Um suspense alucinante e eficaz com pinceladas ácidas de
humor negro ditado pela marca autoral de dois dos cineastas mais aclamados dos
Estados Unidos; um peculiar e aterrorizante suspense policial brasileiro
marcado pelo esquecimento; um bom filme de ação que começava a
colocar em evidência as ambições megalomaníacas e espetaculosas de um diretor
constantemente perseguido pela crítica; um dos grandes sucessos de bilheteria
dos anos 90 que já se configurava como o maior clássico da ficção científica
contemporânea; e a apaixonante cinebiografia de uma das mais incríveis e inspiradoras
figuras do mundo da música.
Antecipando a publicação em um dia para conseguir cumprir
o cronograma do mês, o Rotina Cinemeira encerra a
retrospectiva especial realizada ao longo de novembro, elencando 20 importantes
trabalhos produzidos e lançados em um não tão distante ano de 1996; ano repleto
de filmes inesquecíveis, clássicos contemporâneos que ainda mantém o fôlego e
chegam vigorosos em 2016, completando os seus 20 anos de lançamento.
Preciosidades que, se ainda não estão, já deveriam estar nas estantes (ou nos
HDs) de qualquer cinéfilo.
Fargo - Uma Comédia de
Erros (Fargo, Estados Unidos | Reino
Unido, 1996)
Direção: Joel Coen e
Ethan Coen
A audaciosa trama de “Fargo”
é apresentada ao espectador sob a premissa de que “muito pode acontecer no meio do nada”. Curiosamente subtitulado no
Brasil como “Uma Comédia de Erros”,
esse suspense eficaz com pinceladas ácidas de humor negro tem a marca
característica de qualquer trabalho assinado pelos Irmãos Coen: a de retorcer e
reinventar gêneros clássicos consolidados, transformando-os em vigorosas peças
contemporâneas. Dirigido por Joel e produzido por Ethan, o filme é violentamente
perturbador, mas sempre conduzido por situações hilárias que nos surpreendem.
O primeiro sobressalto vem logo no início, quando nos é
sugerida que a história, transportada para a pequena cidade de Fargo, no Estado
da Dakota do Norte, teria sido concebida a partir de “eventos reais” ocorridos
em Minnesota no ano de 1987. Jerry Lundegaard (William H. Macy), gerente de uma
revendedora de automóveis, elabora um plano desonesto e completamente inusitado
para se livrar de um grave problema financeiro. Ele traça um esquema arriscado
para sequestrar a própria esposa, fazendo um acordo com dois marginais que
receberão, caso executem todas as suas ordens, um carro novo e metade dos 80
mil dólares exigidos no resgate. Desesperadamente endividado, Jerry pretende
ficar com todo o dinheiro, imaginando que a quantia será desembolsada pelo seu
sogro, um homem muito rico e dono da agência na qual trabalha.
Entretanto, uma série de imprevistos e mal-entendidos
acabam complicando a situação do psicopata paranoico Gaear Grimsrud (Peter
Stormare) e do atrapalhado e falastrão Carl Showalter (Steve Buscemi), bandidos
contratados por Jerry, pois ambos não conseguem controlar o ritmo de suas ações
e se veem envolvidos em um caso de triplo homicídio. Mantendo a serenidade habitual,
mesmo espantada pelos crimes que agitaram a monótona rotina da comunidade pela
qual é responsável, entra em cena a desajeitada, porém competente chefe de
polícia Marge Gunderson (Frances McDormand), que tenta solucionar os mistérios
de sua primeira grande investigação.
Marge é, sem dúvida, uma das figuras mais cativantes
desenvolvidas dentro do universo particular dos Coen. O detalhe gracioso de sua
gravidez em estágio avançado a deixa ainda mais descompassada, mas coloca em
evidência uma autoconfiança e perspicácia invejáveis. O papel rendeu à
McDormand o Oscar de Melhor Atriz em 1997; a singularidade do roteiro também
foi premiada pela Academia no mesmo ano. Tenso e peculiarmente divertido, “Fargo” é um exemplar genuíno de uma
narrativa original e alucinante reconduzida às afetivas memórias interioranas
dos geniais (e urbanos) irmãos minesotanos.
