Maio ficou marcado para os amantes do Cinema como o mês
em que se comemorou o centenário de um de seus maiores ícones: o cineasta
estadunidense Orson Welles.
Gênio e por muitas vezes controverso, Welles tinha o
costume de atuar em quase todos os filmes que dirigia, abruptas consequências
de uma personalidade forte. As intermináveis pressões que sofria por parte dos
estúdios pelos quais trabalhou ao longo de sua conturbada carreira como
realizador fizeram com que ele não abrisse mão de ter um maior controle em
todas as suas produções.
O refúgio intelectual que Orson Welles buscava para
escapar dessa desgastante situação era, simplesmente, a concentração de toda a
sua força criativa na produção dos longas. O diretor colocava o máximo de seu
talento em cada um dos trabalhos, conjugando as suas magistrais direções com as
melancólicas interpretações que, geralmente, assumiam o papel de protagonismo. Reflexo
exemplar disso é o clicherizado (porém, trivial) vislumbro esmagador que “Cidadão Kane” (1941) representou para a
História do Cinema.
O artigo sobre o centenário de Orson Welles pode ser conferido clicando AQUI.
Aproveitando o ensejo, o Rotina Cinemeira indicará
para o seu fim de semana três filmes de diretores que, assim como Orson Welles,
tinham e ainda tem o costume de se dirigir, empregando em suas obras toda a singularidade
e originalidade do cinema de autor muito embora sejam, por vezes, retalhados ou
criticados pelos grandes estúdios da indústria cinematográfica.
Presenciar diretores que aparecem em seus próprios filmes
é tão antigo quanto o próprio Cinema: Georges Méliès, por exemplo, ainda no
início do Século XX produzia, orquestrava e ainda atuava em todas as suas
verdadeiras obras de arte (tudo ao mesmo tempo!); já Alfred Hitchcock era
famoso pelas “aparições relâmpago” em quase todos os filmes que dirigiu, embora
nunca tenha chegado a atuar efetivamente.
Entre os cineastas contemporâneos temos Quentin Tarantino,
que sempre nos brinda com pequenas, porém especiais aparições em alguns dos
seus longas, com destaque para o Mr. Brown de “Cães de Aluguel” (1992) e o desesperadamente hilário Jimmie
Dimmick de “Pulp Fiction - Tempo de
Violência” (1994). Há também aqueles atores que em projetos pessoais e ambiciosos
se dirigiram e conquistaram o seu espaço entre os maiores realizadores do
mundo, como é o caso de Kevin Costner por “Dança
com Lobos” (1990) e Mel Gibson por “Coração
Valente” (1995).
Entretanto, o ponto principal aqui é destacar aqueles
diretores que rotineiramente tem o costume de atuar em seus filmes, bem como Méliès
(quase que “primitivamente”), Welles (excentricamente) e Charles Chaplin, que
ainda não havia sido citado, mas é um dos pioneiros na grandiosa arte de
roteirizar, produzir, dirigir e, ainda por cima, estrelar os próprios filmes. Confira
agora as nossas dicas e recomendações:
Meu Tio (Mon Oncle, França | Itália, 1958)
Direção: Jacques Tati
Jacques Tati foi o gênio das comédias francesas e, assim
como Chaplin, tinha em Monsieur Hulot o seu Carlitos. Hulot é uma persona carismática
que, embora bem-aventurada e conservadora, está sempre condenada a fazer as
coisas erradas desencadeando uma série de situações patéticas e atrapalhadas. Ao
todo, Tati dirigiu oito filmes em sua carreira, dos quais metade tiveram como
protagonista o seu personagem mais famoso.
A explosão de humor observada em “Meu Tio” é canalizada na excêntrica personalidade de Monsieur
Hulot, uma espécie de herói contumaz que em visita ao Senhor e à Senhora Arpel
(Jean-Pierre Zola e Adrienne Servantie) - seu cunhado e sua irmã,
respectivamente - se encontra estranhado ao deparar-se com um mundo completamente
dependente da alta tecnologia. Os Arpel vivem em uma casa ultramoderna, limpa e
desinfeta e ainda se orgulham de possuírem um belo jardim, além de equipamentos
domésticos de última geração.
Em meio a este universo futurista bem programado, aparentemente
pacato e repleto de conforto encontramos Gerard (Alain Bécourt), o aborrecido filho
do casal Arpel, entediado com a falta de emoções em sua monótona vida. Habituado
ao mundo caloroso e receptivo de onde veio, Monsieur Hulot permanece inadaptado
às modernidades, mesmo recebendo do Senhor Arpel um cargo em sua fábrica de
tubos plásticos. Para o delírio de seu sobrinho, que tem o mesmo espírito livre
e sonhador do tio, Hulot vai colocar tudo de pernas pera o ar nessa deleitável sátira
à vida mecanizada.
Dirigindo e atuando, Tati ainda interpreta Monsieur Hulot
em mais três ocasiões: “As Férias do
Senhor Hulot” (1953), “Playtime -
Tempo de Diversão” (1967) e “As Aventuras
de Senhor Hulot no Tráfego Louco” (1971).
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"Mon Oncle" (1958) de Jacques Tati - Gaumont Distribution [fr] | Specta Films [fr] | Gray-Film [fr] | Alter Films [fr] |
O Estranho sem Nome (High Plains Drifter, Estados Unidos,
1973)
Direção: Clint Eastwood
Frente às câmeras, personalidade forte, espontaneidade e
talento genuíno, despejando em todos os seus papéis aquela típica e sórdida
canalhice; atrás delas, presteza nos processos de produção e atenção nos
bastidores das filmagens. Clint Eastwood tem o cinema em seu DNA, e sua
experiência como um ícone máximo do western
spaghetti e astro dos principais filmes de ação das décadas de 70 e 80 nos
Estados Unidos acabaram por credenciá-lo como um dos maiores entendidos da
sétima arte e figura respeitada em Hollywood.
