Marcado por retrospectivas, listas de melhores filmes e
homenagens, o mês de dezembro sempre desperta a iniciativa de sites e blogs
especializados em Cinema em promover e publicar artigos e mais artigos que,
periodicamente, fazemos questão de preservar como guias genuínos para nos
auxiliar no aprofundamento de temas relacionados à Sétima Arte. Na mais justa e
sincera das realidades, acabamos guardando esses invariáveis artigos e listas
até que os próximos saiam no final do ano seguinte.
Entretanto, a missão de selecionar alguns filmes para
certas ocasiões acaba sendo muito interessante e oportuna. Pegando carona nessa
ideia, o que o Rotina Cinemeira propõe fazer agora promete agradar muitas
pessoas que perseguem curiosamente vários dos títulos relevantes que sempre nos
ajudam a conhecer e compreender melhor a apaixonante e vasta memória do cinema mundial.
Ao final de 2016, algumas obras alcançarão um patamar
ainda maior na história: se tornarão filmes centenários! Produtos valiosos que
sobreviveram ao desgaste e à destruição (ao contrário de muitos outros
negativos do período) ou ao mero ostracismo, e ainda assim continuam sendo
constantemente lembrados por críticos, cinéfilos e pelo público em geral. Dessa
forma, escolhemos com todo o cuidado três grandes trabalhos que, definitiva e
literalmente, marcaram época desde os seus lançamentos em 1916 e que, a partir
de janeiro de 2017, iniciarão mais um capítulo de sua (agora) carreira secular.
Para descobrir, relembrar e apreciar! Começamos a nossa
seleção com o um verdadeiro monumento cinematográfico, obra-prima que ressalta
o talento e a magnitude de um dos diretores mais importantes e expressivos que que
ajudaram a moldar os primeiros anos da História do Cinema:
Intolerância (Intolerance: Love’s
Struggle Throughout the Ages, Estados Unidos, 1916)
Direção: D. W. Griffith
A primeira grande revolução da linguagem cinematográfica
aconteceu quando a Sétima Arte ainda dava os seus passos iniciais. A proposta
de montagens paralelas e as variações de planos são marcos históricos
inquestionáveis que começaram a ser colocados em prática no momento em que o
diretor D. W. Griffith decidiu incrementar seu vasto currículo de curtas peças
fílmicas passando a orquestrar também audaciosos longas-metragens; trabalhos tecnicamente
impecáveis que foram os maiores responsáveis por considerá-lo, desde sempre, o
pai do cinema estadunidense. Com pouco menos de uma hora de duração, o drama
bíblico “Judith de Betúlia” (1914)
foi a sua primeira pérola. Entretanto, foi no ano seguinte que Griffith causou
estrondo com o lançamento de seu mais famoso filme, o polêmico épico
escravagista “O Nascimento de uma Nação” (1915). É importante dizer que o discorrer dessa pequena introdução serve para
instigar ou direcionar o leitor a seguir um princípio lógico de interpretação
dos fatos a partir deste ponto.
Usando o máximo de bom senso, qualquer pessoa é abarcada
pela livre compreensão de que as ideias embrionárias para as filmagens de “Intolerância” talvez tenham sido
concebidas como parte de uma resposta ao ódio altaneiro que recheava as diversas
acusações de racismo impostas à Griffith. Os problemas que ele vinha
enfrentando desde a realização do filme anterior eram muito maiores que o
próprio (e incrível) sucesso de bilheteria conquistado. Também já eram nítidas
as preocupações em se posicionar contra a censura no cinema, mas realizar um
longa de caráter humanista parecia ser mais urgente na ocasião, pois
funcionaria como um “excludente de punibilidade” para o diretor (muito embora
tais casualidades fossem desmontadas por escritos que sugerem que “Intolerância” tivesse sido finalizado
nas semanas que se seguiram ao lançamento de “O Nascimento de uma Nação”).
