quinta-feira, 16 de novembro de 2017

20 Filmes que completam 20 Anos em 2017 | Parte I

Em pouco mais de 120 anos de história, o Cinema foi capaz de produzir um número incontável de histórias que habitam o imaginário de milhões (ou até bilhões) de espectadores e fãs ao redor do mundo. Alguns dos filmes já nascem como clássicos instantâneos; outros esperam algum tempo para receberem a devida atenção ou o reconhecimento do público para que, enfim, também possam ser considerados trabalhos inesquecíveis e fundamentais.

Mais uma vez “cortamos um dobrado” para manter o blog de pé em 2017, mas como parte de um compromisso anual firmado e reafirmado pelo Rotina Cinematográfica em algumas publicações, elencaremos mais 20 importantes títulos em nossa já tradicional coluna, todos eles produzidos e lançados no ano de 1997. A lista é composta por obras que, de certa forma, se transformaram em peças cinematográficas atemporais devido à diferentes graus de subjetividade (aclamação popular, participação em festivais, premiações ou reconhecimento de crítica).

Comece então a acompanhar a retrospectiva que faremos ao longo as próximas semanas e relembre grandes filmes que sobrevivem ao tempo e que mantêm todo o vigor e o fôlego completando 20 anos em 2017. Títulos que, se ainda não estão, já deveriam estar nas estantes (ou nos HDs) de qualquer cinéfilo.

Violência Gratuita (Funny Games, Áustria, 1997)

Direção: Michael Haneke

Quando a agressividade e a conivência reprimida sustentam o eixo central de um thriller psicológico provocante, batemos de frente com uma premissa engenhosa que dificilmente será apagada da memória. Michael Haneke nunca economizou a sua sordidez para criar situações de enorme desconforto em todos os seus trabalhos. Como de costume, o diretor é bastante rude com o seu público; e a maneira com que ele brinca com os sentimentos em “Violência Gratuita” é formidável, o que acaba levando o espectador ao limite de suas emoções. A nossa indiferença ou inocência são colocadas em xeque ao percebermos que somos constantemente alimentados pelo fascínio incontrolável de observar a selvageria de outrem de forma aleatória e intercorrente.

Anna (Susanne Lothar) e Georg (Ulrich Mühe) decidem aproveitar as férias de verão em uma bela casa à beira de um lago junto com o filho, Schorschi (Stefan Clapczynski). Logo na chegada, a família é surpreendida ao receber a inesperada visita de dois jovens simpáticos e de boa aparência, mas de atitudes um tanto suspeitas. Demonstrando cordialidade, Peter (Frank Giering) bate à porta e pede alguns ovos emprestados a Anna, que prepara o almoço na cozinha; já Paul (Arno Frisch) se apresenta a Georg como um dos amigos hospedado na casa dos vizinhos e que veio passar uma temporada na região a fim de se distrair e tentar aperfeiçoar as suas técnicas no golfe.

Entretanto, o clima de tranquilidade vai dando lugar a um pavoroso cenário de perversão. O casal é ludibriado pelo virtuosismo enganador de Peter e de Paul e passa a ser envolvido em um angustiante e perigoso jogo de agressões físicas e verbais pautado por inesperadas reações. A tensão criada nos diálogos iniciais e o evento que provoca o espantoso desenrolar dos acontecimentos assustam, afinal estamos diante de um espetáculo brutal e somos experimentalmente cúmplices desse absurdo, presenciando – atônitos e incrédulos – todos os atos de barbaridade praticados por dois psicopatas.

“Violência Gratuita” é extremamente chocante e subversivo, pois aborda questões perturbadoras que afetam valores intangíveis da sociedade, além de ter a destreza para atacar a nossa essência animalesca, naquilo que podemos classificar como um “sadismo diligente”. O filme glorifica a desgraça e ainda denuncia a estilização dessa violência no cinema, fora a ausência de sentido de algumas situações que, infelizmente, ocorrem na vida real; evidências do tino implacável da tragédia, bem como esse prazer mórbido nutrido pela humanidade desde o início dos tempos.