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"Fargo" (1996) de Joel Coen e Ethan Coen - PolyGram Filmed Entertainment [gb] | Working Title Films [gb] |
Olhos de Vampa (Olhos de Vampa, Brasil, 1996)
Direção: Walter Rogério
Sob a alcunha de “obra maldita” e condenado ao eterno
fracasso, “Olhos de Vampa” é um filme
relativamente raro. Afinado com o gênero de terror, esse peculiar suspense
policial acabou sendo atirado em qualquer fundo de gaveta logo após ser alvo de
uma espécie de “censura mercadológica”, essa responsável por promover
insistentes intervenções em produções cinematográficas realizadas no período
pós-retomada. Subjugada, esquecida e ocultada nos arquivos da filmografia
nacional durante anos, a película fora rodada uma única vez durante seu
lançamento no Festival de Brasília. Contudo, uma inesperada exibição em 2004,
durante a 28ª Mostra Internacional de São Paulo, trouxe à tona a curiosa
indiscrição em relação ao longa, inflamando olhos afoitos para acompanhar uma
projeção quase inédita.
No mesmo período, algumas cópias foram lançadas em VHS e
DVD, permitindo que o filme restabelecesse sua trajetória de circulação, embora
viesse a ser apreciado apenas por um grupo bem específico. Ou seja, mesmo não
sendo fáceis, esforços para conhecer o último projeto de Walter Rogério como
diretor eram sempre possíveis. Inclusive, nosso eventual contato com “Olhos de Vampa” foi fortuito e
absolutamente oportuno; duas sessões marcaram sua extraordinária apresentação
em Belo Horizonte, ocorrida há pouco mais de dois anos na primeira edição da
mostra “Medo e Delírio no Cinema
Brasileiro Contemporâneo”.
A trama se desenrola quando uma jovem é encontrada morta
em pleno Parque do Ibirapuera. A partir desse evento, crimes semelhantes
continuam a aterrorizar mulheres que diariamente transitam pelo bairro de
Pinheiros, em São Paulo. Os assassinatos são imediatamente ligados à ação de um
suposto serial killer, pois possuem
um aspecto ritualístico incomum: todas as vítimas têm o sangue do corpo
completamente sugado por uma mordida na nádega direita, sendo ainda amarradas
pelos pulsos com uma fita isolante e tendo pêssegos enfiados na boca. Sob
ordens do Delegado Arthur (Antônio Abujamra), Oscar (Marco Ricca) e Leôncio
(Washington Luiz Gonzales) são os policiais que ficam encarregados de capturar
o criminoso. Por meio de uma fotografia, os dois acabam reunindo estranhas
evidências para seguir os passos do possível suspeito: o enigmático Vampa (Joel
Barcellos).
De gosto questionável, “Olhos de Vampa” andou na contramão de trabalhos que propunham
reerguer o Cinema Brasileiro. Numa análise básica, reconhece-se a louvável,
porém frustrada tentativa de Walter Rogério em revisitar o cinema popular de
gênero, buscando se aproximar ao clima libertino das pornochanchadas ou
restaurar as façanhas autorais de produções estritamente baratas da Boca de
Lixo Paulistana.
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"Olhos de Vampa" (1996) de Walter Rogério - Magia Filmes [br] |
A Rocha (The Rock, Estados Unidos, 1996)
Direção: Michael Bay
Intensidade e adrenalina sempre foram as marcas
registradas do controverso produtor e diretor Michael Bay que, antes de se preocupar
somente com o alcance da famigerada perfeição em explosões (principalmente na
desconexa franquia de “Transformers”),
mantinha pelos menos um de seus pés no chão realizando curtas, documentários e
videoclipes até finalmente alcançar sucesso e reconhecimento com os primeiros
trabalhos cinematográficos como, por exemplo, o divertido “Os Bad Boys” (1995), seu longa de estreia. De maneira positiva, “A Rocha” também está situada nessa
linha do tempo.
Um grupo de ex-combatentes renegados pelas Forças Armadas
dos Estados Unidos toma o controle da lendária penitenciária de Alcatraz ao
mesmo tempo em que se apropria de um conjunto poderoso de armas químicas e
biológicas. Comandados pelo General Francis X. Hummel (Ed Harris), herói e
veterano da Guerra do Vietnã, os soldados acabam fazendo 81 reféns e ameaçam
disparar todo o arsenal disponível em direção à cidade de São Francisco caso
uma quantia de cem milhões de dólares não fosse repassada a eles. Um dos
principais objetivos do motim seria o de doar grande parte da quantia exigida
às famílias de soldados mortos em missões secretas que nunca foram reconhecidas
ou assumidas pelo exército e pelo governo.
