quinta-feira, 10 de novembro de 2016

20 Filmes que completam 20 Anos em 2016 | Parte I

Em pouco mais de 120 anos de história, o Cinema foi capaz de produzir um número incontável de histórias que habitam o imaginário de milhões (ou até bilhões) de espectadores e fãs ao redor do mundo. Alguns dos filmes já nascem como clássicos instantâneos; outros esperam algum tempo para receberem a devida atenção ou o reconhecimento do público para que, enfim, também possam ser considerados obras inesquecíveis e fundamentais.

Como parte do compromisso que firmamos na publicação anterior, comece a acompanhar a retrospectiva que o Rotina Cinemeira fará, ao longo do mês de novembro, elencando 20 importantes títulos produzidos e lançados no ano de 1996. Filmes que sobrevivem ao tempo e que mantém o vigor e o fôlego, completando os seus 20 anos em 2016. Títulos que, se ainda não estão, já deveriam estar nas estantes (ou nos HDs) de qualquer cinéfilo.

Segredos e Mentiras (Secrets and Lies, França | Reino Unido, 1996)

Direção: Mike Leigh

Desde o início dos anos 70, a conceituada e premiada carreira do britânico Mike Leigh como escritor e diretor de peças teatrais sempre caminhou em consonância com suas incursões pelo cinema. Constantemente taxado de ríspido, Leigh despeja toda a sua animosidade ao tecer, tanto nos palcos quanto nas telas, ácidas críticas ao comportamento da sociedade contemporânea somado a diferença de classes escancaradamente mascarada de seu país. “Segredos e Mentiras” não foge dessa regra, configurando-se como um drama meio amargo que desnuda a realidade e reforça com contornos melancólicos a vida de uma família perturbada por acontecimentos que emergem do passado.

Após a morte de sua mãe de criação, Hortense (Marianne Jean-Baptiste) decide sair à procura de sua mãe biológica. A jovem é negra e tem uma vida confortável trabalhando como optometrista em Londres. Em seus esforços para retornar às suas raízes, Hortense acaba conhecendo e se reconhecendo em Cynthia (Brenda Blethyn), uma operária branca de meia idade que entregou a filha para adoção há alguns anos sem nunca ter a visto. Amável e solitária, a frágil senhora já possui família formada, mas vem enfrentando uma série de dificuldades pessoais.

Depois de uma emocionante reconciliação, mãe e filha tornam-se melhores amigas. Buscando um melhor entendimento da vida, as duas ainda se deparam com segredos deliberadamente revelados no clímax de uma tensa reunião familiar, tendo como pivôs o irmão mais novo de Cynthia, Maurice (Timothy Spall); sua esposa Monica (Phyllis Logan); e Roxanne (Claire Rushbrook), filha ilegítima de Cynthia.

Diante da temática forte e catártica, coube a Leigh tomar uma das decisões mais acertadas em relação ao projeto: deixar que maior parte do roteiro permanecesse aberto durante o processo de filmagem. No argumento, coube ao diretor apenas definir e direcionar as personagens no transcorrer das ações e na participação das mesmas no destino final da trama. Isso possibilitou que grande parte das relações entre mãe e filha pudessem ser construídas livremente por Brenda Blethyn e Marianne Jean-Baptiste durante os ensaios. As interpretações improvisadas garantiram a consistência e o realismo que o filme necessitava, imprimindo um caráter verdadeiramente sublime e existencialista.

Vencedor da Palma de Ouro de Cannes em 1996, “Segredos e Mentiras” é considerado o longa metragem mais aclamado e acessível de Mike Leigh, justamente por, no final das contas, assumir um caráter mais otimista em relação à vida, muito embora as tristezas e alegrias possam ser tratadas aqui em tom superlativo.

"Secrets and Lies" (1996) de Mike Leigh - Channel Four Films [gb] | CiBy 2000 [fr] | Thin Man Films [gb]

Todos Dizem Eu Te Amo (Everyone Says I Love You, Estados Unidos, 1996)

Direção: Woody Allen

Com muito bom humor e de forma absolutamente despretensiosa, Woody Allen talvez tenha levado para as telas em “Todos Dizem Eu Te Amo” a trama mais leve, sensível e divertida dentre todas as suas produções na década de 90. Como sempre, a inteligência empregada nos ricos diálogos sobre as situações mais corriqueiras de nossas vidas se sobressai, fazendo com que nossos sentimentos mais inomináveis se alumiem para aquele que, possivelmente, seja o mais importante e fundamental de todos: o amor. E o trunfo dessa simpática e nada convencional comédia romântica vem na brincadeira com o gênero musical, homenageando à altura os maiores clássicos do período clássico hollywoodiano.

Nesse reverencioso universo se encontra DJ (Natasha Lyonne), uma jovem nova-iorquina que divide com o espectador as histórias de sua família e da alta sociedade de Manhattan. Ela vive com a mãe, Steffi (Goldie Hawn), e o padrasto, Bob (Alan Alda), casados há bastante tempo; e, regularmente, recebe visitas do pai, Joe (Woody Allen), que continua um grande amigo de toda a família.