Eastwood trabalhou com diretores renomados dos dois
gêneros citados anteriormente (dentre eles Brian G. Hutton, Don Sigel, Joshua
Logan e Ted Post) e tem empregada, em muitos de seus filmes, um pouco da
filosofia cinematográfica de cada um desses cineastas, inclusive em seus filmes
mais premiados: “Os Imperdoáveis” (1992) e “Menina de Ouro” (2004). Durante a
sua carreira como diretor acabou criando em alguns de seus filmes, de maneira praticamente
transgressora, variações para o pistoleiro solitário que ele mesmo deu vida na “Trilogia dos Dólares” (1964 - 1966) de
Sérgio Leone.
Em “O Estranho sem
Nome”, Eastwood interpreta mais uma vez um misterioso bandoleiro que, montado
em seu cavalo, chega à pequena cidade mineradora de Lago provocando alvoroço
entre os moradores e causando espanto pela sua frieza. Impressionadas com as
intrépidas atitudes do forasteiro, as autoridades locais decidem contratá-lo a
qualquer preço para proteger o povoado de Stacey Bridges (Geoffrey Lewis) e
seus primos, os irmãos Carlin (Anthony James e Dan Vadis).
Os três “foras da lei” estão prestes a deixar a prisão e
retornarão à Lago para iniciar uma série de vinganças contra todo o povoado
que, um ano antes, precisou do serviço do trio para assassinar de maneira
covarde o delegado Jim Duncan (Buddy Van Horn), que relataria para as
autoridades federais que a mina local explorada pelos moradores era, na
realidade, de propriedade do Estado. “O Estranho”, personagem de Eastwood,
aceita a proposta e, agindo como uma espécie de justiceiro sobrenatural,
modificará de maneira definitiva e aterradora a vida de todos: bandidos, poderosos
e a população em geral.
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"High Plains Drifter" (1973) de Clint Eastwood - Universal Pictures [us] | The Malpaso Company [us] |
Desconstruindo Harry (Deconstructing Harry, Estados Unidos,
1997)
Direção: Woody Allen
Comediante de palco e roteirista de alguns dos melhores
programas de humor e telefilmes da Televisão dos Estados Unidos, Woody Allen
teve o seu primeiro roteiro original adaptado para o cinema em “O que é que Há, Gatinha?” (1965). O
projeto foi dirigido por Clive Donner e Richard Talmadge e contava com o
próprio Woody no elenco, que ainda era recheado pelo estrelismo de Peter
Sellers, Peter O’Toole e Romy Schneider.
Woody Allen ficou insatisfeito com a experiência e se
irritou muito com as interferências e alterações que o estúdio fazia em seu
texto (à época, a pequena Famous Artists Productions). A partir desse momento,
ficou decidido que ele próprio dirigiria os seus roteiros e com total controle
criativo sobre a produção e as filmagens. Já no ano seguinte foi lançado “O que
Há, Tigresa?” (1966) com pequeno e relativo sucesso.
Em um curtíssimo espaço de tempo, Woody Allen já se
consolidava como um dos maiores cineastas da indústria hollywoodiana,
emplacando uma série de sucessos onde além de dirigir, também atuava. Dentre os
filmes relevantes podemos destacar “Bananas”
(1971), “O Dorminhoco” (1973), “A Última Noite de Bóris Grushenko”
(1975) e, por fim, “Noivo Neurótico,
Noiva Nervosa” (1977), filme que rendeu à Woody Allen a única indicação ao
Oscar na categoria de Melhor Ator.
Alternando entre atuar ou não atuar em seus filmes Woody
Allen vem, desde 1982, lançando ao menos um filme por ano nos cinemas. Em meio
a este período vemos um de seus melhores trabalhos, “Desconstruindo Harry” (1997), onde o próprio diretor dá vida a
Harry Block, um escritor que sofre de um grave distúrbio psicológico que o faz
ter sérios problemas de relacionamento com as pessoas que estão ao seu redor. Aguardando
a concessão para publicar o seu próximo livro, Block começa a desenvolver a
desagradável mania de utilizar, de maneira muito discreta, fatos da sua própria
vida como fonte de inspiração para a composição de sua obra, isso inclui
particularidades sobre familiares, amigos e conhecidos.
Harry, na verdade, está acometido pelo “bloqueio de
escritor” e, ao mesmo tempo em que causa uma série de confusões irritando todas
as pessoas de seu círculo de convívio próximo, ele é forçado a enfrentar (de
maneira literal) os seus próprios demônios, lembrando de acontecimentos do
passado e reencontrando com alguns personagens de seus best-sellers (sejam eles
reais ou fictícios) que voltam para assombrá-lo.
Enfim, o ser humano e seus carmas...
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"Deconstructing Harry" (1997) de Woody Allen - Sweetland Films | Jean Doumanian Productions [us] |
É ISSO... BOM FIM DE SEMANA E BOAS SESSÕES!
Observação: assim como o Harry Block de Woody
Allen, o redator deste texto sofreu muito com bloqueios criativos para escrever
o artigo. Depois de quase uma semana sem poder escrever para o Rotina
Cinemeira, encaro e defino como “árdua” a missão de voltar escrever
neste espaço. Não me deixem perder o fôlego e, se possível, continuem compartilhando
as minhas impressões sobre essa maravilha que é o Cinema!
Obrigado.
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