Na nervosa e iminente tentativa de contra-atacar uma
provável ação dos rebeldes instalados na ilha, o FBI se vê forçado a formar um
esquadrão especial de combate, recorrendo a figuras distintas como Stanley
Goodspeed (Nicolas Cage), um jovem especialista em armamentos bioquímicos; e o
ex-presidiário John Patrick Mason (Sean Connery), único homem que conseguiu
escapar com vida do famoso presídio. Por fim, os dois acabam tomando frente e
liderando uma refutada ofensiva ante aos militares.
Entretenimento na medida certa para aqueles que procuram
descontração com um bom exemplar do gênero, “A
Rocha” ainda oferece uma trama bem amarrada e conta com ótimas
interpretações de atores que, assim como Bay, tem grande parte dos trabalhos
contestados ao longo da carreira (muito embora os fortes estereótipos também
tenham ajudado a construir com retidão o ardil protocolar e severo comum em
filmes sobre o militarismo). Apesar dos elogios, cabe ressaltar que a narrativa
se perde um pouco nas exageradas sequências de ação próximas ao ato final; o
que não chega a estragar o ritmo e nem tornar cansativo o momento de curtição
do espectador, mas já evidencia os traços megalomaníacos e espetaculosos da
personalidade de um cineasta constantemente perseguido pela crítica.
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"The Rock" (1996) de Michael Bay - Hollywood Pictures [us] | Don Simpson/Jerry Bruckheimer Films [us] |
Independence Day (Independence Day, Estados Unidos, 1996)
Direção: Roland Emmerich
Um dos principais sucessos de bilheteria dos anos 90, “Independence Day” configurava-se antes
mesmo de sua estreia como, se não o maior, um dos maiores clássicos da ficção
científica contemporânea, pelo menos no que se referia à utilização dos efeitos
especiais, bem como a espantosa e magnética capacidade de entreter seu
espectador, mantendo-o sempre colado na poltrona. Dirigida pelo alemão Roland
Emmerich, a mais nova megaprodução hollywoodiana se propagava por inúmeras
salas ao redor do mundo evocando o fascínio e o medo hospedados no âmago da
sociedade global, constantemente preocupada com as prováveis consequências de
uma invasão alienígena.
Como já foi dito, o encantamento se deu, inicialmente,
pelo belo espetáculo visual que os trailers
da época nos proporcionavam. A cena de destruição da Casa Branca em Washington,
por exemplo, é uma das mais icônicas da história recente do cinema e,
invariavelmente, costuma ser lembrada até por pessoas que sequer tenham
assistido ao filme. Todo o cartaz e o gabarito que a marca “Independence Day” vinha conquistando ainda em seu processo de
filmagem garantiriam uma susceptibilidade permissiva, tanto ao diretor quanto
aos produtores envolvidos no projeto, para que pouco se preocupassem em
oferecer ao público uma história densa e com arco dramático bem construído.
Fugindo de polêmicas e de possíveis teorias
conspiratórias, o enredo despretensioso e ingênuo acompanha David Levinson
(Jeff Goldblum), um expert em comunicação por satélites que se reúne com o
presidente dos Estados Unidos, Thomas J. Withmore (Bill Pullman), com o intuito
de alertá-lo sobre uma transmissão vinda do espaço que ele teria interceptado e
decodificado, revelando algo parecido com uma contagem regressiva. As medidas e
ações deveriam ser tomadas com muita rapidez, afinal espaçonaves gigante
começavam a aparecer em vários cantos da Terra, demostrando uma atitude hostil
e nada amistosa.
Os pontos negativos do longa caminham junto com a
previsibilidade narrativa. Há de se criticar os excessos com relação ao
enaltecimento do nacionalismo estadunidense, emanado à exaustão por figuras
patrióticas e heroicas que nunca abandonam o clichê quase inoperante que afirma
que somente a força de vontade do ser humano é capaz de combater raças ou
tecnologias infinitamente superiores (caso do Capitão Steven Hiller,
interpretado por Will Smith). Exageros e críticas à parte, é importante agregar
valores à realização de “Independence
Day”, que merece destaque significativo em qualquer lista de grandes
filmes, pois criou um novo conceito ao modernizar e inaugurar uma nova fase
para os filmes-catástrofe.
