Para aqueles que sonham e suspiram apaixonadamente em
cada filme assistido, fica nítido que a sensualidade e os desejos à flor da
pele assumem contornos cada vez mais enternecidos ao longo dos anos. Transcorridos
quase seis meses da morte de Anita Ekberg, agora foi a vez de Magali Noël (mais
uma das eternas musas do cinema felliniano) partir e já nos deixar saudades. Filha
de pais franceses e nascida na Turquia, a atriz e cantora faleceu nesta última
terça-feira (dia 23), aos 82 anos, em Châteauneuf-Grasse, sul da França.
Assim como a esplendorosa atriz sueca, a não menos bela Magali
Noël habitou o imaginário luxurioso de Federico Fellini em seu notável “A Doce Vida” (1960) interpretando
Fanny, a tempestiva dançarina do Cha-Cha-Cha Club frequentado por Marcello
Rubini e Paparazzo. Com o cineasta italiano, a atriz ainda trabalhou no
fantasioso “Satyricon” (1969), mas
foi em outra primorosa obra de Fellini que ela conquistou grande destaque dando
vida à veemente e voraz cabeleireira Gradisca, objeto de desejo de quase todos
os homens de Rimini, a pequena cidade litorânea retratada em “Amarcord” (1973).
Revelando a vocação para as artes dramáticas desde muito
jovem, Magali Noël frequentava o curso de teatro e interpretação da atriz
Catherine Fonteney e trabalhava como corista num cabaré em Paris. Aos 17 anos a
atriz já esbanjava voluptuosidade no “Teatro
de Revista” bem antes de ser uma das lascivas inspirações de Fellini. Dois
anos mais tarde estreava no cinema em “Demain
nous Divorçons” (1951) de Louis Cuny na pele de Jeanne, uma jovem
provocante e atirada, dando os primeiros indícios das características que
acompanhariam a maioria de suas personagens ao longo da carreira.
Talentosa e com múltiplas habilidades (atuação, canto e
dança), Magali Noël ganhou a sua primeira grande chance de despontar como uma estrela
no drama noir “Rififi” (1955) de Jules
Dassin e não decepcionou. O sucesso de sua performance como Viviane (não por
acaso, uma cantora de cabaré) agradou muito aos críticos de cinema na época,
principalmente pelos números musicais. Seu desempenho nas telas ainda
impressionou profissionais de outros ramos artísticos como, por exemplo, o
poeta, músico e “cantautor” francês Boris Vian.
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Magali Noël em "Rififi" (1955) de Jules Dassin Pathé Consortium Cinéma [fr] | Indusfilms [fr] | Société Nouvelle Pathé Cinéma [fr] | Primafilm [it] |
O interesse de Boris Vian pelo virtuosismo musical da
atriz originou, inclusive, uma das mais incríveis parcerias da música popular na
França. Com letra de Vian e música de Alain Goraguer, “Fais-moi mal, Johnny” é considerado um dos primeiros temas de rock
and roll cantados em língua francesa. Censurada na época por seu conteúdo
demasiadamente ousado, a canção marca definitivamente a carreira de Magali Noël
também como cantora, pois ela emprestara a voz para este audacioso e memorável
clássico gravado em 1956. A partir deste momento, Magali ainda garantia e
prolongava o seu sucesso novamente para a o teatro, estendendo-o para a
televisão.
Ao longa de sua carreira no cinema, Magali Noël figurou principalmente
em produções de França e de Itália. Em seus trabalhos, a atriz sempre transbordava
o dom e o talento para a comédia, incorporando o humor típico de cada um desses
países. A sua inclinação para o viés cômico e o seu temperamento ácido podem
ser apreciados tanto nas obras de grandes diretores do clássico e charmosos cinema
francês como no caso de “As Grandes
Manobras” (1955) de René Clair, “Estranhas
Coisas de Paris” (1956) de Jean Renoir, e “Amantes e Ladrões” (1957) de Sacha Guitry; quanto nas extravagâncias
macarrônicas de produções italianas como “Dois
Fugitivos Azarados” (1959) de Giorgio Simonelli, “Totò e Cleópatra” (1963) de Fernando Cerchio e “Oltraggio al Pudore” (1964) de Silvio
Amadio.
Entremeando as comédias leves e os vislumbres sexuais de
Fellini, ainda podemos encontrar grandes trabalhos na vasta filmografia de
Magali Noël, como os ótimos suspenses “Chantagem”
(1955) de Guy Lefranc, “Vampiros do Sexo”
(1959) de Édouard Molinaro e “O Acidente”
(1963) de Edmond T. Gréville; os melodramas “As
Possuídas” (1956) e “Prisioneiros do
Desejo” (1958), ambos dirigidos por Charles Brabant; além dos demais filmes
que estão indicados logo ao final deste artigo.
Encantadora, assim como as inúmeras musas de um cinema
devasso (porém, disfarçadamente comportado), Magali Noël somava a sua
estonteante beleza ao seu inconcusso talento, repleto de originalidade e
virtuosismo. O surgimento de artistas belas e, acima de tudo, competentes como
ela será cada vez mais raro, e é por isso que a sua ausência é, desde ontem,
muito sentida.
Descanse em paz... (1932 - 2015)
Dez filmes com Magali
Noël que indico (em ordem de predileção):
01 - Z (1969) - de Costa-Gavras
02 - Rififi (1955) - de Jules
Dassin
03 - Amarcord (1973) - de
Federico Fellini
04 - A Doce Vida (1960) - de Federico Fellini
05 - Satyricon de Fellini (1969) - de Federico Fellini
06 - Os Encontros de Anna (1978) - de Chantal Akerman
07 - A Ilha do Desejo (1959) - de Edmond T. Gréville
08 - Mulheres na Vitrina (1961) - de Luciano Emmer
09 - Antro do Vício (1955) - de Henri Decoin
10 - O Despertar do Vício (1960) - de Julien Duvivier
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Magali Noël com Bruno Zanin em "Amarcord" (1973) de Federico Fellini - F. C. Produzioni | PECF [fr] |
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