Com uma programação que se estenderá ao longo de todo o
mês de maio, inicia-se hoje, no Sesc Palladium em Belo Horizonte, a Mostra “Narrativas do Fantástico”. Ao
todo serão exibidos na Sala Professor José Tavares de Barros, até o dia 31 de maio,
doze filmes que fortalecem as relações entre o cinema e a literatura, dando um enfoque
especial para insólitas histórias que permeiam o imaginário popular. Este que é
responsável por criar e reinventar embustes intrigantes que funcionam como
válvula de escape e rompimento de esquemas convencionais seguidos pela
sociedade, bem como as percepções que a mesma tem sobre a realidade.
O significado das coisas e os reais motivos de estarmos
presentes neste mundo sempre foram o ponto central para a formação reflexiva da
mente humana. Carregados de subterfúgios, grandes nomes da literatura como
Edgar Allan Poe, Franz Kafka e Nathaniel Hawthorne sempre souberam como expressar
em suas obras os medos e as incertezas do homem, desde o momento em que ele se
fez parte integrante e modificadora do planeta Terra. Essas aflições e angústias
são tão genuínas que, entranhadamente, acompanham a nossa espécie da
pré-história até a contemporaneidade.
Traduzida para o cinema, a natureza enigmática do ser
humano pode ser explorada de forma ainda mais insondável. Por exemplo, vemos no
drama fantástico “O Processo” (1962) (integrante
da programação da Mostra), que o diretor Orson Welles soube se aproveitar muito
bem das tecnologias dispostas pelo cinema para traduzir em imagens e sons o
pesadelo paranoico de Josef K., um homem que aguarda um conspiratório (e talvez
injusto) processo de assassinato que corre contra ele ser julgado. Welles
flertou de forma genial com o surrealismo para traduzir todos os arquétipos de alienação
e fobia social que Kafka já havia descrito em seu livro ainda no primeiro
quarto do século XX.
Narrativas fantásticas sempre contribuíram para quase
todos os estilos e gêneros cinematográficos, assim como suas várias vertentes
(drama, terror, ficção científica e até mesmo faroestes são constantemente contemplados
com inventivos roteiros). Entre elas, são destaques na programação divulgada
pelo Sesc filmes como “A Guerra dos
Mundos” (1953) de Byron Haskin, clássico da ficção e referência básica dos
filmes de catástrofe pós-apocalípticos; e “Nos
Domínios do Terror” (1963) de Sidney Salkow, estrelado pelo “mestre do macabro”
Vincent Price, estrela máxima dos filmes de terror e figura icônica do cinema de
fantasia dos Estados Unidos.
A programação ainda conta com duas preciosidades do
Cinema Nacional: “Enigma para Demônios”
(1975) de Carlos Hugo Christensen, baseado no conto “Flor, Telefone, Moça” de Carlos Drummond de Andrade; e “A Hora Mágica” (1998) de Guilherme de
Almeida Prado inspirado pelo conto “Troca
de Luzes” de Júlio Cortázar. Cada um dos longas será exibido duas vezes ao
longo deste mês, assim como os demais filmes que fazem parte do programa da
Mostra.
Algumas das sessões ainda serão comentadas por
professores, estudiosos e profissionais de cinema. Além disso, o evento contará
com uma mesa redonda sobre essa fantasiosa temática e uma oficina de literatura
ministrada pelo curador da mostra, o jornalista e pesquisador Nuno Manna. Para
ficar por dentro do cronograma, basta conferir as informações e a programação
completa dos eventos que estão disponíveis no site do Sesc Palladium
(sescmg.com.br/sescpalladium), ou acessá-las diretamente pelo link "Narrativas do Fantástico".
Lembrando que a entrada para as sessões é gratuita, mas é
necessário retirar os ingressos na bilheteria do Sesc duas horas antes de cada exibição.
O espaço está sujeito a lotação. Observação:
a casa não funciona às segundas-feiras.
