(Adam’s Rib, Estados Unidos, 1949). Dirigido por George Cukor e com
roteiro de Ruth Gordon e Garson Kanin. Elenco: Katharine Hepburn, Spencer Tracy, Judy Holliday, David Wayne, Tom
Ewell, Jean Hagen, Will Wright, Hope Emerson, Eve March, Clarence Kolb, Emerson
Treacy, Polly Moran, Elizabeth Flournoy.
As comédias românticas sempre tiveram espaço reservado na
interminável fila de produções dos grandes estúdios de Hollywood, uma indústria
que vivia o seu auge nas décadas douradas de 30 e 40. A delicadeza das relações
amorosas e as inerentes possibilidades do “felizes para sempre” impressas pela
ficção eram sempre bem aceitas pelo público e geravam, inclusive, inúmeros
programas e séries de televisão que glorificavam o ardor de uma paixão. Entretanto,
a temática da “Guerra dos Sexos” nunca fora aplicada de maneira tão clarividente
quanto em “A Costela de Adão”.
Invariavelmente, podemos encontrar algumas turbulências no
infindo “mar de rosas” chamado Amor, afinal, quem nunca conheceu um casal que vive
uma paixão inflamável, mas que mantêm um espírito briguento e rixoso nas suas mais
profundas intimidades? Essa entusiasmada discussão sobre a igualdade entre os
sexos e sobre os estereótipos de gênero nos é oferecida através de atuações
maravilhosas brindadas pela química entre o “casal” Katharine Hepburn e Spencer
Tracy, além da perspicaz direção de George Cukor. Esses trabalhos são a base de
sustentação de um delicioso filme, considerado por muitos como um dos marcos de
um não-oficial “Movimento Protofeminista”.
Além do extraordinário vigor dos protagonistas e da
sutileza e sensibilidade que Cukor empregava na condução de suas comédias, o
sucesso de “A Costela de Adão” deve
muito ao também casal de roteiristas (e indicados ao Oscar por este trabalho)
Ruth Gordon e Garson Kanin, conhecidos de longa data de Hepburn e Tracy. O
enredo do filme, que coloca em lados opostos marido e mulher (ambos advogados e
envolvidos em um mesmo caso), foi baseado na história real dos juristas Dorothy
e William Whitney que defenderam, respectivamente, o Senhor e a Senhora Raymond
Massey em seu processo de divórcio. Terminadas as audiências, os Whitney também
se divorciaram e casaram com os seus clientes.
“A Costela de Adão” não chega a ultrapassar ou até mesmo
alcançar os limites do ex-casal Whitney, mas também reflete esse embate matrimonial
nos tribunais. A trama, enfim, é desencadeada por uma cômica e eletrizante
sequência inicial que acompanha Doris Attinger (a incrivelmente engraçada Judy
Holliday), uma loura maquinada e confusa em perseguição ao seu companheiro,
Warren Attinger (Tom Ewell), pelas ruas de Nova York. Desconfiada da
infidelidade do marido, ela acaba flagrando Warren em um apartamento na
companhia íntima de Beryl Caighn (Jean Hagen), sua amante. Desesperada e
inconsequente, a apalermada esposa traída descarrega uma arma de maneira
desastrada contra os dois, ferindo-os superficialmente.
Doris é detida e acusada pela tentativa de assassinato de
Warren e Beryl, mas encontra na valente, obstinada e visionária advogada Amanda
“Pinkie” Bonner (Hepburn) a melhor chance de proteção e posterior defesa
perante um júri popular. No entanto, o promotor público de justiça que fica
encarregado da acusação de Doris é o indiferente Adam “Pinky” Bonner (Tracy),
marido de Amanda. Pela sua raridade, o curioso caso acaba ganhando uma grande
cobertura jornalística e, obviamente, não demora muito para que as batalhas
travadas pelo casal de advogados perante o juiz e diante dos microfones da
imprensa se estenda para o próprio quarto.
As tensões profissionais atingem o ambiente doméstico, e
as rusgas e a troca de hostilidades são tão incontroláveis que começam a afetar
a vida conjugal de Amanda e Adam, gerando uma série de confusões. Paralelamente,
a situação se complica ainda mais quando o vizinho dos Bonner, Kip Lurie (David
Wayne), um músico apaixonado por Amanda, compõe “Farewell, Amanda” (uma canção escrita originalmente por Cole
Porter) em sua homenagem, perturbando aquele perfeito casamento construído pela
harmoniosa vida cotidiana do casal antes do surgimento do caso Attinger. A cena
em questão é, inclusive, a que Hepburn e Tracy demonstram maior afinidade frente
às câmeras excluindo, é claro, as brigas e o choque de ideias na corte de
justiça.
![]() |
Spencer Tracy, Judy Holliday e Katharine Hepburn em "Adam's Rib" (1949) de George Cukor Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) [us] |
Voltando ao julgamento de Doris (e sem o efeito de
espoliação que revele quem convenceu os jurados e ganhou a causa), vale
destacar que o diretor George Cukor reconheceu e decidiu (de maneira proposital)
manter a agilidade dos diálogos e o caráter teatral que é perdurável em um
ambiente de tribunal, conservando o dinamismo das cenas que se sobressaem à
naturalidade das demais situações desenroladas no filme. Os planos-sequência filmados
de forma arrojada permitem com que a Amanda de Hepburn imponha com a sua austeridade
feminista (e demais recursos que dispunha) uma defesa coerente da ré, deixando
o indignado Adam de Tracy à beira da loucura ao observar a sua masculinidade e o
seu linear senso de justiça serem desafiados pela esposa.
Dos nove filmes em que Katharine Hepburn e Spencer Tracy estrelaram
juntos ao longo de 25 anos de parceria, “A
Costela de Adão” talvez seja o mais virtuoso deles, pois trata de um
assunto relativamente delicado sem pender para um tom panfletário que evidencie
o misândrico ou o misógino. A mensagem final que o filme nos deixa é a de que,
independente do sexo, “todos temos os nossos truques” (frase dita por Adam em um
espetaculoso show de lágrimas em que expõe o seu “lado feminino” na tentativa
de fazer as pazes com Amanda).
É nítido que, no equilíbrio das emoções, todos nós também
temos um quê de “sexo forte” e um outro quê de “sexo fraco” e, embora muitos
dos argumentos e filosofias trabalhados em “A
Costela de Adão” possam soar ultrapassados nesse assustador mundo
contemporâneo, o filme ainda consegue discutir com sofisticação e
espiritualidade os persistentes tabus sexistas da sociedade global.
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