"Funny Games" (1997) de Michael Haneke - Wega Film [at]

Los Angeles: Cidade Proibida (L.A. Confidential, Estados Unidos, 1997)

Direção: Curtis Hanson

Virtudes impudicas definem a arrojada imersão do diretor Curtis Hanson no apaixonante e corrupto submundo da Los Angeles dos anos 50. Seu trabalho é inspirado por um dos livros que compõe a série de ficção criminal “L.A. Quartet” do escritor James Ellroy, famoso pelo estilo narrativo telegráfico que, basicamente, suprime alguns dos elementos mais importantes na sequência linear dos fatos e faz a compensação expositiva através de frases curtas e certeiras que causam impacto no leitor. Essa característica textual se mantém viva na composição do roteiro da adaptação cinematográfica, transformando “Los Angeles: Cidade Proibida” em um clássico instantâneo extremamente rico em detalhes e marcado por impressionantes reviravoltas.

Um violento massacre que terminou com a morte de seis pessoas em um famoso bar da cidade desencadeia o ritmo eloquente dos acontecimentos. A partir deste atentado, uma aliança imoral une três policiais que utilizam métodos distintos para percorrer a mesma linha investigativa e solucionar esses misteriosos assassinatos. Bud White (Russell Crowe) é o tira bruto e indomável que, apesar de agir com benevolência, é capaz de fazer justiça com as próprias mãos; Ed Exley (Guy Pearce) resguarda toda a sua ferocidade em uma insígnia de elegância e retidão, estando sempre disposto a fazer qualquer coisa para conquistar uma promoção, exceto se vender; e o pretensioso Jack Vincennes (Kevin Spacey) é aquele que sempre procura o caminho mais fácil para se autopromover, alcançando fama e prestígio dentro da corporação.

O ar detetivesco da trama oferece o cenário perfeito para que uma rede conspiratória de subornos e venalidades seja deflagrada; o que acaba envolvendo o mais alto escalão da sociedade e atingindo até mesmo os seus maiores figurões, que estão diretamente ligados a um glamoroso esquema prostituição no qual cada uma das garotas de programa personifica uma famosa estrela de cinema. Dentre elas, a enigmática e voluptuosa Lynn Bracken (Kim Basinger) surge para embaraçar o imbróglio.

A ambientação sombria e o cerne emocional ligado às questionáveis condutas dos agentes da lei é que dão força e brilhantismo ao enredo de “Los Angeles: Cidade Proibida” – delineando características típicas do gênero batizado de neo-noir ainda na derrocada da década de 50 – premiado com um Oscar na categoria de melhor roteiro adaptado em 1998. Com um grande elenco, que ainda conta com participações veementes de Danny DeVito e James Cromwell, o filme ainda abocanhou mais um prêmio da Academia na categoria de melhor atriz coadjuvante, para Basinger.

"L.A. Confidential" (1997) de Curtis Hanson - Regency Enterprises [us] | Wolper Organization, The [us] | Warner Bros. [us]

Princesa Mononoke (Mononoke-hime, Japão, 1997)

Direção: Hayao Miyazaki

Exaltado como uma das maiores referências do cinema de animação no Japão, Hayao Miyazaki sempre chamou a atenção por sua inventividade e pelo interminável fluxo de ideias na concepção de roteiros para bons filmes. Desde antes da criação do Studio Ghibli, o diretor presenteava seu público com obras extraordinariamente sensíveis e de uma beleza visual – ao mesmo tempo – sutil e impactante. Entretanto, a opção de sempre priorizar a delicadeza do trabalho manual ia de encontro aos interesses dos investidores, o que dificultava o lançamento de algumas produções. Pressionado pelo executivo Toshio Suzuki, Miyazaki acolheu o pedido e permitiu o uso de computação gráfica para apressar a finalização do seu mais novo projeto, cumprindo o cronograma de estreia original. Sombrio e com ensinamentos docilmente ferozes, “Princesa Mononoke” conquistou de vez a crítica internacional.