Joe vive em Paris, trabalha como escritor e decide, após mais uma desilusão amorosa, viajar para Veneza a fim de se reencontrar. Lá, acaba conhecendo e se apaixonando por Von (Julia Roberts), uma historiadora infeliz com seu casamento. Ao mesmo tempo presenciamos a comemoração do noivado de Holden (Edward Norton) e Skylar (Drew Barrymore), meia-irmã de DJ e filha de Bob e de Steffi, esta última que ainda tem que saber lidar com desarranjada e definitiva aparição de Charles Ferry (Tim Roth), um detento recém-libertado. Por fim, todo esse emaranhado de situações e interações acabam sendo mesmo amarradas por músicas que embalam incandescentes paixões.

“Todos Dizem Eu Te Amo” conseguiu uma tímida indicação ao Globo de Ouro na Categoria de Melhor Filme de Comédia ou Musical; mas foi justamente por não almejar uma carreira triunfante ou glamorosa que o filme não recebeu tantas nomeações em festivais internacionais. Contudo, há de se louvar aqui o trabalho e a dedicação de todos os integrantes do elenco que cantaram em todos os números musicais sem sequer precisar de dubladores. A exceção foi Drew Barrymore, que conseguiu convencer a equipe de produção que era uma péssima “cantora de chuveiro” e que se sairia ainda pior em cena, mesmo sabendo que a ideia inicial de Woody Allen fosse mostrar o comportamento natural de pessoas sem o dom do canto nas performances musicais de suas personagens.

"Everyone Says I Love You" (1996) de Woody Allen
Miramax [us] | Buena Vista Pictures [us] | Magnolia Productions [us] | Sweetland Films

Lone Star - A Estrela Solitária (Lone Star, Estados Unidos, 1996)

Direção: John Sayles

O caso de um assassinato mal resolvido em uma cidade texana na fronteira com o México toma-se como mote inicial e representa a faísca que desencadeia a sucessão de intrigantes acontecimentos de “Lone Star - A Estrela Solitária”, uma crônica sobre o choque de culturas muito presente nessa região dos Estados Unidos, bem como uma parábola sobre o obscurantismo das relações pessoais, dos segredos e das memórias que são enterradas com o tempo. O argumento ágil, diligente e ao mesmo tempo sutil que o diretor John Sayles emprega na construção do roteiro do longa (sendo inclusive nomeado ao Oscar nessa categoria) deixa praticamente exposta as necessidades que o ser humano tem de extrapolar os seus limites e revirar o seu passado.

Quando o esqueleto de seu antecessor é encontrado em um deserto próximo à Rio County, o xerife Sam Deeds (Chris Cooper) inicia uma investigação sem precedentes que envolve praticamente todos os figurões da cidade. Sam desconfia que o crime possa estar relacionado ao antigo conflito que seu falecido pai, Buddy Deeds (Matthew McConaughey), travava com Charlie Wade (Kris Kristofferson) há décadas atrás; ambos também foram donos da estrela de xerife da qual Buddy, tido por todos como um mito e herói local, tomou em substituição imediata a Charlie, um “homem da lei” notoriamente corrupto e racista.

Os flashbacks são entrelaçados ao processo investigativo de Sam e montam a transição entre o passado e o presente através de planos sequência de forma extremamente audaz e criativa, ajudando o espectador a entender o que realmente aconteceu naquela época e de que modo os embates e as ações dos antigos rivais afetaram Rio County ao longo dos anos. A princípio, o romance policial aparentemente se transforma em uma trama detetivesca com contornos de western sendo que, na verdade, ele escancara e pretende estudar as características de formação do Texas, além do desconforto habitual que a formação multiétnica do Estado continua proporcionando sempre que alguém tenta reescrever ou escrever a História, deixando sempre profundas e incuráveis cicatrizes para o futuro.

Comportamentalista, “Lone Star - A Estrela Solitária” mostra que lidar com várias culturas diferentes ao mesmo tempo tentando enfrentar de forma deliberada os graves problemas gerados pela xenofobia e por conflitos raciais acabam por transpassar e afetar tanto o campo político quanto o pessoal; tudo está interligado. E sabemos que vida frustra e subverte, mas é preciso ter coragem para seguir em frente.

"Lone Star" (1996) de John Sayles - Columbia Pictures Corporation [us] | Castle Rock Entertainment [us] | Rio Dulce

Marte Ataca! (Mars Attacks!, Estados Unidos, 1996)

Direção: Tim Burton

Estamos longe de querer transformar o comentário inicial em uma alfinetada carregada de ironia, mas é certo que em nenhum momento “Marte Ataca!” teve pretensões de se tornar um projeto grandioso, ou até mesmo de querer ser considerado pela crítica como um bom filme. Estranhamente engraçado, chegando a beirar o tosco, o filme reflete a fuga do diretor Tim Burton dos seus habituais padrões sombrios, maquiagens alvacentas e cabelos arrepiados. É claro que todos os seres esquisitos de seu universo continuarão presentes aqui, mas dessa vez o espanto vem de fora, não de muito longe.