Com um subtítulo sugestivo, que tenta exaltar “a luta do amor através dos tempos”, o
longa deflagra todas as nossas vaidades e imperfeições expondo, durante quase
três horas de projeção, um autêntico panorama de absurdos e barbaridades que
edificaram os pilares da nossa existência. Desenrolada ao longo dos séculos, a
História é ilustrada através de quatro episódios independentes, sobrepostos e entrecortados
de forma não linear, mas que juntos acabam evidenciando como a crueldade humana
se sustenta e afeta diretamente o destino das pessoas. O argumento inclui um
pequeno relato sobre o conflito religioso que levou à queda da Babilônia; uma
seleção de eventos da inspiradora vida de Jesus Cristo; os cursos do incidente
que resultou no massacre de protestantes franceses na famosa Noite de São
Bartolomeu; e um romance contemporâneo que delata os preconceitos que um jovem
casal enfrenta para criar o filho em meio a uma sociedade hipócrita e de
valores puritanistas. Esta última passagem é a única narrativa fictícia e
principal fio condutor de um filme que resume de maneira eficaz o propósito
circunstancialmente pacifista de examinar com cautela o seu próprio título. A “Intolerância” que continua presente nas
mais variadas camadas nos persegue desde os tempos mais antigos como uma marca
latente da injustiça social entranhada no caráter da civilização global.
Projetado em 1920 nos cinemas da União Soviética, o filme
exerceu forte influência sobre a peculiar maneira de filmar de jovens cineastas
da época como Dziga Vertov, Sergei M. Eisenstein e Lev Kuleshov, sobretudo nas
sequências de transição temporal e na montagem acelerada durante as suas cruciais
progressões. “Intolerância” ainda foi
adicionado ao National Film Preservation Board em 1989, uma espécie de conselho
nacional de proteção e arquivamento de filmes dos Estados Unidos que
estabelece, a cada ano, uma lista de obras a serem restauradas e preservadas
para a posteridade. O selo “National Film Registry” foi concedido pela primeira
vez na história, sendo atribuído a outras 24 obras na ocasião.
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"Intolerance: Love's Struggle Throughout the Ages" (1916) de D. W. Griffith Triangle Film Corporation [us] | Wark Producing [us] |
Rituais e Festas Bororo
(Rituais e Festas Bororo, Brasil,
1916)
Direção: Luiz Thomaz
Reis
Marco histórico do cinema documental etnográfico
brasileiro, “Rituais e Festas Bororo”
é um importante estudo antropológico realizado através de uma série de visitas
a populações indígenas isoladas do país no início do século anterior. Todo o
trabalho foi idealizado e produzido pelo Major Luiz Thomaz Reis, considerado o
autor dos mais importantes registros fílmicos e fotográficos dispostos pelo
Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e, à época, maior responsável pela chefia
e coordenação estratégica da Secção de Cinematographia e Photographia da
Comissão Rondon.
Com pouco menos de meia hora de duração, o filme adota
uma dinâmica descritiva (com inserções textuais a cada cena) e completamente
didática ao acompanhar o cotidiano particular dos índios da etnia Bororo, grupo
que habitava maciçamente a porção sul do Estado de Mato Grosso, se
estabelecendo às margens do Rio São Lourenço. A câmera forasteira vagueia por
rostos inquietos e olhares assustados, querendo inferir erroneamente uma imagem
antiquada, primitiva e selvática desses povos. Aqui, dois momentos se destacam:
a tradicional pesca com timbó, uma espécie de cipó que entorpece a água e
envenena os peixes, facilitando a sua captura; e a beleza enigmática e festiva
das danças de uma cerimônia fúnebre.
O trabalho de documentação visual de “Rituais e Festas Bororo” é uma experiência cinematográfica
referencial definitiva, sobretudo no que tange a sensibilidade e o apuro da
percepção de estrangeiros e não-índios ao entrar em contato com culturas
absolutamente diferentes das suas. Pouco se importando com as dificuldades e a
falta de experiência de se fotografar em atividades de campo, bem como a
decisão de lançar mão de contar com uma tecnologia pouco estruturada e
praticamente inexistente no país naquele momento, acabamos constatando que o
resultado final das filmagens acaba imprimindo um caráter exótico à película,
remetendo ao espectador e, principalmente, aos profissionais diretamente
envolvidos com o serviço, a sensação casta de regressar aos remotos tempos do
“Descobrimento do Brasil”.