A Sala Professor José Tavares de Barros está localizada
no Sesc Palladium, na Avenida Augusto de Lima 420, centro de Belo Horizonte.
Com base nessa diversificada programação, o Rotina Cinemeira fez uma pequena seleção e agora indica seis dos doze filmes
que vão mexer com o imaginário de seus espectadores durante todo este mês. Confira
agora os títulos imperdíveis do que estarão em cartaz:
Nosferatu, uma Sinfonia
do Horror (Nosferatu, eine Symphonie des Grauens,
Alemanha, 1922)
Direção: F. W. Murnau
Hutter (Gustav von Wangenheim) é um agente imobiliário
que viaja até os Montes Cárpatos para vender um castelo cujo proprietário é o
excêntrico e solitário Conde Graf Orlok (Max Schreck). O nobre tem preferência
por hábitos noturnos e possui costumes cerebrinos, como dormir durante todo o
dia dentro de um caixão. Na verdade, Orlok é um milenar e sanguinário vampiro
que, buscando aumentar seu poder, se muda para Bremen espalhando terror por
toda a região. Ellen (Greta Schröder), esposa de Hutter, é a única que pode
manter a situação sob controle, afinal Orlok se sente atraído por ela.
Clássico do Expressionismo Alemão, a obra-prima de terror
do diretor F. W. Murnau é, até hoje, uma das mais notáveis adaptações do
romance gótico “Drácula”, do contista
irlandês Bram Stoker.
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"Nosferatu, eine Symphonie des Grauens" (1922) de F. W. Murnau Jofa-Atelier Berlin-Johannisthal [de] | Prana-Film GmbH [de] |
O Médico e o Monstro (Dr. Jekyll and Mr. Hyde, Estados Unidos, 1931)
Direção: Rouben Mamoulian
Direção: Rouben Mamoulian
Henry Jekyll (Fredric March) é um renomado médico que
estuda a possibilidade de separação total de caráter dos seres humanos, isolando
a bondade e a maldade. O doutor começa a sofrer com as graves consequências de
seus experimentos, deixando que o lado mais obscuro de sua personalidade assuma
o controle das ações. Em uma transformação alegoricamente perversa, Jekyll
deixa que o selvagem e animalesco Senhor Hyde tome conta de seu corpo.
Clássica história baseada em um romance de Robert Louis
Stevenson, “O Médico e o Monstro”
possui inúmeras adaptações para o cinema e para o teatro, mas é a versão do
cineasta Rouben Mamoulian que sempre obteve maior destaque se mostrando mais significativa
que as demais, justamente por ter sido realizada no período em que os filmes de
terror atingiram o seu auge em termos de produção nos Estados Unidos. Basta
lembrar que nesse mesmo anos foram lançados “Drácula”
de Tod Browning e “Frankenstein” de
James Whale.
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"Dr. Jekyll and Mr. Hyde" (1931) de Rouben Mamoulian - Paramount Pictures [us] |
A Maldição do Demônio (La Maschera del Demonio, Itália, 1960)
Direção: Mario Bava
Motivada por sua condenação à fogueira séculos atrás, Princesa
Asa Vajda, uma bruxa vingativa (Barbara Steele), e o seu demoníaco servo
retornam do mundo dos mortos para colocar em prática uma aterradora e sangrenta
campanha de desforra contra os seus descendentes. Para alcançar os seus
objetivos é necessário que a Princesa possua o corpo de Katia Vajda (também
interpretada por Steele), mas ela enfrenta a resistência do irmão da moça e do
médico da cidade que farão de tudo para que o legado demoníaco da bruxa não
volte a amaldiçoá-los.
Livremente inspirado no conto “Viy”, do ucraniano Nikolai Gogol, sobre uma entidade demoníaca que
povoa o imaginário folclórico russo, “A Maldição do Demônio” é o filme mais
conhecido de Mario Bava, mestre do terror italiano, que ainda possui obras
muito valorosas como “Olhos Diabólicos”
(1963) e “A Mansão da Morte” (1971).