A ameaça vem do planeta vizinho, e os marcianos são o retrato absolutamente perfeito das caricaturas que imaginamos desde sempre: seres verdes raquíticos, cabeçudos e com olhos esbugalhados e curiosos. Eles simplesmente invadem o nosso planeta com o intuito de se divertir, destruindo tudo que veem pela frente, transformando a Terra em um imenso playground.

A obsessão da humanidade pelo desconhecido e pelo encontro com vidas inteligentes que habitam o Universo fora à Terra são mais antigos que a própria ciência enquanto prática sistemática e, nesse mesmo curso, o gênero da ficção científica surgiu para legitimar nossos anseios e devanear sobre possíveis contatos extraterrenos. Distante da seriedade, Burton homenageia todos os clássicos de Pulp Sci-Fi dos anos 50, como “O Dia em que A Terra Parou” (1951), “A Guerra dos Mundos” (1953) e “Vampiros de Almas” (1956); bem como os filmes-catástrofe da década de 70, sempre recheados de grandes astros e estrelas, como “O Destino do Poseidon” (1972) e “Inferno na Torre” (1974).

Com relação ao elenco, inclusive, “Marte Ataca!” não deixa a desejar em relação a nenhuma grande produção de Hollywood no período. A lista renomada de atores que participaram do projeto é espetacular, contando com Annette Bening, Glenn Close, Danny DeVito, Pierce Brosnan, Sarah Jessica Parker, Michael J. Fox e a jovem e promissora Natalie Portman. Reunir essa constelação não deve ter sido uma tarefa muito fácil; fazê-los encarnar impiedosos palermas, muito menos; o que não significa dizer que todos realizaram más interpretações, claro! Exemplo maior é Jack Nicholson que, interpretando o patético Presidente dos Estados Unidos que é tido como a única esperança de frear a iminente ameaça à existência da espécie humana, confirma a atmosfera de paródia que o filme pretendia alcançar e o coloca como comédia de humor negro e um tributo honesto a um gênero frequentemente classificado como menor.

"Mars Attacks!" (1996) de Tim Burton - Tim Burton Productions [us] | Warner Bros. [us]

Jerry Maguire: A Grande Virada (Jerry Maguire, Estados Unidos, 1996)

Direção: Cameron Crowe

Em 1996 Tom Cruise já era um dos queridinhos da América, havia protagonizado alguns pares de excelentes filmes e já tinha no currículo uma indicação ao Oscar por “Nascido em 4 de Julho” (1989).  O jovem astro estava preparado para subir mais um degrau na carreira e entrar definitivamente para o hall das “super-celebridades”. Pela primeira vez, Cruise participava como produtor em um projeto cinematográfico, nada mais menos nada menos que o estouro comercial e futura franquia de sucesso “Missão: Impossível”. Ao mesmo tempo, ele decidia apostar no roteiro escrito pelo amigo e diretor Cameron Crowe, aceitando também o convite para protagonizar a cativante comédia dramática “Jerry Maguire: A Grande Virada”.

Cruise interpreta o personagem título do filme, um procurador esportivo bem-sucedido que enfrenta um dilema pessoal ao questionar a sua própria existência, o propósito de suas ações e o seu verdadeiro lugar no mundo. Jerry Maguire vivia intensamente, era respeitado e admirado pelos colegas, conquistava os melhores clientes e fechava os contratos mais rentáveis do ramo. A crise de consciência vem quando um de seus principais atletas sofre uma grave lesão, fazendo-o refletir sobre a maneira cruel como tratava todos os seus representados. O empresário cai em desgraça, é demitido da agência que trabalhava e perde todo o seu prestígio.

Motivado por essa epifania moral, Jerry decide colocar em prática uma nova filosofia de trabalho, fundando uma organização independente e trazendo consigo a colega e principal incentivadora, Dorothy Boyd (Renée Zellweger). Além disso, ele acaba mantendo apenas um cliente, o famoso e problemático jogador de futebol americano Rod Tidwell (Cuba Gooding Jr., vencedor do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante na ocasião); ambos ajudaram na transformação do protagonista. E é através da profunda relação de Jerry com Dothy e Rod que podemos observar e discutir aspectos fundamentais e vitais como a amizade, a solidariedade, a formação de caráter e a imensa capacidade e desejo de mudança que todo ser humano carrega dentro de si.

Declaradamente inspirado na carreira do agente esportivo Leigh Steinberg (que auxiliou na produção como consultor técnico durante as filmagens), “Jerry Maguire: A Grande Virada” trata de construir, em linhas gerais, uma severa crítica ao desconcertante e problemático caminho pelo qual a sociedade global vem caminhando há algumas décadas: àquele no qual a vida é tratada como uma mercadoria habitual, onde todos acreditam cegamente que o que mais importa são o poder, a fama e o dinheiro.

"Jerry Maguire" (1996) de Cameron Crowe - TriStar Pictures [us] | Gracie Films [us]

Não deixem de continuar acompanhando nossa retrospectiva e aguardem a Parte II na próxima semana!

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