava na ativa e pôde usufruir da genialidade de todos para
realizar seus primeiros longas. Dividindo a direção com o parceiro Terry Jones,
Gilliam lançou “Monty Phyton - Em Busca
do Cálice Sagrado” (1975) e “Monty
Phyton - O Sentido da Vida” (1983). Entre eles, as comédias de aventura “Jabberwocky - Um Herói por Acaso”
(1977) e “Os Bandidos do Tempo”
(1981) deram ao britânico a segurança e a tranquilidade para escancarar a sua
famigerada ousadia.
O cinema de Gilliam começou a ganhar austeridade com o
distópico “Brazil - O Filme” (1985) e
o com parabólico “O Pescador de Ilusões”
(1991) e, quando diretor se propôs viajar no tempo e abarcar as memórias
estáticas de passado, presente e futuro, acabou nos brindando com o eficaz “Os Doze Macacos”. Nele, observamos
James Cole (Bruce Willis), um solitário viajante incidental que retorna a
tempos passados vindo do ano de 2035. Na verdade, o aventureiro é um condenado
que aceita a “missão voluntária” de tentar decifrar o mistério sobre um vírus
mortal que há tempos vinha dizimando a maior parte da humanidade. De fato, a
chave para encontrar a cura da doença está no passado, mas, tomado como um
louco, Cole tentará provar a sua sanidade à Doutora Kathryn Railly (Madeleine
Stowe), sua psiquiatra e única esperança de livrar o futuro de sua terrível
sina.
Ainda destacada por um estilo visual fantástico e pela
atuação soberba de Brad Pitt, que interpreta o doente mental Jeffrey Goines,
peça fundamental no ponto de virada dramático da trama (e papel que rendeu a
primeira indicação ao Oscar para o ator, na ocasião), a produção de “Os Doze
Macacos” pode ser considerada uma das mais relevantes e significativas da
ficção científica das últimas décadas. Inspirado no arguto curta-metragem
francês “La Jetée - A Plataforma”
(1962) de Chris Marker, que descreve o mesmo cenário enternecido de um mundo pré
e pós apocalíptico rescaldado pelos conflitos da Terceira Guerra Mundial, o
filme de Terry Gilliam apenas nos apresenta, em sua típica desordem, os (in)solucionáveis
caminhos para a salvação da (benevolente?) raça humana.
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"Twelve Monkeys" (1995) de Terry Gilliam - Universal Pictures [us] | Atlas Entertainment [us] | Classico |
Cassino (Casino, Estados Unidos | França, 1995)
Direção: Martin Scorsese
Para quem gosta muito de cinema e tem o costume de
acompanhar fielmente as filmografias dos maiores astros e cineastas da
história, sabe que a conjugação “Robert De Niro + Martin Scorsese” funcionou e
funciona muito bem (inclusive, com expectativas enormes para que “The Irishman” possa ser anunciado).
Sabemos ainda que quando um elemento chamado Joe Pesci entra na equação, as
coisas tendem a melhorar, e muito! E apesar de “Cassino” ter sido injustamente ignorado pela crítica à época de
seu lançamento, ele acaba mostrando o que Scorsese tem de melhor: um visual
deslumbrante e magistralmente iluminado; cenas densas de tirar o fôlego; um
roteiro inteligentemente amarrado por Nicholas Peleggi, repetindo o sucesso de “Os Bons Companheiros” (1990); além de,
é claro, De Niro e Pesci.
O longa-metragem mais glamoroso e sedutor do diretor
nova-iorquino ainda conta com a estonteante Sharon Stone no elenco e nos
transporta para o mundo ambicioso da Las Vegas dos anos 70, uma época gloriosa
em que a Máfia ainda controlava as desvanecidas máquinas caça-níqueis, as
arrebatadoras roletas e as desafiadoras mesas de carteado, bem antes do advento
e do monopólio dos jogos de azar por parte de grandes corporações. A trama
atravessa o destino de três personagens principais: Sam “Ace” Rothsein (De
Niro), um diretor bem-sucedido do famoso Casino Tangiers que guarda consigo um
passado extremamente comprometedor; Ginger McKenna (Stone), uma bela
acompanhante de luxo que conseguia persuadir e dominar a todos, menos o seu
cafetão; e Nicky Santoro (Pesci), um gângster que garante a segurança de
Rothsein e o ajuda a manter de pé um dos maiores cassinos de Vegas, deixando-o
distante qualquer lei que possa afetar ou destruir o empreendimento.
Sam acaba se envolvendo com Ginger, mas tão logo ele
consiga se dar conta das artimanhas idealizadas pela prostituta interesseira,
Santoro comete uma série de falhas grosseiras que poderão colocar a perder
todos os negócios do poderoso administrador. Baseado na história real da
conflituosa e bancarrota amizade do apostador de carreira Frank “Lefty”
Rosenthal e do mafioso Anthony Spilotro, “Cassino” é o retrato do perigoso e,
por vezes, pecaminoso mundo das apostas que através da violência traduz o lado
mais sombrio do venerado Império em que se transformou Las Vegas, a
Disneylândia dos adultos.