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"La Maschera del Demonio" (1960) de Mario Bava - Galatea Film [it] | Jolly Film [it] |
Direção: Jack Clayton
Uma jovem governanta e duas crianças em uma isolada
mansão cercada de mistérios, essa é a atmosfera perfeita criada para um dos
filmes de suspense psicológico mais virtuosos já realizados. Senhorita Giddens
(Deborah Kerr) está convencida de que algo sinistro está acontecendo no casarão
em que trabalha. Contratada para cuidar dos pequenos órfãos Flora (Pamela
Franklin) e Miles (Martin Stephens), ela suspeita que algum tipo de assombração
do passado esteja agindo de forma direta sobre as crianças, fazendo com que
elas tenham, por vezes, um comportamento estranhamente assustador.
Baseado no romance “A
Volta do Parafuso” de Henry James, “Os Inocentes” já foi contemplado na coluna “Sempre um Clássico” do Rotina Cinemeira no mês de março deste ano. O perfil e a análise crítica do longa de
Jack Clayton podem ser conferidos visitando o link a seguir: “Sempre um Clássico #4 | Os Inocentes (1961)”.
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"The Innocents" (1961) de Jack Clayton - Achilles | Twentieth Century Fox Film Corporation [us] |
O Manuscrito de Saragoça
(Rekopis Znaleziony w Saragossie, Polônia,
1965)
Direção: Wojciech Has
Em meio a uma batalha das Guerras Napoleônicas, dois
oficiais inimigos se encontram em um casebre espanhol e deparam com um velho
manuscrito que relata as proezas de Alfonso van Worden (Zbigniew Cybulski), um
militar belga e antigo capitão da Guarda Valona. Durante a Guerra Peninsular,
Alfonso (que, curiosamente, é avô de um desses oficiais) procurava uma rota
mais curta para atravessar a Sierra Morena. Nessa jornada, ele acabou cruzando
toda a Espanha e conhecendo figuras curiosas que surgem em cena sempre dando
origem a novas e fantásticas histórias que se multiplicam e se entrelaçam.
Fundamentado pela obra literária “O Manuscrito Encontrado em Saragoça” de Jan Potocki, a adaptação
cinematográfica de Wojciech Has é dotada de uma complexa construção de eixos
narrativos. Tendo sempre como ponto de partida o manuscrito encontrado, tanto o
livro quanto o filme questionam os limites entre realidade e naturalidade
flertando com o surrealismo e empregando boas doses de humor e erotismo na
composição das situações.
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"Rekopis Znaleziony w Saragossie" (1965) de Wojciech Has - Kamera Film Unit [pl] |
Solaris (Solyaris, União Soviética, 1972)
Direção: Andrei
Tarkovsky
Kris Kelvin (Donatas Banionis) é um famoso psicólogo que
é enviado para uma estação espacial científica que orbita o distante planeta
oceânico Solaris. Sua importante missão como cosmonauta é investigar uma série
de fatos bizarros e misteriosos que andam ocorrendo com o resto da tripulação,
que já beira a insanidade. Os cientistas acreditam que fenômenos sobrenaturais
estão por trás de todos os fatos insensatos e que estes sofrem influência
direta das forças emanadas por Solaris.
Adaptação do homônimo romance polonês de ficção
científica, “Solaris” de Stanislaw
Lem, o filme de Andrei Tarkovsky procura se distanciar das demais produções do
gênero na época, dispensando distrações espetaculosas de grandiosas ações e
passando a explorar, de maneira densa, um universo muito mais vasto e perigoso
do que àquele que nos rodeia, o espaço interior.
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"Solyaris" (1972) de Andrei Tarkovsky Creative Unit of Writers & Cinema Workers [suhh] | Kinostudiya "Mosfilm" [suhh] | Unit Four [suhh] |
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