Com uma seleção especial de clássicos deslumbrantes dos
popularmente conhecidos “road movies”,
entra em cartaz hoje no Cine Humberto Mauro, em Belo Horizonte, a Mostra “Sem Destino - Filmes na Estrada”. Ao todo serão exibidos, até o dia 30 de abril, 21
filmes que têm como mote principal histórias que se desenvolvem a partir do
deslocamento de uma personagem de um ponto ao outro de uma estrada, sempre valorizando
as paisagens e os eventos que acontecem durante o percurso.
Viagens são capazes de transformar uma pessoa,
normalmente alterando as perspectivas de suas vidas cotidianas para sempre.
Arraigadas em contos orais ou escritos literários como a épica “Odisseia de Ulisses”, os roteiros dos “road movies” constantemente nos
apresentam o crescimento psicológico e moral de suas personagens, evidenciando
um amadurecimento ao longo das tramas.
Trabalhos cinematográficos que, literalmente, “pegam a
estrada” são humanisticamente muito fortes, pois tratam universalidades e
singularidades em um único espaço. Entretanto, o Road Movie não é propriamente
um gênero, pois não se sustenta em um discurso teórico ou filosófico que venha
a configurá-lo como tal. Um gênero não pode ser entendido apenas como um agrupamento
de uma única dimensão material fílmica e, no caso dos “road movies”, é a estrada, e somente a estrada o ponto comum entre
todas as produções.
É louvável, porém, agrupar alguns desses melhores trabalhos
em uma única mostra, pois é uma fórmula que funciona e que atrai um grande
público desde o início dos anos 60 até os dias atuais. Justamente por perpassar
décadas e englobar vários gêneros de fato, os filmes de estrada merecem sim um
destaque especial e, com base na programação divulgada pela gerência da casa, o
Rotina Cinemeira selecionou e agora
indica cinco filmes (cada um de uma década) que você não pode perder este mês,
confira:
Easy Rider - Sem Destino (Easy Rider, Estados Unidos, 1969)
Direção: Dennis Hopper
Após negociarem um contrabando de drogas levados do México
para Los Angeles, Wyatt (Peter Fonda) e Billy (Dennis Hopper) partem com o
dinheiro da venda a bordo de suas motocicletas em uma viagem pelo Sul dos
Estados Unidos, da Califórnia até a Louisiana, a fim de chegarem para as
festividades do Mardi Gras de Nova Orleans, um dos carnavais mais afamados do
mundo.
Em uma aventura plenamente libertária e movida a centenas
de baseados, os amigos se surpreendem ao conhecer a “América Real” através de
uma série de situações vivenciadas ao longo da estrada. Além das belíssimas e
áridas paisagens naturais, a experiência dos motociclistas explora o panorama
de um país agitado culturalmente (principalmente pela ascensão e ligeira queda
do movimento hippie), sintetizando através da “imaginação nacional” os medos e
esperanças de toda uma sociedade.
Clássico da contracultura e reflexo das aspirações
insurgentes de toda uma geração, “Easy
Rider - Sem Destino” é o retrato fiel da juventude rebelde dos Estados
Unidos dos anos 60. Dirigido por Hopper, produzido por Peter Fonda e
roteirizado pelos dois (juntamente com Terry Southern), o filme é um dos
pioneiros do criativo e visceral movimento que revolucionou o cinema
estadunidense, conhecido como “A Nova Hollywood”.
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"Easy Rider" (1969) de Dennis Hopper - Columbia Pictures Corporation [us] | Pando Company Inc. | Raybert Productions |
Encurralado (Duel,
Estados Unidos, 1971)
Direção: Steven Spielberg
Cidadão tranquilo e trabalhador honesto, David Mann
(Dennis Weaver) é um viajante habitual que, a bordo de sua Plymouth Valiant
1971, cruza sozinho uma estrada secundária do deserto californiano para cumprir
a sua rotina de negócios. Seu trajeto vai sendo percorrido sem maiores
problemas, até o momento em que ele ultrapassa um lento caminhão-tanque.