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"Casino" (1995) de Martin Scorsese - Universal Pictures [us] | Syalis DA | Légende Entreprises [fr] | De Fina-Cappa |
Toy Story (Toy Story, Estados Unidos, 1995)
Direção: John Lasseter
Em meados dos anos 80, um promissor estudante de artes
visuais despontava como um talentoso e inventivo desenhista. A facilidade que
tinha em dominar uma tecnologia tão complexa quanto a animação computadorizada
levou o californiano John Lasseter a trabalhar na conceituada Lucasfilm
Computer Graphics Group, e fez com que ele produzisse, em anos seguidos, três
belíssimos desenhos animados em curta-metragem feitos exclusivamente em meio
digital: “Luxo Jr.” (1986), onde
Luxo, um papai-luminária brinca de maneira desajeitada com uma bola junto com
Luxo Jr., seu filho-luminária; “O Sonho
de Red” (1987), sobre um velho e rejeitado monociclo chamado Red que sonha ser
uma grande estrela circense; e “Tin Toy”
(1988), sobre um bebê frenético e destrutivo que persegue os seus medrosos brinquedos,
que possuem vida própria.
O lançamento de “Luxo
Jr.” (desde sempre mascote e logotipo oficial da atual Pixar Animation
Studios) coincide, inclusive, com a compra da Pixar Studio (subdivisão da
Lucasfilm onde o diretor trabalhava à época) por parte do visionário empresário
Steve Jobs, que deu uma nova cara à empresa. Com a premissa de poder contar
histórias interessantes ao dar vida à objetos inanimados e com o sucesso
absoluto de “Tin Toy”, que deu a
Lasseter o Oscar de Melhor Curta Animado em 1989, as mentes criativas da,
agora, pequena Pixar puderam investir em algo mais audaz e trabalhar, por
exemplo, em um ambicioso roteiro de longa-metragem que pudesse animar o mais
fascinante dos objetos inanimados: os brinquedos! E, ainda por cima, brinquedos
que brincam sozinhos enquanto os seus donos não estão presentes. Dessa forma, o
impressionante e fantástico mundo de “Toy
Story” enfim chegou aos cinemas, encantando imediatamente a crítica, o
público especializado e, principalmente, as famílias.
A história gira em torno do Xerife Woody, um cowboy de
pano com cabeça plástica que é o brinquedo favorito de Andy Davis, um garotinho
simpático que está prestes a completar oito anos. Durante a festa de
aniversário de seu dono, Woody arma uma verdadeira operação de guerra para
descobrir se algum presente que Andy ganhará de seus colegas será bom o
suficiente para tomar o lugar de qualquer um dos “moradores” do quarto do garoto.
Líder dos outros brinquedos, o xerife se mostra completamente ciumento e
egoísta, estando preocupado exclusivamente consigo mesmo.
Entretanto, a surpreendente chegada do ultramoderno
patrulheiro espacial Buzz Lightyear ameaça o reinado do cowboy, que começa a
alimentar uma rixa entre eles. A popularidade de Buzz com todos os brinquedos
deixa xerife irritado, e a rivalidade culmina em uma perigosa aventura de
retorno ao lar vivida pelos dois, que ainda envolve um tour intergaláctico pelo
restaurante Pizza Planet e um confronto épico com Sid, o vizinho
“brinquedicida” de Andy. Movido pelo espírito de companheirismo e pela
fidelidade ao seu dono, Woody vence o comodismo, dribla as desavenças e se
torna amigo de Buzz. Finalmente os dois começam a trabalhar juntos, com o
objetivo principal de retornem com estilo à caixa de brinquedos da criança que
tanto amam.
“Toy Story” é um filme revolucionário, não só por
fascinar crianças e adultos ou por ter uma lista incontável de personagem
incrivelmente cativantes (como Hamm, o porquinho-cofre; Rex, o tiranossauro de
plástico; Slinky, o cachorro-mola; e o astro da Hasbro, Senhor Cabeça de Batata).
Recheada de humor, a primeira e inesquecível aventura de Woody, Buzz e toda a
turma trata com muita emoção e singeleza as virtudes e os valores únicos que só
um dom como a amizade podem nos oferecer.
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"Toy Story" (1995) de John Lasseter - Pixar Animation Studios [us] | Walt Disney Pictures [us] |
Chegamos ao fim! Mas para relembrar os filmes
apresentados anteriormente na nossa retrospectiva, basta visitar os artigos
clicando nos links correspondentes a seguir:
Vale lembrar que a nossa retrospectiva especial de julho voltará
com força total no ano que vem, apresentando a revisão cinematográfica de
clássico incríveis lançados no ano de 1996.
Até lá!