Abordando, de forma severa e vanguardista, assuntos complexos como a guerra e a ecologia, o longa acompanha as destemidas ações do nobre guerreiro Ashitaka que, ao defender o seu povoado do ataque do demônio Tatari Gami, acaba sendo vítima de uma impiedosa maldição. Em busca da cura e tentando compreender o infortúnio que lhe aflige, o jovem parte em uma jornada rumo às terras de um outro clã e a se depara com uma violenta luta entre seres humanos membros de uma colônia de mineração e lendários deuses florestais. No caminho ele também encontrará San, a Princesa Mononoke, uma garota criada por lobos e que luta ao lado desses deuses por nutrir um ódio desmedido pela humanidade.

Em 1998, “Princesa Mononoke” venceu a categoria principal como Melhor Filme do Japan Academy Prize Film Award (o equivalente japonês do Oscar) e foi, por algum tempo, a maior bilheteria cinematográfica da história do país à época de seu lançamento (com cerca de 150 milhões de dólares arrecadados) – sendo superada apenas com a estreia, no mesmo ano, de “Titanic” (1997) de James Cameron. Tamanho sucesso fez com que Miyazaki anunciasse a sua precoce aposentadoria. O cineasta temia o cansaço e uma consequente queda da qualidade de suas obras, visto que o aumento do ritmo de trabalho e as cobranças do mercado consumidor (agora global) seriam cada vez maiores.

Profissional apaixonado e incapaz de encerrar suas atividades definitivamente, Miyazaki continuou a trabalhar como animador discretamente; e o hiato na carreira como diretor durou apenas quatro anos. Ele voltou de forma encantadora e triunfal em 2001 com o grandioso “A Viagem de Chihiro”.

"Mononoke-hime" (1997) de Hayao Miyazaki - DENTSU Music And Entertainment [jp] | Nibariki [jp]
Nippon Television Network (NTV) [jp] | Studio Ghibli [jp] | TNDG [jp] | Tokuma Shoten [jp]

MIB: Homens de Preto (Men in Black, Estados Unidos, 1997)

Direção: Barry Sonnenfeld

Os intrigantes relatos sobre os Homens de Preto habitam o imaginário do cidadão estadunidense desde que teorias da conspiração sobre a existência de vida inteligente fora da Terra começaram a ser elaboradas dentro do campo da ufologia. Tão antigo quanto o fascínio quimérico em descobrir que “não estamos sozinhos” é o medo de termos que enfrentar consequências trágicas resultantes de um eventual contato com criaturas de outras galáxias. Não por acaso, ouve-se dizer que homens sisudos trajando ternos pretos trabalham discretamente na abordagem e intimidação de testemunhas que avistaram OVNIs ou que tiveram algum tipo de comunicação com alienígenas. Alegando serem agentes governamentais, eles invadem a casa dessas pessoas fazendo ameaças e exigindo silêncio.

Na cultura popular, o obscurantismo da lenda foi suavizado em uma série de histórias em quadrinhos da Malibu Comics idealizadas por Lowell Cunningham e adaptadas para o cinema com estrondoso sucesso. Nas páginas da banda desenhada, os Homens de Preto combatem qualquer ameaça paranormal que possa atingir o planeta, mantendo a humanidade alheia a esses acontecimentos. Nas telas, acompanhamos a rotina de Kay (Tommy Lee Jones), um dos veteranos da MIB – agência não oficial e ultra-secreta do Governo dos Estados Unidos que monitora atividades sobrenaturais suspeitas.

Sob a alcunha de Agente K., ele tem a missão de interceptar as ações de um terrorista intergaláctico que possui planos de assassinar dois embaixadores de galáxias opostas e de destruir a Terra. Novato na organização, o ex-policial James Edwards, ou Jay (Will Smith), se une a Kay assim que o colega recebe instruções para desvendar mais uma ocorrência bizarra: saber o real motivo de um inseto gigante ter sido introduzido no corpo de Edgar (Vincent D’Onofrio), um humilde agricultor. Talvez esse problema seja mais uma das peças de um quebra-cabeças nebuloso que representa um risco iminente para a sobrevivência da vulnerável raça terráquea.