Irritado, porém sem motivos aparentes, o motorista do caminhão inicia de forma
ameaçadora um arriscado “jogo de gato e rato” e começa a perseguir David que, a
essa altura, já se encontra pavorosamente assustado, confuso e certo de que será
morto.
No desenrolar da trama, a tensão dos acontecimentos cresce
de forma gradativa, sustentada pelo maior trunfo do filme: a vã tentativa de se
descobrir o motivo de tanto ódio e malevolência. O suspense que sempre mantém a
identidade do motorista do caminhão oculta nos faz enxergar o gigantesco
veículo como uma feroz e violenta máquina assassina que, praticamente, adquiri
vida própria nessa incansável perseguição.
Produto de uma criatividade imensurável de um notório
talento, “Encurralado” é constantemente
classificado de maneira errônea como o primeiro longa de Steven Spielberg (ele
já havia realizado em 1964 a ficção científica “Firelight”, com apenas 17 anos), porém é o trabalho que alavanca a
carreira do diretor junto com o bem sucedido curta-metragem “Amblin’” (1968). Antes de se dedicar
aos efeitos especiais e às superproduções deslumbrantes e fantasiosas (sua
marca registrada), Spielberg trabalhava com condições limitadas, e é nesse
minimalismo que podemos observar o quão genial ele ainda pode ser.
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"Duel" (1971) de Steven Spielberg - Universal Television [us] |
Paris, Texas (Paris,
Texas, Alemanha Ocidental | França | Reino Unido, 1984)
Direção: Wim Wenders
Depois de quatro anos desaparecido, Travis Henderson
(Harry Dean Stanton) é encontrado exausto e desmemoriado em um deserto do
Texas, quase na fronteira dos Estados Unidos com o México. Acolhido em Los
Angeles pelo irmão Walt Henderson (Dean Stockwell), este homem vai,
gradativamente, recuperando a sua memória e recordando fatos de sua vida. Walt
é casado com Anne (Aurore Clément) e juntos são responsáveis por Hunter (Hunter
Carson), filho de Travis que, aos poucos, volta a se afeiçoar ao pai.
A sintonia entre pai e filho não se dá de maneira
imediata, transparecendo de forma bem clara na trama uma das temáticas
favoritas do diretor alemão Wim Wenders: a apatia e a crescente insociabilidade
do ser humano. Hunter tem apenas sete anos e, mesmo com pouca idade passou por
fortes crises emocionais enfrentando a separação de seus pais e,
posteriormente, o abandono por parte de sua mãe, Jane (Nastassja Kinski). Reaproximar
de Travis significa, para o garoto, reacender o desejo de encontrar a mãe e
reconstruir uma família que acabou se perdendo no tempo.
“Paris, Texas” trata de crise comportamental e alienação
social, não só nos Estados Unidos como também em todo o mundo. Aqui, cenários icônicos
e símbolos visuais de um país são contrastados: a vastidão das (vazias?) paisagens
texanas e suas estradas intermináveis se opõe a uma caótica e ultra moderna Los
Angeles. Mas isso tudo não importa, afinal viver sozinho é uma tarefa difícil;
e em família, muito mais! Procurar a identidade através de um vazio espiritual cada
vez maior é um carma lastimável para a humanidade.
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"Paris, Texas" (1984) de Wim Wenders - Road Movies Filmproduktion [de] | Argos Films [fr] | Wim Wenders Stiftung [de] |
Priscilla, a Rainha do Deserto (The Adventures of Priscilla, Queen of the Desert, Austrália | Reino
Unido, 1994)
Direção: Stephan Elliott
Com ótimas atuações, humor inteligente e sensibilidade
descomunal, “Priscilla, a Rainha do
Deserto” acompanha as aventuras de duas drag queens e uma transexual que
levam o ousado empreendimento de cabaré itinerante para um resort na remota e longínqua
Alice Springs, atravessando o tórrido e despovoado deserto australiano. A
viagem, a princípio, parece ser uma grande roubada, mas cada uma das
personagens têm um motivo pessoal para deixar a segurança e a tranquilidade que
possuem em Sydney.
