Manoel de Oliveira morreu como sempre desejava:
trabalhando e filmando até o fim! Um dos mais longevos cineastas da história (provavelmente,
o mais), o diretor português faleceu hoje, na cidade do Porto, aos 106 anos, sendo
90 deles dedicados à sétima arte.
Um dos realizadores europeus mais conceituados e figura fundamental
na universalização da cinematografia lusitana, Manoel de Oliveira era dotado de
uma singularidade inigualável, afinal suas obras perpassaram décadas e
enfrentaram todas as transformações pelas quais o cinema foi submetido (do cinema
mudo as projeções em alta definição).
Ícone máximo da cultura contemporânea de Portugal, Manoel
compartilhava com o mundo retratos e valores da cultura de seu país. Com uma assinatura
poderosa, o diretor esbanjava vitalidade em filmes valiosos e autênticos, nunca
abandonando a beleza e a simplicidade em seu estilo de filmar. Em sua premiada
carreira obteve destaque com menções honrosas nos principais festivais do mundo
(Berlim, Chicago, Locarno, Mar del Plata, Veneza), além do Prêmio Especial do Júri
do Festival de Cannes pelo filme “A Carta”
em 1999.
Ao todo foram 62 filmes, muito bem equilibrados entre
longas e curtas-metragens, sendo esses últimos muito comuns no início da sua
carreira e quase sempre de caráter documental. Seu primeiro longa ficcional, “Aniki Bóbó” (1942), foi lançado em meio
aos conflitos da Segunda Guerra Mundial em pleno regime ditatorial de Antonio
Salazar. Retratando a infância vivida nas ruas de Porto da época, o filme
flerta com o movimento neorrealista italiano que, anos mais tarde, alcançaria
destaque e excelência na cena cinematográfica mundial.
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O diretor português Manoel de Oliveira. |
A partir de “Aniki
Bóbó”, a carreira cinematográfica de Manoel de Oliveira foi caminhando junto
com as transformações sociais e políticas do seu país, passando pelo Estado
Novo e pela redemocratização a partir da Revolução dos Cravos até que, a pouco
menos de um ano, o diretor lançou no Festival de Veneza o seu último trabalho. “O Velho do Restelo” (2014) é um curta-metragem
ficcional que mostra de maneira virtuosíssima o encontro de ilustres e
extemporâneos intelectuais portugueses (Luís de Camões, Camilo Castelo Branco e
Teixeira de Pascoaes) com Dom Quixote de La Mancha em um dos jardins de uma moderna
Porto. Juntos, eles refletem sobre a vida e discutem sobre o passado de glórias
e o futuro de incertezas de Portugal.
Constantemente criticado pela lentidão de suas
narrativas, Manoel de Oliveira não se importava muito com a opinião daqueles que
tinham olhares mais exigentes e ainda tinha o costume de dizer que aquela ideia
de que “cinema é movimento” é ilusória. O cinema é sim movimento, muito mais aquele
que observamos dentro de cada quadro do que daqueles resultados de estripulias
de câmeras cada vez mais modernas. Para o diretor, quanto mais a tecnologia vai
avançando, mais o cinema vai se desumanizando.
Apesar da idade avançada, o diretor ainda mantinha muitos
projetos em mente, incluindo o longa “A
Igreja do Diabo” baseado em contos de Machado de Assis. Admirador da
versátil espontaneidade dos atores brasileiros, Manoel de Oliveira iria contar
com Fernanda Montenegro e Lima Duarte para os papéis principais.
Consternado, o Brasil também lamenta a partida de Manoel
de Oliveira. Sua presença no mundo se fez e sempre se fará necessária! O tempo incrivelmente
lhe faltou...
Descanse em paz... (1908 - 2015)
Dez filmes dirigidos por Manoel de Oliveira que indico
(em ordem de predileção):
01 - Um Filme Falado (2003)
02 - Aniki Bóbó (1942)
03 - O Princípio da Incerteza (2002)
04 - Singularidades de uma Rapariga Loura (2009)
05 - Os Canibais (1988)
06 - Porto da Minha Infância (2001)
07 - ‘Non’, ou a Vã Glória de Mandar (1990)
08 - O Estranho Caso de Angélica (2010)
09 - O Gebo e a Sombra (2012)
10 - A Divina
Comédia (1991)
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"Aniki Bóbó" (1942) de Manoel de Oliveira - Produções António Lopes Ribeiro [pt] |
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