Diretor de fotografia competente e eventual colaborador em projetos de Rob Reiner e dos irmãos Coen, Barry Sonnenfeld – mais conhecido pelos reboots cinematográficos de “A Família Addams”, até então – deu uma cartada certeira ao levar a desconcertante e divertida história dos Homens de Preto para Hollywood. Em termos de bilheteria, a franquia é uma das mais bem-sucedidas da história, tendo vista que “MIIB: Homens de Preto II” (2002) e “MIB³: Homens de Preto 3” (2012), também dirigidos por Sonnenfeld, são trabalhos menos altivos. E com um provável spin-off anunciado para 2019, “MIB” promete ganhar fôlego novamente.

"Men in Black" (1997) de Barry Sonnenfeld - Columbia Pictures Corporation [us] | Amblin Entertainment [us]
Parkes+MacDonald Image Nation [us]

Estrada Perdida (Lost Highway, França | Estados Unidos, 1997)

Direção: David Lynch

Não é segredo para ninguém que o eloquente processo de criação de David Lynch dá origem a peças cinematográficas instigantes. Encoberto pela artimanha da persuasão, “Estrada Perdida” é um de seus filmes mais misteriosos. Abstrair o “caos organizado” que conduz as situações da trama é o primeiro grande passo para embarcar na viagem insana do diretor. No meio deste turbilhão está Fred Madison (Bill Pullman), um saxofonista acusado de assassinar a esposa, Renee Madison (Patricia Arquette), uma mulher acanhada e excêntrica. Ele tem certeza absoluta de que não é o culpado, mas ao lembrar das fitas de câmeras de segurança que vinha recebendo em casa, começa a duvidar de suas próprias convicções.

Fred acreditava que poderia estar sendo traído, mas as gravações secretas que mostram o casal sendo vigiado enquanto dormia são provas cabais de que toda a rotina ao redor do músico vinha sendo registrada. Porém Renee já está morta e, sem ter tempo para compreender o que aconteceu, ele já se encontra preso e sentenciado à morte por ser o principal suspeito do crime. De forma iminente, Fred amanhece em sua cela transmutado em Pete Dayton (Balthazar Getty), um jovem mecânico de automóveis que é prontamente libertado após ter a sua ficha penal consultada pela polícia.

Pontos de virada como este são elementos preponderantes nas absurdas e envolventes narrativas lynchianas. A confusão instaurada tenta restabelecer uma lógica caminhando numa linha tênue entre alucinação e irracionalidade. A aparente linearidade do enredo volta aos trilhos quando registra o encontro de Pete com um de seus clientes, Dick Laurent (Robert Loggia), um gângster bem relacionado que ostenta a sedutora companhia de Alice Wakefield (Patricia Arquette), uma loira enigmática idêntica à Renee Madison. Pete se envolve Alice e, a partir desse momento, mais uma série de extravagantes desvarios desfilam diante de nossos olhos, tendo como ambientação a inescrupulosa cena da máfia sustentada pelo submundo da pornografia.

No subterfúgio de todos os acontecimentos – supostamente – desconexos, “Estrada Perdida” acaba sendo um filme sobre estar ou não estar em determinados lugares. A troca de identidade do personagem principal é o ponto de virada que tenta, simultaneamente, confirmar e rechaçar que (não) estamos acompanhando uma tradicional cronologia de fatos. Claramente somos privados de algumas sensações para não ter a percepção do todo; e fugir das convenções é fundamental para compreender toda a genialidade de David Lynch e mergulhar de cabeça nessa loucura que ele nos proporciona.

"Lost Highway" (1997) de David Lynch - October Films [us] | CiBy 2000 [fr]
Asymmetrical Productions [us] | Lost Highway Productions LLC [us]

Continuem acompanhando nossa retrospectiva e aguardem a Parte II na próxima semana!

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