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"Independence Day" (1996) de Roland Emmerich Twentieth Century Fox Film Corporation [us] | Centropolis Entertainment [us] |
Shine - Brilhante (Shine, Austrália,
1996)
Direção: Scott Hicks
Completamente atormentado, um insólito desconhecido chega
a um restaurante em uma noite chuvosa. Dotado de hábitos e trejeitos
peculiares, o homem se mostra um sujeito de personalidade excêntrica, que é
imediatamente contrabalançada pela incomum habilidade de domar o piano do
estabelecimento. Compassiva, a gerente do local manifesta sua solidariedade
abrigando-o em sua casa e ouvindo atentamente as suas histórias. A partir deste
momento começa a ser revelada, através de flashbacks,
a vida do pianista australiano David Helfgott, músico de talento apreciável que
desde muito cedo demonstrava um talento surpreendentemente harmonioso para a
linguagem dos sons.
Vencedor do BAFTA, do Globo de Ouro e do Oscar de Melhor
Ator pela interpretação de Helfgott, Geoffrey Rush se doa para o personagem de
uma forma raramente vista, oferecendo ao público a oportunidade de se apaixonar
por uma das figuras mais incríveis e inspiradoras da antologia cinematográfica.
Tangenciando o drama está o fato de que, como concertista, David jamais atingiu
o nível que especialistas em música esperavam que ele atingisse, incluindo seu
próprio pai, Peter (Armin Mueller-Stahl). Dessa forma, começamos a compreender
como um prodigioso instrumentista passa a desenvolver graves problemas
psicológicos, enfrentando desde a infância os conflitos com um pai autoritário
e ambicioso que o pressionava para alcançar a perfeição e atingir o sucesso.
Indesejavelmente, erros cometidos por algumas famílias
são capazes de destruir carreiras notáveis. No caso de Peter, fica clara a
falta de instrução e capacidade compreensiva para administrar a carreira do
filho. Desdobrada de maneira devastadora, a trajetória de Helfgott é marcada
pela súbita decadência. Cada vez mais afetado por distúrbios mentais e crises
emocionais, as habilidades e os lampejos de genialidade do músico raramente vêm
à tona. Anos mais tarde, com a ajuda da esposa, David volta a encarar um piano,
retorna aos palcos e recebe, com toda justiça, a merecida aclamação popular e o
reconhecimento da crítica especializada.
Dirigido pelo também australiano Scott Hicks, ex-produtor
de documentários para a televisão, “Shine
- Brilhante” é uma cinebiografia poderosa que transmite de maneira
dolorosamente trágica a extravagância que sempre vem embutida no caráter de
grandes artistas. A trilha sonora também é impecável, com grande parte das
melodias compostas pelo próprio David Helfgott, bem como o “Concerto para Piano n° 3”, tocado na cena mais emblemática do
filme; afinal, Rachmaninoff é um deleite para os ouvidos e para os corações de
qualquer pessoa apaixonada pelo cinema, pela música e pela vida!
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"Shine" (1996) de Scott Hicks - Australian Film Finance Corporation (AFFC) [au] Film Victoria [au] | South Australian Feature Film Company [au] |
Dessa forma, chegamos ao fim da nossa retrospectiva! Caso
queiram relembrar os filmes apresentados anteriormente nos outros artigos,
basta continuar navegando pela nossa página ou clicar nos links correspondentes
a cada uma das partes que seguem logo abaixo:
Particularmente, reafirmo que cumprir com antecedência as
metas de um desafio que estabeleci no final do mês passado renovaram
completamente a minha confiança, me enchendo de ânimo para continuar mantendo
esse espaço vivo. Dezembro começará com novos desafios, dos quais também pretendo
cumprir todos, oferecendo aos leitores informações das quais julgo relevantes
para compartilharmos juntos o nosso Amor pelo Cinema. A lista dos melhores
filmes do ano (tanto os nacionais quanto os internacionais) já está sendo
preparada para mais duas publicações especiais.
Transbordado de esperança, já garanto que a retrospectiva
“20
Filmes que completam 20 Anos em 2017” voltará com força total e
novamente em seu período habitual: julho do ano que vem. Apresentaremos a já
tradicional revisão cinematográfica do nosso blog; dessa vez com uma lista de
clássicos incríveis lançados no ano de 1997.
Até lá...