A simpatia transparecida no rosto de cada uma consegue disfarçar
o drama que carregam. Bernadette Bassenger/Ralph (Terence Stamp) está
entristecida pela morte recente do marido; Mitzi Del Bra/Anyhony (Hugo Weaving)
se dedica à venda de uma linha de cosméticos para mulheres que existem dentro
de cada homem, a Wo-Man; e Felicia Jollygoodfellow/Adam (Guy Pearce) é uma artista
exibida, mimada e desbocada que faz de tudo para se relançar como uma grande
estrela. O “trailer econômico modelo Barbie” também se configura como uma
personagem, afinal batizado como “Priscilla, a Rainha do deserto”, é ele que dá
nome ao filme. Durante todo o caminho, situações absurdamente humanas, como o
preconceito e a solidariedade, serão vivenciadas.
Além disso, um segredo guardado por Mitzi e o aparecimento
de Bob (Bill Hunter), um mecânico que auxilia nos reparos do problemático motor
de Priscilla, darão um contorno ameno e substancial a uma trama que consegue
levantar a bandeira de um movimento sem soar inconveniente e, muito menos,
panfletário.
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"The Adventures of Priscilla, Queen of the Desert" (1994) de Stephan Elliott PolyGram Filmed Entertainment [gb] | Latent Image Productions Pty. Ltd. [au] | Specific Films |
E sua Mãe Também (Y
tu Mamá También, México, 2001)
Direção: Alfonso Cuarón
A prender sobre os mistérios da vida através da amizade,
do sexo e do contato com o próximo. Foi com este propósito que os jovens Tenoch
(Diego Luna) e Julio (Gael García Bernal) embarcaram em uma viagem ao litoral
mexicano em busca de autoconhecimento. Luisa (Maribel Verdú), uma mulher dez
anos mais velha que os rapazes e casada com um primo de Tenoch, é convidada pelos
dois amigos para também seguir nesta jornada. O convite é feito quando os três
se conhecem em uma festa familiar e, a princípio, Luisa recusa, mas um
acontecimento crucial em sua vida a encoraja de enfrentar a estrada.
A partir deste momento, o rompimento da tênue linha entre
o amadurecimento e o auge dos dilemas adolescentes se faz iminente e a viagem
se revela audaciosa e inconsequente. Controlados de forma excessiva pelos seus
hormônios, os instintos naturais e carnais de Tenoch e Julio entram em erupção
e Luisa se vê em meio a esta efervescência. O choque entre as ações e a perda
da inocência trazem à tona a hipocrisia do ser humano, quando as personagens
são confrontadas com uma “situação socialmente inaceitável”. O estabelecimento de
um paralelo com a sociedade mexicana e a presença de uma narração onisciente
contribuem para a construção de uma atmosfera ainda mais amarga da história.
Sucesso de público e crítica, o desconcertante “E sua Mãe Também” foi o principal
responsável por valorizar o nome de Alfanso Cuarón, estabelecendo-o como um dos
diretores mais importantes da contemporaneidade. Com o filme, o mercado
estadunidense se rendeu aos talentos do realizador mexicano, embora Cuarón já
tivesse alcançado um relativo sucesso em Hollywood com os anteriores “A Princesinha” (1995) e “Grandes Esperanças” (1998).
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"Y tu Mamá También" (2001) de Alfonso Cuarón Anhelo Producciones [mx] | Besame Mucho Pictures [us] | Producciones Anhelo [mx] |
Os demais filmes você pode encontrar na programação completa da Mostra que está disponível no site
da Fundação Clóvis Salgado (fcs.mg.gov.br) ou que pode ser acessada diretamente
pelo link "Sem Destino - Filmes na Estrada".
É importante lembrar que a entrada é gratuita, mas é
necessário retirar os ingressos na bilheteria do cinema meia hora antes de cada
sessão.
O Cine Humberto Mauro está localizado no Palácio das
Artes, na Avenida Afonso Pena 1537, centro de Belo Horizonte.
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