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"Rituais e Festas Bororo" (1916) de Luiz Thomaz Reis - Conselho Nacional de Proteção aos Índios [br] |
Carlitos Boêmio (One A.M., Estados Unidos, 1916)
Direção: Charles Chaplin
Um homem venturoso se depara com um grande desafio ao
chegar em casa no meio da madrugada depois de passar uma noite inteira bebendo
pela cidade. A árdua missão consiste em chegar ao quarto, deitar na cama e
conseguir dormir. Entretanto, uma série de “obstáculos” acabam impedindo que
ele tão logo consiga descansar; e ao longo de deliciosos e infindáveis vinte
minutos vemos Charlie completamente incapacitado, cambaleando de um lado para o
outro e travando um confronto inebriado contra a sua própria casa.
Também conhecido como “À
Uma da Madrugada”, esse valioso curta-metragem é uma das peças cômicas mais
divertidas da genial carreira de Charles Chaplin; e mesmo não envolvendo e
abarcando ao simulacro a essência melancólica de Carlitos, o nome do personagem
acabou aparecendo no título original de lançamento da fita no Brasil.
Em geral, muitos dos esquetes protagonizados por Charlie
no início da carreira foram equivocadamente atribuídos ao vagabundo mais famoso
do mundo, como no caso de “Carlitos
Boêmio”, no qual ele interpreta um magnata. Para os brasileiros, sempre foi
difícil dissociar o ator Charles Chaplin da fictícia figura simples, gentil e
ingênua que se tranformou no maior ícone do cinema mudo. Para se ter ideia, no mesmo
ano também foram produzidos outros títulos que por aqui ficaram conhecidos como
“Carlitos Bombeiro” (1916), “Carlitos no Estúdio” (1916), “Carlitos Patinador” (1916) e “Carlitos no Armazém” (1916), sendo que
apenas neste último Chaplin é creditado como “The Tramp”.
Todos esses filmes fizeram parte de uma série de doze
produções clássicas realizadas entre 1916 e 1917, período em que Charles
Chaplin assinava um contrato valioso com a Mutual Films, recebendo cerca de 670
mil dólares anuais e se transformando no artista mais bem pago do mundo. Ele
também recebeu sinal verde dos executivos do estúdio e teve liberdade para
extrapolar toda a sua capacidade criativa. Como exemplo e como curiosidade
final destacamos que, salvo a pequena aparição do ator Albert Austin como motorista
de táxi nos minutos iniciais, “Carlitos
Boêmio” foi o primeiro filme em que Charles Chaplin atuou sozinho e em
tempo integral. Ou seja, o espaço era todo destinado para que ele pudesse despejar
toda a inventividade em cena, além de mostrar o timing perfeito para a comédia
e enlouquecer a todos com as suas habilidades acrobáticas. Sem dúvida, um de
seus melhores momentos!
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"One A.M." (1916) de Charles Chaplin - Mutual Films [us] | Lone Star Corporation [us] |
Filmes que também
merecem destaque:
- As Portas do Inferno (Hell’s Hinges, Estados Unidos, 1916) - de Charles Swickard;
- Joana D’Arc - A Donzela de Orleans (Joan the Woman, Estados Unidos, 1916) -
de Cecil B. DeMille;
- The Curse of
Quon Gwon: When the Far East Mingles with the West (The Curse of Quon Gwon: When the Far East Mingles with the West,
Estados Unidos, 1916) - de Marian E. Wong;
- Where Are My
Children? (Where Are My Children?,
Estados Unidos, 1916) - de Phillips Smalley e Lois Weber;
- His Bitter
Pill (His Bitter Pill, Estados
Unidos, 1916) - de Fred Hibbard e Mack Sennett;
- The Battle
of the Somme (The Battle of the Somme,
Reino Unido, 1916) - de Geoffrey Malins e William F. Jury;
- Judex (Judex,
França, 1916) - de Louis Feuillade.
Acompanhem também as listas
de Filmes Centenários feitas pelo Rotina Cinemeira em anos anteriores:
É ISSO! ETERNOS
CLÁSSICOS... INCRÍVEIS LEMBRANÇAS!
BOAS SESSÕES!
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